BetoOliveira_autor 06/12/2021
Uma obra incrível
Resenha CONDESSA VÉSPER, de Aluísio Azevedo
Super recomendo
Terminei a leitura do romance A CONDESSA VÉSPER hoje. Afirmo tranquilamente que se trata de uma obra prima.
Sim, Aluísio Azevedo era um naturalista, e suas obras são citadas como a precursora dessa escola no Brasil. Entretanto, se Aluísio Azevedo estava atento à Literatura produzida mundo afora, tal qual na França com Emílio Zola, como sempre lembrado por se tratar de uma influência no autor brasileiro, também é verdade que o maranhense lia a Filosofia e a Ciência do seu tempo.
No caso da Filosofia e sua influência em Aluísio Azevedo, para quem conhece o pensamento sofisticado de Schopenhauer, certamente indentificará traços dela no romance A CONDESSA VÉSPER.
Entretanto, o romance transcende o naturalismo nele presente e mesmo a Filosofia produzida no final do século XIX, posto que ao tratar de temas universais Aluísio não abandonou as idiossincrasias da sociedade brasileira.
Há muitos personagens interessantes na obra A CONDESSA VÉSPER. Tenho para mim que se tivermos paciência encontraríamos para cada um deles um personagem de outras obras literárias, nacional ou estrangeira, que lhes seriam uma espécie de duplo, espelho.
? GASPAR, apelidado Médico Misterioso, é aquele tipo de pessoa que sofre todo tipo de golpe e afronta de um semelhante, mas nunca desiste do ser humano.
? AMBROSINA, a Condessa Vésper, uma mulher deslumbrante, sensual e sedutora, faz gato-sapato de todos os homens que caem na sua rede, principalmente os ricos e lascivos. Não consegue amá-los para além do saldo de suas contas correntes. Se nela esses homens buscam a beleza e o prazer, neles ela busca o conforto da riqueza e da ostentação.
Não sei se Aluísio Azevedo leu Dostoiévski (creio que sim, pois o brasileiro viveu fora do Brasil, tendo servido na diplomacia primeiramente em Vigo, na Espanha), mas Ambrosina guarda semelhanças com a NASTÁSSIA FILÍPPOVNA, da obra O Idiota, do russo mencionado. Nastássia é considerada uma das personagens mais fascinantes da literatura.
? GABRIEL, quase um filho para Gaspar, é o playboy que herdou uma grande herança e que, na visão do Gaspar (o leitor acaba aderindo), teve uma vida se nulidades. Foi a vítima mais fácil das artimanhas sedutoras da Ambrosina.
?GUSTAVO, também uma espécie de enteado de Gaspar, o mais novo dentre os personagens, mostra-se inicialmente oposto de Gabriel. Gustavo se nega a viver com o apoio da família e sai enfrentar o mundo. Trabalha e se dedica a uma vida intelectual. Conquista certo espaço e respeito nos jornais etc. Promete um futuro, na medida em que, como diz Gaspar sobre ele, em conversa com Gabriel, rompeu com o "romantismo".
Tudo ia bem com GUSTAVO, mas...
Adivinhem só...
Sim...creio que você imaginou exatamente como se barra no romance.
Por força do destino, na missão de praticar uma ação solidária, acaba se encontrando com Ambrosina. Esta, surpresa com a força de caráter do jovem e seu elevado modo de ser, aos poucos o seduz, mas desta vez não quer tirar dele a riqueza material como fazia com os outros homens. De Gustavo ela suga toda aquela juventude cheia de furturo e esperança, a sua respeitabilidade intelectual e brilhante.
Vale a pena registrar que na última conversa entre Gustavo e Ambrosina, aquele a acusou de NUNCA TER AMADO NINGUÉM. Então Ambrosina revela o seu único amor. Amou uma outra mulher, um amor verdadeiro e lésbico por Laura. Cito parte do mencionado diálogo entre Gustavo e a Condessa Vésper:
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? (...) Ah, não! tu não me amas, desgraçada! tu nunca a ninguém amaste!
? Como te enganas!... murmurou Ambrosina, com um suspiro profundo. Oh, se amei!
? Ah!
? Oh, se amei! Tudo o que agora sintas, e muito mais, tudo isso já passou por esta alma perdida e gasta!... Pede a Deus nunca te faça a ti sofrer o que eu sofri...
