Aline T.K.M. | @aline_tkm 20/03/2015Meio louco, meio sombrio, meio dramático, meio irreal, meio misterioso...Se tem alguém que é capaz de entrelaçar histórias e personagens dos mais diversos, fazendo com que suas trajetórias se toquem e influenciem, esta pessoa é Jennifer Egan. Em O Torreão, a autora mescla passado e presente, realidade e fantasia, e joga tramas e personagens em estradas que acabam por conduzir a uma mesma encruzilhada.
Sim, eu disse “tramas” no plural, mesmo. Quando o leitor começa a penetrar mais fundo na história de Danny, as páginas seguintes descortinam uma segunda trama que caminha em paralelo à primeira. Esta se trata da história de Ray, detento em uma prisão, que passa seus dias a ocupar-se com um curso na cadeia – e a nutrir certa fixação pela professora.
A sensação de clausura é grande. Apesar da imensidão do castelo, Danny está preso: distante do mundo virtual, do qual é tão dependente, sem se comunicar com seus contatos nem lembrar os demais de sua existência – o fato de ter trazido consigo uma antena portátil não serviu de nada, afinal. Já Howard carrega o trauma de ter permanecido perdido e sozinho em uma caverna, resultado de uma brincadeira de mau gosto quando adolescente. E Ray, por sua vez, está na prisão, clausura física mas também mental – a mesma rotina, os mesmos lugares, as mesmas pessoas, as mesmas picuinhas. Com a clausura, a solidão vem de brinde.
Um pouco como nos demais livros da autora, os males do mundo contemporâneo se fazem presentes, costurados na história de ares góticos. A dependência por vezes doentia do ser humano com relação à tecnologia, bem como a necessidade de estar “sempre conectado” e em contato com o outro, denunciam um medo descomunal do estar sozinho. Do outro lado, temos a baronesa anciã que vive solitária no torreão, sem nunca pisar fora dali e recusando-se a deixar a propriedade que vinha sendo de sua família há 900 anos. Por cima de tudo isso, a trama nos apresenta o ser humano contemporâneo desprovido da capacidade – e da disponibilidade – da imaginação, delegando esta tarefa (a de imaginar) à indústria do entretenimento, da qual passa a ser dependente.
Se o homem perdeu o poder de imaginar, o livro, por outro lado, explora bastante o aspecto imaginativo. Realidade e especulações se confundem a tal ponto que o leitor fica à mercê das palavras da autora. Pensamos e especulamos junto dos personagens e sobre os personagens.
Sabe aquela sensação de que nada é o que parece ser? Pois bem, estamos falando de Jennifer Egan e, justamente por isso, o leitor pode esperar boas reviravoltas e surpresas. Já deliciados pela prosa da autora e acreditando nos aproximarmos do desfecho de tudo, uma terceira trama chega para nos dar algumas respostas e, de forma inteligente e saborosa, plantar-nos mais algumas dúvidas. Enfim, as interpretações e possibilidades se multiplicam do início ao fim.
Diferente e imagético, O Torreão é um livro assim, meio louco, meio sombrio, meio dramático, meio irreal, meio misterioso. E intenso. Vale a leitura e uma boa viajada antes, durante e depois. Só não vale ficar de comparação com os outros dois livros da autora lançados por aqui; publicado originalmente antes, O Torreão não alcança (na própria trama e qualidade narrativa) os excelentes Olhe para mim e A visita cruel do tempo. Ainda assim, é um livro muito bom; recomendo sem hesitar.
LEIA PORQUE...
É um livro fora do usual, que une elementos improváveis à primeira vista. Leitura gostosa, deixa o leitor matutando. Ao mesmo tempo, vejo-o como um livro que talvez não agrade a totalidade dos leitores. Conselho: mergulhe de cabeça aberta, sem amarras.
DA EXPERIÊNCIA...
Não é segredo que gosto muito dos livros da Jennifer Egan. Meio diferentão dos outros dois, este aqui também me agradou: fui envolvida pela trama, e continuei percorrendo-a em pensamento mesmo depois de virada a última página.
FEZ PENSAR EM...
Fluam, minhas lágrimas, disse o policial. Embora os dois livros sejam distantes com relação ao gênero e à trama, na distopia futurista de Philip K. Dick vemos um protagonista cuja realidade é extremamente questionável. A trama mexe com a percepção do real, evidencia a solidão e, assim como no livro de Jennifer Egan, faz o leitor viajar.
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