Rubens 07/08/2012
Imagino que alguns leitores devam compartilhar comigo de certa desconfiança diante da imensa quantidade de títulos lançados mensalmente nas livrarias, cuja qualidade literária quase sempre desaponta aqueles que se acostumaram a uma literatura mais elaborada, com temas que nos fascinam pelo que trazem de comum a nossa humanidade e com personagens criados com profundidade psicológica que os torna inesquecíveis. Porém, se por um lado uma dose de “elitismo literário” é necessária para nos fazer voltar sempre aos clássicos, em um mundo em que o tempo para ler é cada vez mais escasso, por outro lado é preciso estar atento a alguns autores contemporâneos que lograram superar os temas rasos dos best sellers e fazem uma literatura capaz de expressar a voz de nosso mundo atual, com suas angústias e com suas esperanças. Neste último caso classifico Paul Auster, o consagrado autor norteamericano, e seu último livro Sunset Park, lançado em maio pela Companhia das Letras, em uma edição que já chama a atenção pelo cuidado gráfico e pela sobrecapa em papel cartonado verde, que lembra uma embalagem de proteção utilizada para embalar coisas frágeis. Talvez este seja um primeiro sinal da particularidade deste livro: algo que trata da fragilidade, dos livros e dos homens, e que nos convida a descobrir em suas páginas. Qualquer tentativa de resumir o livro seria inútil, pois não se trata de uma história de um personagem como querem entender alguns críticos, mas da história de nosso momento atual, como ocidente globalizado, e que embora esteja situada em Nova York, poderia ser em São Paulo, Paris, Atenas ou em qualquer cidade em que a crise, a fragmentação, a desesperança, a imprevisibilidade e a insegurança em relação ao futuro existam. Pode-se considerar que o autor centra sua atenção sobre o personagem de Miles Heller, suas reflexões, experiências amorosas e familiares, forma de perceber o mundo, e em especial sua tendência à confrontação com os limites da realidade, porém o livro nos apresenta outros personagens que “contracenam” com Miles: Bing Nathan, Alice Bergstron e Elen Brice, e que constituem um conjunto que representa a nova geração de americanos (ou de jovens ocidentais?). Para esta geração as perspectivas de futuro são bastante sombrias diante da crise que se instalou desde 2008 (ano em que se passa o livro) e limita a capacidade de concretizar os sonhos, limita o acesso a empregos, nega a segurança para planejar a vida, e resulta em um sentido de resignado imediatismo, adiando ao máximo um desfecho quase sempre trágico e inevitável. O contraponto desse conjunto central de personagens é a “velha geração”, que o autor representa pelos pais de Miles Heller, que tiveram mais sorte no início de suas trajetórias, mas que também se encontram marcados pelo signo da crise e da fragmentação, perambulando em um vazio em busca de respostas que não encontram, pois estão situados na fronteira entre um mundo anterior que já não existe, e um novo presente desconhecido e sombrio. Para alguns pode parecer que se trata de uma visão pessimista do presente, mas o autor parece estar mais próximo de uma visão “desencantada” do mundo, no sentido weberiano, em que a resignação se enleia a cada movimento da vida limitada pelas perspectivas truncadas pelo próprio sistema. Neste sentido poderíamos alinhar os personagens de Paul Auster na mesma tradição dos personagens de outros autores norteamericanos como Faulkner (em Santuário) e de Tenessee Williams (em Um Bonde chamado desejo), nos quais encontramos os mesmo temas da marginalidade, da solidão, do conflito com a realidade, e da procura da identidade perdida em um mundo sem sentido definido. O livro nos fala das tentativas e estratégias inventadas para enfrentar este mundo e nele sobreviver, tentativas que incluem desde a sistemática reflexão sobre o passado, seja em livros, em fotos, ou em amores vividos, e que acabam sintetizadas em uma decisão de utopia quixotesca: tentar burlar as regras e instalar-se em uma casa abandonada em Sunset Park, no subúrbio de Nova York, como que instalando um espaço marginal que poderia manter-se alheio á realidade. Assim, Sunset Park não se limita à história de seus personagens, mas consiste na história de uma tentativa de refundação da realidade, de uma pequena utopia comunitária, que ainda que ingênua e efêmera, permite vislumbrar outras possibilidades para o presente. Ao leitor brasileiro de classe média chama a atenção o fato de que estes seres sem futuro e que se tornam “foras da lei”, invasores de casas, “sem teto” e subempregados, são exatamente nossos semelhantes: filhos de pequenos empresários, filhos da classe média, estudantes universitários, profissionais liberais em decadência. E ainda mais melancólico e estranho: estes jovens estão em Nova York, a grande metrópole idealizada no imaginário mundial, como terra de oportunidades e destino de viajantes ávidos por compras e passeios no Central Park. Talvez o sentimento de “espanto” seria menor se estes personagens fossem ao menos “pobres” e moradores de algum país emergente, mais próximos da imagem que nos habituamos a ver em nossas ruas, favelas, cortiços verticais e barracas improvisadas nos centros das capitais brasileiras, porém o que se descortina nas páginas de Sunset Park é a decadência que não poupa nem os sonhos dessa antes intocável classe média. Assim, é certo que Sunset Park não nos deixa indiferentes, pois além do prazer de uma literatura competente, o livro de Paul Auster também nos leva a refletir sobre o tipo de mundo que se apresenta diante de nós, e sobre as possibilidades de reencontrar nele um sentido que de alguma forma transforme a resignação em esperança.