Ricc 12/01/2021
Luto: 1) sentimento de tristeza profunda pela morte de alguém; 2) originado por outras causas; amargura, desgosto.
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O súbito desaparecimento de 2% da população ficou conhecido como A Partida Repentina de 14 de Outubro. Anualmente, é realizado um evento em memória daqueles que partiram num piscar de olhos. Filhos, cônjuges, familiares e amigos foram misteriosamente levados, deixando em luto aqueles que ficaram. Alguns, se apoiam em religiões, outros em fraternidades e comunidades. Uns se afogam em vícios, paixões e sexo. Muitos se afundam em depressão e angústia. De alguma forma, todos foram afetados.
*** CONTÉM SPOILERS ***
RESUMO:
Laurie tem uma linda família. Kevin Garvey é um marido exemplar, Jill é uma das melhores alunas do colégio e Tom está cursando faculdade em outra cidade. Ela não perdeu ninguém (exceto pela amiga de Jill), mas após a Partida, entra em um processo conflituoso com sua verdade e consigo mesma. Sua busca pessoal a leva se aliar aos Remanescentes Culpados (RCs), um grupo de "vigilantes" vestidos de branco, que cumprem um voto de silêncio, fumam pra emanar sua fé e seguem pessoas pelas ruas, causando constrangimento aos seguidos.
Kevin e Jill sofrem com a escolha de Laurie e precisam lidar com o fato de terem sido deixados para trás, mesmo não tendo perdido alguém no 14 de Outubro. Aimee, amiga de Jill, vai morar com eles após Laurie se integrar aos RCs.
Tom, do outro lado do país, se alia uma fraternidade liderada pelo Santo Wayne, um profeta que alega ter o dom de "carregar a dor dos outros". Posteriormente, o religioso é acusado de poligamia, abusos e outros delitos, deixando Christine - uma de suas mulheres/amantes - grávida de uma criança prometida (uma espécie de Salvador). Tom e Christine se aproximam e ele torna-se o "protetor" dela.
Nora Durst, que perdeu o marido e filho no 14 de Outubro, é considerada um símbolo do evento em Mapleton. Ela passa seus dias vendo Bob Esponja (que a remete ao filho) e afundada em tristeza desde a Partida. Depois de um tempo, Nora descobre segredos de seu marido por meio de um amigo que mensalmente realiza publicações sobre os desaparecidos e isso mancha a imagem que ela tinha dele. Assim, ela tenta reconstruir sua vida.
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Kevin torna-se prefeito e, mais tarde, se envolve com Nora, porém, as coisas não acontecem conforme o desejado.
Jill vai mal nos estudos, passa a beber e usar drogas.
Laurie vira mentora de Meg e ambas se tornam amigas nos RCs.
Tom e Christine embarcam numa road trip para proteger o bebê enquanto o processo judicial de Santo Wayne acontece.
Nora busca encontrar seu caminho, modificando sua aparência e decide partir, não sem antes se despedir de Kevin.
Kevin se deprime após ser deixado por Nora e receber o pedido de divórcio das mãos de Laurie.
Jill cogita entrar para os RCs mas desiste da ideia.
Meg se mata, tornando mártir para os RCs e Laurie sofre com sua perda.
Christine dá a luz a uma menina após ser surpreendida com a prisão do Santo Wayne, que acabara se entregando.
Tom deixa a criança na porta de casa e parte rumo às estrada. Nora encontra a bebê, que parece finalmente trazer um novo sentido a sua vida, e apresenta às Kevin.
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O cerne de "Os Deixados para Trás" aponta para as diferentes formas pessoais de encarar o luto e seu doloroso processo. Ressignificar pessoas e locais, lembranças e memórias, buscando encontrar respostas ou meios de se confortar diante da perda ou do desconhecido.
Minimalista, denso, nu e cru, nos apresentando o labirinto da psiquê humana diante da tragédia. Personagens complexos e "perdidos" que tentam seguir a vida após o evento, enfrentando aos traumas sofridos. Todos são sobreviventes.
O tom de mistério e angústia utilizado na escrita é essencial para a ambientação da trama. É possível sentir a carga emocional ao ler e isso foi fascinante! Em alguns momentos, me senti tão imerso que me perguntei o que eu faria no lugar de cada um deles. Perrota foi muito perspicaz aqui!
"Os Deixados para Trás" não se preocupa em solucionar o mistério do desaparecimento. Simplesmente isso. É o que é, sem mais! Mais um acerto (ou pra alguns, o grande erro e motivo de decepção). Não é uma história sobre aqueles que se foram. É uma história sobre aqueles que
ficaram. Esse é o ponto. E é justamente isso que torna o livro tão único e profundo.
Outro destaque é a abordagem religiosa em todo o contexto. Pode soar simplista para alguns, mas traz importantes reflexões e questionamentos como "em quê realmente acreditar?", "por que acreditar?", "em quem acreditar?", "o que buscar?", "o que fundamenta a fé?". Além disso, apresentar o conceito de charlatanismo foi bastante interessante e atual. Algo presente na sociedade e influencia massas, manipulando multidões. No caso da trama, até mesmo abusos sexuais foram cometidos por um religioso.
Não é um livro para mentes fechadas. Não é um livro para religiosos. Não é um livro para quem quer soluções diretas e imediatas. É um livro para refletir. É um livro para se deliciar e expandir conceitos. É um livro pra quem tem empatia.
NÃO RECOMENDADO PARA AMADORES!
Obrigado por essa obra perfeita, Tom Perrota! Simplesmente excepcional!
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- Pé Descalço 1: o livro tão bom quanto a série The Leftovers, produzida pela HBO. A série se aprofunda um pouco mais e possui três temporadas. Fica a dica!
- Pé Descalço 2: eu sempre previ uma possível tensão sexual entre Aimee e Kevin. Fui o único?
- Pé Descalço 3: respeito os processos da Laurie, mas é às vezes é complicado defendê-la por certas atitudes.
- Pé Descalço 4: o "sacrifício" de Meg foi chocante e triste. Ela apenas queria sentir alívio de sua dor e a ideia de se tornar mártir foi o caminho que ela encontrou pra isso. RIP Meg!
- Pé Descalço 5: o final foi um tanto subjetivo e eu simplesmente amei isso! Nora parece ter encontrado uma motivação pra viver. Kevin pode ter encontrado uma parceira pra vida. E Jill, pode ter uma família unida novamente. Tom e Christine são seres de alma livre e gosto de pensar que eles viveriam numa road trip sem fim (risos)