Mariana 10/08/2018O bada do rei de olhos azuis"As belezas da ideia e seus crimes, suas loucuras, suas guerras intermináveis, seus prazeres desenfreados e sua obstinação em perseguir sei lá o quê, suas florestas, suas caçadas, suas divisões, era a teimosia da Europa em sobreviver."
O livro nos conta a história de um brâmane que reencarna na alma de um rinoceronte. O rinoceronte, enquanto animal exótico para a Europa do fim do período medieval, começa sua história como mascote para o divertimento do rei Sebastião, de Portugal. O rinoceronte tem capítulos próprios, em que ele narra os acontecimentos a partir de seu ponto de vista. Seu desconhecimento sobre as questões europeias da época não se deve ao fato de que é um animal enorme, e sim ao fato de que é proveniente da Índia. Isso gera um tom cômico interessante no livro.
"Os oficiais receavam uma dama terrível, a qual chamavam de Espanha, e que devorava o país deles por ocasião das bodas. Não compreendi direito como uma só mulher podia comer um país inteiro, mas, afinal, talvez existissem entre os brancos fêmeas de dentes afiados. Os casamentos pareciam o grande negócio dos reis."
O rinoceronte vai passando por vários donos diferentes e nós acompanhamos, sob um olhar engraçado do animal, as diversas intrigas da corte, a personalidade dos reis, as batalhas religiosas. O livro não tem uma história principal, é dividido em vários focos narrativos e vários narradores também, o que confere a ele um sentimento de história 'desfocada' ou até mesmo 'espalhada'.
"Há dois tipos de iogues. Uns são arrogantes, seguros do seu saber. Os outros são verdadeiros. Por terem alcançado a indiferença, se exprimem com uma doçura extrema."
Todos ou quase todos personagens são baseados em reis, rainhas, duques e embaixadores que realmente fizeram parte da história europeia, tais como Sebastião de Portugal, Cristina da Suécia, Filipe II da Espanha, Rodolfo da Áustria. É interessante como a autora acentua as características mais caricata dessas personalidades históricas, dando à ficção muita matéria-prima: lendas centenárias, mitos (como o do rei Sebastião que, após desaparecido na guerra no Marrocos, era esperado pelo povo português) e curiosidades gerais (como a noção de que a dinastia dos Habsburgo era uma casa cheia de loucos).
Li a tradução do francês pro português e o jeito de narrativa me lembrou algo entre os romances históricos (e cômicos) de Moacyr Scliar e Ruy Castro. Embora no final eu tenha achado que a história tenha me levado de nenhum lugar a lugar nenhum, o livro é bem escrito e sua proposta é, no mínimo, inteligente. Um bom entretenimento.