Leitora Viciada 23/09/2012Este é o segundo livro que leio da autora. O outro foi Não Sou Este Tipo de Garota (resenha), também publicado no Brasil pela Novo Conceito. Ambos voltados para o público juvenil e embora eu tenha gostado mais do anterior, Conselho de Amiga também possui uma forma leve, descontraída e aparentemente simples de apresentar temas sérios e pesados. Novamente a autora traz um chick-lit teen e ultrapassa as barreiras da diversão ou passatempo para tocar em assuntos delicados.
Ele cria um ambiente juvenil tipicamente dos Estados Unidos, que já conhecemos dos filmes de Hollywood. Mas dessa vez, ela não centra a história em grupinhos escolares, nem em alunos populares ou antissociais, nem se preocupa com bailes, rixas entre gangues escolares. Apesar das adolescentes do livro frequentarem a escola e terem seu próprio estilo, elas formam um grupo íntimo e pessoal de amizade, porém cada uma tem sua própria maneira de lidar com o mundo a sua volta e os outros adolescentes.
Apesar de Ruby ser a protagonista, suas três amigas possuem certo espaço no enredo: Beth, sua amiga mais antiga e próxima que sempre esteve presente nos momentos mais difíceis e que a ajuda dia após dia a superar um trauma; Maria, a descolada que acabou por acaso penetrando na amizade de Ruby e Beth, e sendo aceita por gostarem das mesmas bobagens, como roupas de segunda mão, coisas retrô, rock e debochar de garotos estúpidos e populares; Já a quarta integrante do bando não possui quase nada em comum com as demais e faz parte dele há bem pouco tempo e além de ser atleta e muito bonita, parece destoar das restantes.
A história do livro se inicia exatamente quando as três amigas de Ruby vão à sua casa encontrá-la para comemorarem a festinha de aniversário feita pela mãe - e claro, saírem depois para uma festa própria. Ruby ganha de presente uma câmera antiga Polaroid e passa todo o livro com fotografias instantâneas, desde as mais idiotas até as mais surpreendentes.
Porém, nesse aniversário, algo inusitado e estranho acontece. A vida de Ruby vira do avesso, assim como ela se vê obrigada a remoer e relembrar o passado.
Eu mudaria a capa do livro. A imagem com as quatro amigas centrais da história está li, num momento bem descontraído, como as fotografias da Polaroid, como se alguém as tivesse surpreendido e gostei da ideia (mas as imaginaria mais descoladas, mais "rock" exceto a loira). No entanto, a capa não deveria ser toda cor de rosa nem conter estas fontes infantilizadas e deveria encaixar a imagem como uma fotografia de Polaroid mesmo. Ficaria mais de acordo com o espírito do livro. Talvez o subtítulo e o nome da autora pudessem parecer uma anotação da foto, ficaria mais bacana.
Tudo bem que é um livro teen, mas algumas mudanças no visual expressariam melhor a ideia do livro.
O livro é bom e de certa forma me causou surpresas. Não exatamente no enredo, mas na abordagem simples que esconde a complexidade dos sentimentos.
Quando iniciei a leitura, após ler a sinopse e observar a capa, imaginei que seria um livro bobo e sem vida (e até achei no começo), sobre fofoquinhas fúteis e inúteis entre amigas.
No entanto, me enganei. Por detrás de temas simples como a adolescência, as amizades e conflitos dessa fase, percebi sutilezas e mensagens subentendidas, principalmente de questões sobre quem realmente somos, o que queremos e o medo do futuro - e do passado.
Sobre o grupo de amigas, percebi algumas coisas (dentre as quais posso revelar):
Ruby é a traumatizada que guarda as coisas para si, em vez de desabafar ou extravasar. Possui um relacionamento mediano com a mãe, são amigas, mas não demonstram muitos sentimentos uma com a outra. Ruby vê a mãe como abandonada pelo pai, vítima e fraca - e ela luta para não se parecer com ela.
Não é uma garota popular nem muito alegre e parece dependente de sua melhor amiga. Não é uma personagem criada para cativar ou empolgar. Ela é uma menina problemática, comum e é a protagonista para nos mostrar o quanto podemos nos tornar frágeis e sem vida perante problemas da vida.
Ela não é engraçada e parece sempre perdida.
Maria é a amiga neutra. A criada pela autora para amenizar os desentendimentos e animar um pouco a história. Por ser mais experiente com os garotos e parecer se dar bem com eles e com grupos diferentes da escola, sempre tem o celular tocando com alguém convidando-a para alguma festa, mas parece sentir-se só.
Mesmo parecendo ser a mais descolada e despreocupada com a opinião alheia, ela procura seu lugar nessa pequena rede social e quer a adoração e confiança das demais meninas, até porque sabe que Ruby e Beth são as melhores amigas e ela entrou no grupo depois. quase como uma intrusa.
