Luiz Pereira Júnior 05/04/2024
Nem obra-prima, nem merecidamente esquecível
Uma dama de imensa beleza e bondade casa-se sem paixão com um homem mais velho, ao qual respeita e é por ele respeitada. No entanto, cai nas graças de um belo e jovem nobre, mas não lhe corresponde fisicamente ao amor. Decide-se, enfim, a livrar-se da tentação do adultério e, para isso, pede ajuda justamente ao marido, contando-lhe a verdade, mas sem dizer o nome do amado.
Resumidamente, esse é o mote de “A princesa de Clèves”, um romance típico da época em que foi escrito, repleto de fofocas da corte, bastidores da aristocracia e do retrato da bolha que era a vida dos privilegiados (e será que não é assim ainda hoje?).
Em que pese a monotonia do retrato da corte, com suas dezenas de personagens (todos semelhantes entre si) cabalando em busca de uma melhor posição social, a ideia principal do livro é excepcional: será que desejamos saber a verdade, quando ela pode nos destruir? Ou será melhor permanecer na doce felicidade da ignorância?
(Um jornal da época fez uma pesquisa entre os leitores, perguntando se a princesa fez bem ao revelar seu segredo ao marido. Mas, como eu sempre digo, sem spoiler.)
Vale a pena? Sim, mas tenha em mente que a linguagem pode cansar, a repetição de cenas pode irritar, a mesmice dos personagens pode afastar por uns tempos o pensamento do leitor. Mas imagine que se trata de uma conversa com algum daqueles chatos que você conhece (afinal, sempre conhecemos alguém chato e sempre somos o chato de alguém), que tagarelam a noite inteira, contando uma história que parece nunca ter fim, mas que, subitamente, ilumina-se com uma passagem que nos deixa atônitos...
Assim é “A princesa de Clèves”: certamente não agradará a muita gente, mas nem por isso deixará de ter seu valor na história do romance como retrato de costumes. Pode não ser uma obra-prima, mas nem por isso merece ser relegada ao esquecimento...