Sheila 24/06/2012Resenha: "Viva para Contar" (Lisa Gardner)Três mulheres fortes em sua fragilidade latente. Três famílias assassinadas - uma há mais de vinte anos, duas recentemente. Um hospital com uma ala psiquiátrica de cuidados intensivos a crianças com distúrbios severos e um curandeiro que causa sentimentos ambivalentes. Esta é a trama básica do livro "Viva para Contar" de Lisa Gardner publicado no Brasil pela editora Novo Conceito.
Danielle Burton é uma sobrevivente, a única que restou de uma família assassinada pelo próprio pai, que busca calar os fantasmas que a perseguem isolando-se em seu trabalho como enfermeira com crianças com transtornos psiquiátricos, muitas deles submetidas a traumas severos que as fizeram isolar-se do mundo.
"Ele começou no quarto, alvejando minha mãe ao lado da cama. Depois, foi até onde estava a minha irmã, que tinha 13 anos. (...) Meu irmão de 11 anos também apareceu no corredor. Ele tentou fugir. Meu pai atirou e o acertou pelas costas. Johnny rolou pelas escadas. O tiro pegou em cheio, e demorou algum tempo até que Johnny finalmente morresse.Não me lembro de nada disso, é claro. Mas li o relatório oficial quando completei 18 anos.Eu procurava uma resposta que nunca encontrei.Meu pai matou a família inteira, exceto a mim. Será que aquilo significava que me amava mais do que os outros, ou me odiava mais do que os outros?- O que você acha? - era o o que o dr Frank sempre respondia.Acho que esta é a história da minha vida".
D. D. Warrem é uma competente investigadora do departamento de polícia de Boston, que por ser tão dedicada ao serviço não consegue manter uma vida pessoal decente - solteirona, não consegue criar peixinhos de aquário sem que estes acabem perecendo. Está justamente questionando-se a respeito da passagem dos anos e de sua dificuldade em conhecer alguém para uma relação estável, com quem possa pensar em construir uma família, quando a notícia do assassinato de uma família inteira, ao que tudo indica perpetrado pelo pai, passa a demandar toda sua atenção.
"Ela tomou fôlego mais uma vez do lado de fora da porta e sentiu o cheiro de serragem e sangue ressecado. Ouviu um repórter chamá-la para que desse uma declaração. ouviu o barulho de uma câmera disparando, o rugido de um helicóptero de alguma agência de notícias, e ruídos indistintos por toda parte. Curiosos atrás, investigadores á frente e repórteres acima.Caos: muito barulho, muitos cheiros, muita pressão.Seu trabalho, agora, era endireitar as coisas.E ela entrou de cabeça".
Já Victória Oliver é uma mãe dedicada, mas desesperada. Afinal, pouco dorme ou se alimenta, tendo de sobreviver com o perigo rondando perto - dentro de sua própria casa na verdade. Só o amor incondicional que sente consegue movê-la a continuar, mesmo sabendo do risco que corre e tendo que cuidar sozinha das feridas, como ossos quebrados, cortes e hematomas, que esse amor lhe inflige.
"- Estou com sede - diz ele.- Quer alguma coisa? - pergunto.- Mulher, me traga algo para beber. Se não vou arrebentar a sua cara. (...)Antigamente, eu recusaria uma exigência tão petulante. Exigiria palavras mais gentis, um tom de voz mais amável. "Não sou sua empregada", eu o lembraria. "Você vai me tratar com respeito".Porém essas coisas acontecem. Não todas de uma vez. Mas, pouco a pouco, momento a momento, escolha após escolha. Quando uma pessoa abre mão de algumas partes de si mesma, nunca mais consegue recuperá-las".
O livro vai alternando o foco entre cada uma das protagonistas no decorrer dos capítulos, sendo narrado tanto em primeira como terceira pessoa. Aos poucos, as história paralelas de D. D. Warren, Danielle e Victoria vão se aproximando, até virar uma única narrativa que une todos em uma trama bem construída e brilhantemente narrada. Quem estaria por trás dos assassinatos? Por que todas as pistas levam de volta a ala psiquiátrica do hospital onde trabalha Danielle? De que forma os eventos se associam com sua tragédia particular?
Lisa Gardner consegue escrever um thriller de tirar o fôlego, conseguindo manter o suspense - e consequentemente a atenção do leitor - até o fim da estória, que encontra sua resolução bem próximo às últimas páginas. Fazia tempos que não lia um livro extenso que conseguisse prender minha atenção do início ao fim. Para resumir em uma frase: realmente de tirar o fôlego, recomendo.