Aline T.K.M. | @aline_tkm 24/11/2014Tudo é muito relativo e algumas coisas podem “simplesmente acontecer”. Até com os personagens de Julian Barnes.Um triângulo amoroso no melhor humor irônico de Julian Barnes, Em tom de conversa não é uma história de amor, mas antes, uma história sobre o amor. Também sobre infidelidade. E faz compreender que não existem regras imutáveis no casamento.
Stuart e Oliver são amigos de infância. Stuart faz o tipo mais metódico, trabalha em um banco e é introvertido. Também não costuma ser bom com piadas. Já Oliver é carismático, sexy e gosta do que é sofisticado. No entanto, é um professor de inglês fracassado. E Gillian, esposa de Stuart, tem origem francesa e trabalha como restauradora de quadros. Em dado momento – mais especificamente no dia do casamento de Stuart e Gillian –, Oliver se apaixona pela mulher do amigo...
Os três protagonistas se revezam na narração dos fatos; os monólogos – com humor bastante apurado, sarcasmo e tom confessional – falam diretamente ao leitor, que é contemplado com três pontos de vista distintos dos fatos. Aliás, Barnes é um verdadeiro mestre ao conferir voz e personalidade únicas e bem delineadas a cada um dos personagens. A sensação que se tem é a de ouvir pessoas diferentes, tão humanas que vão além das páginas do romance.
Ao longo da narrativa somos surpreendidos com referências a Jules et Jim. Uma das delícias do livro, afinal, não há como testemunhar um triângulo amoroso entre amigos sem que os pensamentos pousem no clássico triângulo de Truffaut. Deliciosa também é a passagem que marca o momento em que Oliver se apaixona por Gill; ao percorrer cada pedacinho do rosto dela com o olhar, Oliver deixa transparecer uma delicadeza que até então se pensava impossível para o esnobe e egocêntrico personagem.
Além dos protagonistas que compõem o triângulo, outros personagens aparecem para dar sua visão das situações, e um deles é Mme. Wyatt, a mãe francesa de Gill. Sábia essa mulher que, tendo sido abandonada por seu marido quando a filha era criança, tem ideias bastante sensatas a respeito do amor e do casamento. Inclusive, vem dela a ideia que mencionei lá no início, a de que não há regras imutáveis no matrimônio. Bem, na verdade, Mme. Wyatt consegue pensar em apenas uma: “o homem nunca deixa sua mulher por uma mulher mais velha. A não ser isto, tudo o que for possível será normal”. Sua sabedoria nos assuntos do amor eu só a compararia à do ilustre professor Schianberg em Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios – guardadas as devidas proporções.
Paralelos e metáforas permeiam a narrativa, sempre mantendo o amor em primeiro plano. Talvez ninguém imaginaria comparar o sentimento com o mercado financeiro, ou então enxergar a vida a partir da incerteza – inimaginável – do trabalho de restaurar uma pintura de séculos passados.
Em tom de conversa não vem para desconstruir o amor – como pode parecer em alguns momentos –, mas para promover um sincero debate acerca do tema. Não há certo ou errado, culpado ou vítima; tudo depende do momento específico e do ponto de vista – o que, felizmente, não falta aqui. Tudo é muito relativo e algumas coisas podem “simplesmente acontecer”. Com qualquer um. Até com os personagens de Julian Barnes.
LEIA PORQUE...
É Julian Barnes e só isso já basta.
Não, mas sério, o livro traz doses de humor e reflexão, e apresenta uma situação complicada – o triângulo amoroso – de uma forma simples e até mesmo inevitável.
DA EXPERIÊNCIA...
Amei tanto que mal posso esperar para ler Amor, etc, romance que traz o mesmo trio de personagens: Oliver, Stuart e Gillian.
FEZ PENSAR EM...
Talvez uma história de amor (Martin Page) e Em caso de felicidade (David Foenkinos). Ambos abordam o amor, o relacionamento e as crises; leituras imperdíveis.
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http://livrolab.blogspot.com