z..... 12/04/2017
Creio que a mensagem implícita é de revelação da corrupção em males que também assolam a alma, como se a visão da enfermidade que acometia o corpo aflorasse também a visão da degradação de caráter. A obra foi escrita no período medieval, no contexto da peste negra que assolava a Europa, como um retrato de época, rompendo com padrões preconizados ao expor hipocrisia, interesses escusos, sexualidade, traições, condutas perversas, machismo e repressões, em uma construção jocosa, inovadora e carismática.
Geralmente o livro é associado à perversão sexual, mas essas histórias não são a maioria. Se for para estereotipar, a ideia deve estar ligada à revelação do homem, naquele contexto social, em um posicionamento libertário e real na sua identidade. O homem é corrupto, praticando injustiças, e a obra não se omite em dizer isso, mesmo nos velados idos de 1348 ou perto disso.
Embora as histórias picantes não sejam a maioria, o apelo e curiosidade que provocam levaram a ser as mais conhecidas. Fale de sacanagem que o povão fica logo de orelha em pé! Né não!? Aham! Ora se não!
Nesse contexto, acredito que estão entre as mais conhecidas a do mudo no convento (onde o sujeito deu uma de calado para trabalhar como jardineiro e aí teve que lidar com "outras flores", insaciavelmente... eu disse em um convento) e a narrativa da disponibilidade de um cara de pau em ajudar o seu compadre em certo feitiço para transformar sua mulher numa égua (sabe de nada, inocente - o tal feitiço que inventou se construía através de uma relação sexual... fala sério!). Porém, a mais salafrária de todas, na minha opinião, foi a a décima da terceira jornada. Narrativa sobre um tal "tirar o diabo do corpo lançando-o no inferno" que um descarado monge ensinava para uma moça a pedido do pai, onde o demo era o "volume animado do monge quando via a moça" e o inferno era o "fogaréu em despertamento da jovem nos países baixos". Mas que safadeza!
Coisas que aconteciam, mas eram mascaradas e Boccaaccio, sem querer querendo, lançou no ventilador, brincando e falando sério.
Nas histórias diversas - que falam de desventuras, traições, machismo, repressão, hipocrisia e outros aspectos - vou deixar em registro a de dois homens que teriam buscado conselhos com Salomão sobre suas mulheres. Um queria ser amado e foi aconselhado a amar, já o outro que queria dar uma lição na mulher, através de uma simbologia grotesca, entendeu que deveria dar uma senhora surra. Deixei em registro apenas para mostrar o contexto de época violento para as mulheres, revelado pelo autor, e também por me apresentar uma palavra que não conhecia: abespinhado.
Outra história foi a do homem e a esposa teimosa, na nona jornada, por ter um desenrolar de terror que pensei que ia se transformar num conto de lobisomem. Só um fato inusitado, por isso também registrei.
Seja como for, todas as narrativas são delineadas por costumes, crenças e identidade oculta naquele contexto. Nas entrelinhas, um livro de revelações. Não vou ousar em dizer na minha limitação, mas seria um inusitado estudo antropológico ou sociológico?
Finalizando, Decameron em grego significa dez dias. Isso porque a obra mostra um grupo de dez pessoas (7 mulheres e 3 homens) que se reuniram durante dez dias para contar histórias. Em cada dia todos contavam uma história, totalizando cem ao final da jornada. A motivação foi a busca de um refúgio quando a peste negra assolava a cidade (Florença).
A segunda vez que li e tive certo enfado. O aproveitamento é a visão no contexto de época, que escancarava muita falsidade e maracutaia.