Pseudokane3 07/12/2010
'Ipsis literis' de mim mesmo:
Dividido em quatro macro-segmentos (“A Casa”, “A Chana”, “O Polvo” e “O Templo”), escritos com intervalos de mais ou menos dez anos entre um e outro, “A Geração da Utopia” é, desde já, um de meus livros favorito! É tudo tão urgente, é tudo tão político (no sentido mais minimalista do termo) que não posso esquivar-me de ser atingido no cérebro, no coração, no pênis e onde quer mais que eu demonstre sensibilidade em relação aos nervos de meu corpo!
A primeira frase do romance já me encantara por completo: “portanto, só os ciclos eram eternos”, escreveu Pepetela em 1961, desafiando os detratores que lhe disseram que “portanto” é uma palavra que só pode ser utilizada em contextos que visem à conclusão de um raciocínio. “Daí a raiva do autor que jurou um dia havia de escrever um livro iniciando por esta palavra. Promessa cumprida”. E, ainda na primeira página de seu livro, já havia um raciocínio a ser concluído: um raciocínio que leva a novos raciocínios e aos inúmeros epílogos que se somam aos capítulos, à busca eterna pela liberdade. A trama do livro? A História de Angola, narrada pelos olhos e sentimentos de um grupo de estudantes que se reencontra em Portugal e, depois, nos combates sangrentos pela independência do país africano, reconhecida somente em 11 de novembro de 1975. O que me traz à mente várias anedotas reais enquanto recepcionista.
Os dois primeiros segmentos lidos forma escritos antes da tal data: “A Casa” data de 1961 e se passa nas circunvizinhanças de uma universidade lusitana, enquanto “A Chana” data de 1972 e se passa nas regiões desérticas que fazem fronteira com a Zâmbia. O tom de escrita entre um e outro segmento é muito diferente: no primeiro, há ainda a utopia de que o título fala, os personagens falam de sexo, de sonhos, de esperanças profissionais, de desejos familiares, de preconceitos e sub-preconceitos, de amor ao próximo, em geral, enquanto que, no segundo, o que há é fuga, é sangue, é a necessidade de comer que faz com que até mesmo corças em estado avançados de gravidez sejam decapitadas diante de uma fogueira rala. Diz um dos personagens: “a verdadeira luta de classes é a contradição que opõe os que passam o dia a pensar na barriga para a encher e os que, se nela pensam, é apenas para a esvaziar. E não me venham com teorias, esta é a única verdade”. E eu não venho com teorias. Calo-me, por ora, enquanto confesso que cheguei às lágrimas no terceiro segmento “O Polvo”, escrito em abril de 1982, e experimentei um verdadeiro transe antes que o livro chegasse ao seu não-final. Meu sangue lateja!
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