Jon O'Brien 19/06/2022
Suspense com profunda análise da psique humana | FAVORITEI
Eu já tinha interesse na literatura da Ruth Rendell mesmo antes de me tornar um leitor assíduo, então quando, anos depois, tive a oportunidade de ler suas obras, a expectativa que eu tinha de sua escrita foi curiosamente suprida. Hoje, Ruth Rendell é minha autora preferida, e apesar de eu não conseguir ler muitos livros dela por ano (pois tendo a intercalar gêneros e autores, dando espaço a quem nunca li), fico extasiado quando chega o momento de ler mais uma obra dela. A resenha da vez é de Um Assassino Entre Nós, que me surpreendeu positivamente e virou um dos favoritos da vida. Vamos ver o que eu achei?
Um Assassino Entre Nós foi um dos últimos livros que adquiri, mas que desde a sinopse e de comentários me fizeram criar expectativas sobre o rumo que a história teria. O romance apresenta a rica família Coverdale, composta pelo marido, George, sua esposa, Jacqueline, sua filha universitária, Melinda, e seu enteado, Giles, e a obra já chama a nossa atenção desde as primeiras páginas, que contam de maneira resumida a tragédia do assassinato dessa família, perpetuado pela sombria empregada doméstica, Eunice Parchman.
Parece estranho o livro, logo no começo, dizer como a história termina, incluindo detalhes pesados sobre a trama, mas, como o próprio início da obra sugere, a história é mais comprida, de modo que Ruth Rendell consegue desenvolver acontecimentos e trazer desdobramentos inesperados que prendem a atenção do leitor, mesmo ele sabendo do desfecho.
Essa subversão das regras da literatura policial não ocorre aqui por acaso. De fato, o que mais interessa na trama é a questão psicológica dos personagens, coisa que Ruth Rendell explora como ninguém. Praticamente todos os personagens principais têm suas vidas destrinchadas, fazendo com que possamos compreender seus passados e como essas vivências os fizeram ser o tipo de pessoa que são. Erros, acertos, criação… Podemos até criticá-los, se quisermos, mas antes de tudo vamos entendê-los. Nos primeiros capítulos, quando conhecemos os personagens, não temos ainda a noção da profundidade que eles carregam dentro de si, mas aos poucos as peças vão se encaixando e o final, que de início parecia inconcebível (ainda mais como uma causa da motivação da personagem, expressa no primeiro parágrafo do livro), adquire contornos que nos permitem ver a verossimilhança do enredo e a genialidade da autora.
Outra questão que contribui para fazer com que o leitor fique preso à trama é o estilo de escrita da Ruth Rendell, descritivo e bastante hipnótico, narrando os acontecimentos no passado e muitas vezes se referindo ao tempo presente ou futuro para indicar as consequências dos atos dos personagens em determinado momento. Essa característica da escrita da autora proporciona o sentimento de agonia no leitor ao ver que os personagens, por conta de coincidências, escolhas e por não imaginarem as consequências dos seus atos, não conseguem escapar de seu destino. Em outras obras da Ruth Rendell também se observa isso, mas creio que em Um Assassino Entre Nós é mais presente, pois já sabemos do trágico desfecho e vamos acompanhando, peça por peça, como ele se deu.
E, é claro, é importante citar o poder das palavras da Ruth Rendell ao traçar críticas à sociedade da sua época, característica notável da escrita da autora. Neste livro em específico, verifica-se a questão do preconceito da burguesia às pessoas mais pobres e menos letradas, tratadas muitas vezes como objetos, como recursos, e não como seres humanos dotados de sentimentos. É esse choque entre classes, apresentado aqui por Eunice Parchman e os Coverdale, que acende as faíscas em direção ao fatídico desfecho, que, para a minha surpresa, é seguido por páginas tratando do que houve depois do incidente.
Alguns livros da Ruth Rendell já foram adaptados para a televisão ou cinema, como é o caso de Um Assassino Entre Nós, tradução de A Judgement in Stone. Em 1995, foi lançada uma adaptação francesa para o cinema, com o título La Cérémonie (aqui no Brasil ganhando o título de Mulheres Diabólicas). Por conta da mudança do título do livro na versão brasileira e do filme francês, comprei o livro sem nem saber que ele fora adaptado. O filme tem como protagonistas as grandes Isabelle Huppert e Sandrine Bonnaire, e pode-se dizer que é uma adaptação bem fiel do material original no que diz respeito aos acontecimentos, embora não tenha a mesma profundidade com a qual o livro trabalha, o que faz parecer, para quem não leu o livro, que os personagens do filme têm atitudes exageradas quanto ao que acontece (sendo que no livro as atitudes são respaldadas por conta do passado e da exploração da psique dos personagens).
Recomendo, é claro, primeiramente a leitura do livro, para então assistir ao filme e conseguir preencher com maior facilidade algumas lacunas no comportamento dos personagens. Bem, esta foi a resenha de hoje. Espero que tenha gostado e se interesse por este e outros livros da Ruth Rendell (todos os que li da autora têm resenhas no meu blog e no Skoob).
site: https://redipeblog.wordpress.com/2022/06/19/resenha-um-assassino-entre-nos-ruth-rendell-livro-x-filme/