Beth é a melhor amiga de Ruby, e a mais antiga também. Acompanhou todo o sofrimento de Ruby ser largada pelo pai e passou a cuidar dela e auxiliá-la a superar esse problema. Acaba sendo super protetora e o papel de mãe de Ruby - enquanto Ruby prefere ter Beth nessa posição que a mãe verdadeira.
Na verdade, Beth, absorveu parte da raiva do abandono sofrido por Ruby como se também houvesse sofrido igualmente. E esse é um dos mistérios do livro. Por que Beth, com sua família tão perfeita e feliz participa tanto dessa lembrança triste de Ruby super protegendo-a? Será que é porque no dia em que o pai de Ruby saiu de casa ambas brincavam juntas e Beth tudo presenciou? Ou existe algo a mais?
Katherine é a novata, e finge não estar se importando com o que as outras pensam dela. Ela está no grupo e pronto, se sente a vontade, até demais. Com as três novas amigas ela abandona a máscara de jogadora de basquete linda e popular e passa a ser Katherine, a perigosa, explosiva e sem censura na hora de opinar.
No fundo, ela quer ser a garota com os problemas e ser o centro das atenções, apesar da família feliz e perfeita. Então enquanto os pais ficam no impasse de se divorciarem ou não, ela passa a dramatizar tudo e torna-se a rebelde sem causa.
As quatro são verdadeiramente amigas e, no entanto, como em todo relacionamento humano, interesses e vários sentimentos rodeiam as meninas, sejam de amor, ódio, carinho, inveja, união ou compaixão. Por vezes uma gostaria de ser a outra, ou possuir as qualidades (ou defeitos!) das outras, mesmo nos piores momentos.
No final de tudo, elas sempre entram no carro laranja velho de Maria, ligam o rádio e brigam para ver quem será a que se sentará no "banco menstruado" - o que por vezes é uma punição, e cômico. O problema é quando as soluções não se limitam mais a apenas isso.
Como a protagonista é Ruby, embora acompanhemos de relance as vidas paralelas das famílias e relacionamentos das três amigas, a trama gira ao seu redor.
Conflitos familiares, descobertas sobre o passado e o verdadeiro motivo de ter sido abandonada pelo pai a faz se perder em pensamentos, muitos deles negativos.
Ela quer criar coragem para enfrentar as lembranças, as novas ideias e colocar todas as coisas de sua vida no lugar. Num momento decisivo pelo qual está passando, então será que a intromissão de suas amigas, cada uma à sua maneira, pode ser algo positivo?
Não está na hora de Ruby parar de pensar na mãe, nas amigas, nas famílias de suas amigas, em garotos e decidir por si própria o que quer de sua vida?
Como passar a borracha no passado, perdoar e seguir em frente se ela parece estar sendo passada para trás pela pessoa em que ela mais confia na vida? Será mesmo uma trapaça? Será que as amizades verdadeiras podem enxergar melhor o problema, já que estão parcialmente de fora? E se não estiverem assim tão fora do problema? Ruby precisa ser a líder da própria vida, mas não tem coragem.
Achei interessante como bobagens típicas da adolescência: brigas, discussões e reconciliações entre amigas, a descoberta do primeiro amor, a insegurança juvenil e a força de vontade de ousar e mudar faz com que Ruby trilhe um caminho buscando não apenas respostas de seu passado, mas sim sobre quem ela realmente é e o que quer ser.
Se retirar todo o peso do coração e da memória - a velha casa onde viveu e parece retomar as lembranças da infância feliz antes do pai as abandonar; a mãe que nunca arruma um namorado e vive triste; o primeiro namorado que parece ser tão doce e que ela nem tem certeza se realmente gosta dele; as amigas tão distintas e ao mesmo tempo tão semelhantes que adoram dar palpites sobre tudo (e também parecem precisar dela para tudo). - o que sobra de Ruby? Quem é Ruby? Ela conseguirá criar a coragem e enfrentar o pai, a mãe, o passado, as amigas, o mundo todo para ser quem ela deve ser? Existem culpados e errados ou tudo não passa de uma sequência do destino?
Um livro que pode proporcionar ao leitor dois tipos de leitura:
Uma leve, simples, divertida e despretensiosa. E só.
Ou uma leitura que força o leitor (poucos, devo ser sincera) a ler por detrás das cenas e sentimentos e encontrar muitos itens escondidos, como tristeza, frustração, medo, abandono.
Procure ler o livro não apenas como romance juvenil simples. Tente encontrar os segredos dessa simples narrativa e a dor das escolhas e perceberá que o livro não é nada bobo ao abordar sutilmente assuntos aparentemente banais, mas muito sérios e comuns.
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