Coruja 31/07/2010"- Simon foi dormir na casa do inseminador número dois... – ela disse com um ar de fastio. – Por isso eu não estava com pressa nenhuma de voltar para casa, para aquela cobertura vazia.
Para mim, era uma surpresa ouvi-la falar em solidão. Ou em qualquer outra emoção humana, diga-se de passagem. Observando-a melhor, achei-a especialmente pequena no terninho de sempre, amarfanhado depois de um longo dia de trabalho.
Como um ser humano se transforma em Vivian Grant?, perguntei a mim mesma. Seguramente, ela não havia nascido assim, tão cruel e tirânica. Afinal, tinha dois filhos. Filhos cujos dotes anatômicos ela costumava exultar aos quatro ventos, para quem se dispusesse a ouvi-la, mas filhos mesmo assim. Por um instante, vi em Vivian uma pessoa sozinha, perturbada, terrivelmente triste. Quase digna de dó.
Lembrei-me da resposta malcriada que eu havia dado a mamãe quando ela se ofereceu para fazer minha mala. Do pouco tempo que havia passado na companhia de Luke e Bea, tão gentis por terem me acompanhado até o Iowa. Da impaciência que havia sentido naquela manhã diante da água que não fervia nunca para o café. Dos séculos que haviam se passado desde minha última conversa com Mara. Fazia meses que eu não dava as caras na academia e que minhas refeições eram compradas ora por telefone, ora numa maquininha dessas de moeda. Descontando-se as noites de sono, eu não havia passado mais do que três horas com meu namorado desde minha mudança para o apartamento dele.
- Bem, eu preciso voltar ao trabalho. – disse Vivian, dando um desanimado tapinha no ar antes de seguir pelo corredor – Alguém tem de fazer as coisas acontecerem por aqui.
Virando o rosto, vi minha triste imagem refletida no computador: o corpo caído na cadeira, os cabelos presos de qualquer jeito num coque.
E então vi algo mais: a paisagem noturna de Manhattan, reluzente, viva e pulsante, que se estendia do outro lado da janela.
“Cinco meses”, prometi a mim mesma, só mais cinco meses, e então volto à vida."
'Porque ela pode' não seria uma escolha natural minha indo à livraria e enfiando o volume debaixo do braço. Gosto de romances, mas há alguma coisa que não me apetece muito nesses ‘romances modernos de mulherzinha’.
Mas, como já tinha uma seção para romances históricos e eu já tinha colocado um romance histórico para janeiro, mês dos romances de banca... Decidi pegar algo diferente para o mês de maio. E foi assim que catando em sites de e-books eu dei de cara com esse livro.
Logo na capa, a propaganda já diz a que veio o livro: “O diabo veste Prada do mundo editorial”. Como me diverti imensamente com o filme, essa declaração me fisgou e assim foi que decidi catá-lo para ler.
Não li O diabo veste Prada (só vi o filme), então eu talvez esteja errada em afirmar isso... Mas, sinceramente, Vivian Grant não chega aos pés de Miranda Priestly. A editora megera que inferniza a vida da protagonista, Claire, é um poço de vulgaridade, obcecada por sexo, absolutamente caricata.
Miranda ao menos humilhava elegantemente (não que isso seja muita vantagem, mas...).
A sinopse do livro é a seguinte:
A vida profissional de Claire Truman é um tédio. Como assistente de uma editora em Nova York, ela anda se arrastando pelos corredores, cansada de esperar pela tão sonhada promoção. Porém sua vida está prestes a mudar radicalmente. Claire recebe o convite para trabalhar na Grant Books, dirigida pela poderosa Vivian Grant. Com o salário triplicado e no cargo de gerente, Claire logo percebe que a chefe é uma verdadeira megera, capaz de emplacar os livros no topo da lista do New York Times com a mesma facilidade com que maltrata seus assistentes: ligações no meio da noite e reuniões que mais se parecem zonas de guerra.
Eu me diverti com o livro, dei algumas boas risadas; mas confesso que ele não me empolgou tanto. Eu gostei muito mais dos personagens secundários que os principais – senti, aliás, uma particular simpatia pelo Luke, um autor iniciante que, em sua primeira aparição na história, está vestido de bebê, na saída do metrô, entregando panfletos de propaganda.
Dois pontos positivos, porém: uma vez que o livro é baseado numa experiência real da autora com sua chefe maligna (tremo até de pensar...), e o vislumbre que a gente tem dos bastidores do mercado editorial americano é fascinante. Eu fiquei curiosa em saber como as coisas funcionam, a questão dos agentes literários e dos ghostwriters. Pelo pouco que conheço do mercado editorial brasileiro, é completamente diferente (exceto, claro, pela dificuldade de publicação para novos autores).
Segundo – e foi com esse detalhe que mais me diverti no livro – a autora batizou todos os seus capítulos com títulos de grandes livros. Como adoro palavras cruzadas, um dos meus passatempos enquanto lia era descobrir qual era o autor homenageado em cada capítulo (lembro agora de cabeça pelo menos Fitzgerald e Dickens).
Em suma, Porque ela pode não é um livro que eu diria que você tem absolutamente de ler, mas, se não tiver mais nada para fazer e nada mais interessante na estante... ele é um bom passatempo para uma tarde nublada.