Thales.Santos 03/07/2023
É inegável a competência Antonio Candido na crítica literária, mas duas coisas me incomodaram nesse livro. O primeiro é a total negligência, ao tratar do naturalismo citando o Adolfo Caminha e Aluísio de Azevedo, ao não mencionar as influências do positivismo (especialmente da Escola Positivista de Criminologia) nesse movimento. O positivismo vai afetar e influenciar profundamente os estudos de raça da época, fortalecendo o entendimento de que seria um fator biológico. Sendo assim, haveria certas predisposições genéticas que determinariam as ações do sujeito, servindo como base para as ideias eugenistas da época.
Em O Cortiço, por exemplo, logo depois de Jerônimo, branco e português conhecido por sua honestidade e por ser um trabalhador modelo, ao se apaixonar por Rita Baiana, uma "mulata" sensual e lascívia (e demais estereótipos sexuais atribuídos às mulheres negras), se torna um alcóolatra, vagabundo e passa a espancar a sua mulher Piedade (simbólico, não?). Ou seja, o contato de um branco "puro" com uma "mestiça", trouxe a sua degenerescência, algo tão propagado pelos positivistas, onde no Brasil podemos citar Nina Rodrigues e Oliveira Viana, por exemplo.
Já em Bom-crioulo, o Amaro, ex-escravo que depois vira marinheiro, é reduzido na história por conta do seu físico imponente (que o tempo todo é comparado ao de uma besta) e por sua servidão, incialmente à marinha e posteriormente a Aleixo, seu amor.
Bom, se esses dois exemplos, das obras mais famosas do naturalismo, não for o suficiente para mostrar o seu caráter racista, tendo como norte ideológico o positivismo científico, eu não sei o que é.
Outro aspecto interessante da análise do Candido, é o fato dele em diversos momentos mostrar algum autor que critica o racismo da sociedade da época e ele sempre coloca "mostrando a irracionalidade e tolice do preconceito de cor em um país mestiço". Isso nos leva a uma indagação: se fosse na Europa, o racismo então faz sentido? Isso abre margem para a ideia ridícula de que em algum lugar existe raça pura (normalmente esse lugar é atribuído a Europa e seus "brancos puros", quando isso está ais do que comprovado ser falso, afinal, nós não somos cachorros ou cavalos para sermos de "raça pura". O racismo está longe de ser um ato irracional, e ele ser manifestado no Brasil, que de fato é um dos países onde a miscigenação alcançou um alto nível de complexidade, ou em países com menores taxas de miscigenação, não apaga seu caráter exploratório.
Ao contrário do que é dito, o racismo não é um episódio em nossa história, pelo contrário: ele é uma das bases na qual o Estado Moderno irá se fundamentar. Isso não é irracionalidade. E o Brasil será um dos países que mais irá ter sucesso em manipular e esconder sua violência racial aos olhos do mundo e de sua própria sociedade. Mas ele está lá, basta olharmos com um pouco de atenção.