Leila de Carvalho e Gonçalves 03/07/2018
?Créme De La Créme?
Publicado originalmente em 1961, "The Prime of Miss Jean Brodie" ou "Primavera da Srta. Jean Brodie" é o livro mais conhecido da escritora escocesa Muriel Spark (1918-2006). Frequentemente apontado como um dos melhores romances do século XX, sua história serviu de inspiração para uma peça de teatro e um filme que, intitulado "A Primavera de uma Solteirona", rendeu um Oscar para Maggie Smith em 1970.
Apresentando um narrador onisciente, a narrativa descreve os melhores anos da protagonista, conforme ela afirma. Trata-se de uma professora solteirona da "Escola Márcia Blaine", uma instituição conservadora dedicada ao ensino primário e secundário cujo corpo discente é exclusivamente feminino. Com ideias um tanto heterodoxas, Miss Brodie afirma ser uma educadora e não uma instrutora, é precário seu relacionamento com a diretora que preferiria vê-la lecionando em outro lugar, no entanto, isso não está nos seus planos.
Considerado um bildungsroman, sua história apresenta um grupo de alunas ingênuas e impressionáveis que Miss Brodie pretende transformar em mulheres extraordinárias, o "créme de lá créme" da instituição. Ministrando aulas e levando as jovens a eventos culturais, ela transmite suas ideias, conta e romanceia sua vida numa amálgama de assuntos que esbarram numa palavra mágica que é a linha mestra da narrativa: a transfiguração. Aos olhos de um leitor mais atento, fica nítido que a protagonista procura transcender a pequenez de sua existência, orientando o destino dessas jovens.
Na realidade, Muriel Spark apresenta uma professora autoritária, conhecida pelo que conta e meia de dúzia de frases prontas, mas o que realmente se passa no seu íntimo é um enigma que vai sendo solucionado nas entrelinhas, conforme avança a leitura. Aliás, é uma dessas alunas quem finaliza o romance e consagra essa perspectiva.
Também é muito interessante a maneira como a escritora desenvolve a história, trabalhando ao mesmo tempo com o passado, o presente e o futuro. Logo nas primeiras páginas, o leitor é informado sobre a morte do noivo de Miss Brodie durante a Primeira Guerra e que ela acabará sendo demitida, acusada de fascista por uma de suas alunas preferidas. Portanto, o que desperta o interesse não é o que irá acontecer, mas como e suas implicações.
Em síntese, permeado por uma fina ironia, esse romance discute o papel do professor, sexualidade e religião. Relevante, inteligente e até mesmo divertido, infelizmente, até o presente momento, a edição em português está esgotada e restrita a sebos.