Luis 13/07/2014
Mulheres de Alice
Até outubro de 2013, quando foi agraciada com o Prêmio Nobel, confesso que Alice Munro era para mim uma ilustre desconhecida. Por sinal, a láurea maior da Literatura mundial tem muitas vezes essa função : a de permitir aos leitores não profissionais o acesso à autores muitas vezes restritos praticamente aos seus países de origem ou à círculos acadêmicos limitados. Em grande parte, esse era o caso da escritora canadense.
Ódio, Amizade, Namoro, Amor e Casamento (Editora Globo, 2013) é uma coletânea de contos que serve de amostra representativa do universo narrativo de Alice, constituído basicamente de histórias simples, que beiram à banalidade, mas se lidas com um pouco mais de atenção, configuram um painel interessante das relações humanas em seus laços mais típicos, conforme evidenciado no título.
Talvez aqui não caiba exatamente o rótulo de contos à ficção proposta por Munro. Pela extensão e pelo olhar um pouco mais amplo sobre os personagens e situações, que extrapolam a estrutura clássica do gênero, a impressão é que Alice vai coletando fragmentos de romances inacabados. Impressão essa, reforçada pelos desfechos incomuns de cada historieta, onde na verdade não há um fim e sim uma espécie de abandono por parte do narrador. Em suma, seria como se o leitor, tal qual um vizinho intrometido, acompanhasse o desenrolar da vida comum dos personagens, até que subitamente um caminhão de mudanças encostasse e levasse embora aquele cenário e suas histórias. Essas de fato não terminam, mas devem continuar em outras paragens, em páginas distantes dos nossos olhos.
Se fosse possível um paralelo do trabalho da autora à uma esfera ficcional mais afeita à nossa realidade, ainda que guardadas as devidas proporções de público alvo, veículo e quilate cultural, Alice Munro explora à sua maneira o mesmo caldeirão de onde , por exemplo, o veterano novelista Manoel Carlos retira a matéria prima de suas tramas, que em geral versam sobre a vida comum e os dramas do cotidiano. Aldeias diferentes, conflitos iguais.
Embora possa parecer um clichê dos mais baratos, é inegável que o ponto de vista feminino, temperado pela arguta sensibilidade da autora, permeia a obra como um todo. As mulheres de Alice (tal como as Helenas de Manoel Carlos), embora envolvidas em enredos simples, são seres complexos que variam permanentemente no espectro entre heroínas e vilãs, sem se fixar em qualquer extremo. Manipular essas características de forma verossímil, forçando uma identificação imediata, muito provavelmente é um dos fatores da boa aceitação do trabalho da mais recente ganhadora do Nobel.
Apesar de todas as características que demonstram o auto grau da agradável legibilidade de Ódio, Amizade, Namoro, Amor e Casamento, um julgamento mais efetivo da obra de Alice precisa estar embasado de leituras mais amplas e menos apressadas de sua produção. Por ora, posso dizer que esses fragmentos de romance me parecem uma porta de entrada interessante para um universo literário que, disfarçado de simplicidade extrema, traz nacos generosos de reflexão sensível sobre os relacionamentos humanos.