? Ah! então tu não me amas, porque já amaste demais? Não me amas porque foste já inteiramente de outro?! Oh! por piedade não me mates deste modo! por piedade não me fales em outro homem!
E Gustavo, arfando, deixou-se cair em uma cadeira, a segurar a cabeça com as duas mãos.
? Não foi um homem... segredou Ambrosina, indo afagar-lhe os cabelos. Põe à larga o coração e reprime os teus zelos... Vou confiar-te um manuscrito, que outros olhos não viram além dos meus... Se o leres, ficarás inteiramente tranquilo... e talvez curado.
? Um manuscrito?
? Sim, querido, uma simples nota de minha pobre vida, mas pela qual poderás penetrar até ao fundo do meu coração, e de lá voltares sarado para sempre da poética ilusão de amor que te inspirei. Espera um instante.
E daí a pouco voltava ela com um pequeno livro de capa negra, que passou a Gustavo. Este abriu o livro, e leu na primeira página:
?LAURA?
? Que significa este nome? exclamou o rapaz.
? Lê! disse Ambrosina. É quase nada... obra de alguns minutos de leitura...
Gustavo afastou o reposteiro da janela e, à luz que vinha de fora coada pelas cortinas, começou a ler o seguinte:
?Era no inverno, um céu de lama enlameava a terra. Eu vagava pelas ruas, sem destino, embriagada e foragida.
?Nesta noite havia rompido com o meu amante, o meu primeiro homem, porque a súbita loucura do outro, que tive por marido, não lhe deu tempo para me fazer mulher.
?Na questão com meu amante era deste a razão e minha toda a culpa: fora eu nessa mesma tarde surpreendida por ele a traí-lo, ao fundo da chácara, sob um caramanchão de jasmins, com um miserável que lhe parasitava a bolsa e lhe corrompia o caráter.
?Fugi de casa com medo que ai me matassem numa crise de ciúmes, e quando me achava lá fora, prestes a sucumbir ao cansaço e ao desamparo, fui socorrida por um pobre homem, generoso e rude, que carregou comigo e me recolheu ao leito virginal de sua idolatrada filha.
?Foi então que conheci Laura.
?Um sonho! Dezesseis anos, olhos negros e ardentes, boca desdenhosa e sensual, dentes irresistíveis e um adorável corpo de donzela.
"Acordei essa noite nos seus braços.
"(...)""
(Fim da citação nossa)
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Em suma, citei apenas as personagens Gaspar, Gabriel, Ambrosina, Gustavo e Laura, entretanto, aviso ao colega leitor que no romance A CONDESSA VÉSPER ele encontrará muitas outras personagens interessantes e importantes para o enredo. Há diversas tramas acontecendo só mesmo tempo, compondo um rico mosaico da sociedade brasileira e também do comportamento humano, em seu aspecto coletivo e também individual.
Acrescento que o texto tem uma leitura fluída, sendo que o suspense e as expectativas criadas não deixam o leitor abandonar a leitura e desacelerar. Há descrições do ambiente, mas são feitas de forma simples, até porque possuem valor alegórico tanto para exaltar o estado de espírito dos personagens como para escancarar a hipocrisia da sociedade.
Em A CONDESSA VÉSPER encontramos amizade, amor, traição, hipocrisia, bondade, honra, desonra, arrependimento, reconciliação, ingenuidade, malícia, sensualidade, erotismo, crimes, assassinato e suicídio.
Encontramos também crítica social e Filosofia. Filosofia do melhor quilate. Há também fotografia. Retratos escritos da sociedade e da alma humana.
Quando você termina de ler uma obra tão deliciosa e trágica, certamente concluirá, mesmo sendo um leigo em ciências das Letras e da Literatura:
"Será que um dia os grandes autores brasileiros terão críticos literários à altura deles? Será que um dia, para o bem da Literatura Mundial e Brasileira, superaremos o viralatismo?"
Da minha parte, modesta parte, fica a dica:
O romance A CONDESSA VÉSPER merece ser lido. Não deixa a desejar para nenhuma obra considerada canônica mundialmente.
Caso a minha empolgação não venha corresponder a sua experiência com a leitura sugerida, peço escusas antecipadas.
Tenho dito!