Brubo 02/03/2022
Tio Brubo, [28/02/2022 01:24]
“O Anjo Pornográfico” não é cinema, mas caso fosse, seria um grande exemplo de “cinéma vérité”. Isso porque, durante as 420 paginas que constituem a biografia, Ruy Castro realmente nos coloca como “uma mosca na parede” da casa da família Rodrigues. Propositalmente ou não, a forma como as fotografias são dispostas no livro, às vezes complementando o texto, algumas vezes ilustrando e muitas vezes interrompendo, passa uma sensação cinematográfica ao leitor de dar inveja a qualquer montador de cinema.
Fotografias essas, aliás, que são as únicas partes do livro que quebram a sensação de “mosca na parede”, por serem, com raras exceções, planejadas demais, com ângulos, filtros e poses que propositalmente deixam as situações retratadas grandiosas. É claro que isso não é, de forma alguma, culpa de Castro, que fez um trabalho impecável na pesquisa e recuperação dessas imagens (Com destaque às ilustrações de Roberto, irmão de Nelson, que carregadas de representações de sexo e culpa, impressionam até hoje).
Apesar disso, as imagens não geram um choque estético com o texto, pelo contrário, afinal, parafraseando o próprio Ruy Castro, a vida de Nelson foi “mais trágica e rocambolesca do que qualquer uma de suas histórias”, o que faz com que esse tratamento seja o mais justo a uma vida tão intensa quanto a de Nelson.
Mas, se a vida de Nelson foi tão agitada assim, como Ruy fez para evitar a romantização dos fatos e dar a já citada sensação de “mosca na parede”? Simples, ao contrario do que faria um biografo mais despreparado, Ruy entende que nos jogar diretamente na vida de Nelson sem antes nos apresentar o cenário que tornou todos aqueles acontecimentos possíveis nos faria ver a vida de Nelson como um autentico drama hollywoodiano. Justamente para evitar isso, Ruy dedica grande parte do inicio do livro á vida de Mario Rodrigues, pai do biografado, e após detalhar sua ascensão, divide a atenção do texto com os irmãos e o ainda adolescente Nelson Rodrigues.
Todo esse contexto evita que o livro caia no clássico clichê de idolatrar o prodígio Nelson, mostrando que esse começo precoce era, na verdade, o caminho natural das coisas. Essa abordagem sem idolatria acaba por mostrar ao leitor um lado não tão “emocionante” da vida rodrigueana, como longas descrições de suas constantes crises financeiras e etc.
Apesar de se tratar de um livro relativamente longo, Ruy Castro nunca perde o ritmo e sempre consegue deixar o leitor engajado e curioso para o que vai acontecer em seguida, mesmo que o leitor já conheça previamente os desfechos das situações apresentadas no livro. Coisa que é impressionante, se você levar em conta que, apesar do protagonista ser obviamente o Nelson, na pratica o livro acaba por ter 5 ou 6 biografados. e o leitor, apesar de ter começado a ler por causa de Nelson, jamais se sente enganado ou que Ruy está enrolando durante as paginas dedicadas aos irmãos e pais de Nelson.
Uma leitura indicada tanto aos que nunca leram uma obra de Nelson quanto aos que se aprofundaram na mesma, e que promete crescer e contar ainda mais em futuras releituras. Eu, que estou no meio do caminho, planejo reler o livro quando conhecer um pouco mais da obra rodriguiana. Até lá, fica minha indicação sincera de um livro maravilhoso sobre um biografado idem.