Leitora Viciada 04/01/2013Eu não me interessei por Cinquenta Tons de Cinza, portanto não o li e não farei comparações (e não vejo essa necessidade). A moda de livros eróticos de capas acinzentadas está dominando os lançamentos de muitas editoras, as vitrines de livrarias e as listas de mais vendidos no Brasil. Embora muitas pessoas afirmem que o gênero erótico não seja novidade, pois sempre foram publicados (principalmente os romances de banca), é notável que há uma mudança. As pessoas não estão tendo vergonha em comprá-los, lê-los publicamente, andarem com os exemplares por aí e as capas estão mais elegantes.
Nunca me interessei por este estilo, então por que ao receber as opções de livros de parceria da Companhia das Letras eu escolhi Toda Sua, se poderia ter feito outra escolha?
Não foi apenas curiosidade. Foi porque o livro me interessou e devido à crítica enfatizar o quanto ele é bem escrito e considerado, talvez, o primeiro da melhor série dessa moda dominante.
E muito dominadora, assim como as relações entre as personagens. Pois parece que além do erotismo, essa moda possui relacionamentos violentos, arrebatadores e profundos.
Em todas as críticas profissionais estrangeiras que li encontrei elogios à escrita de Sylvia Day, considerada excelente. Eu gostei muito e acho que é um dos pontos fortes do livro.
A narrativa é em primeira pessoa, contada pela protagonista. A narração é bem planejada e posicionada em vinte e dois capítulos. A autora não deixa a narradora se perder em pensamentos inúteis ou repetitivos. Sempre admiro isso numa narrativa em primeira pessoa. Gosto de narradores diretos, espontâneos e dinâmicos.
Seu vocabulário é variado e não deixa o livro cair na mesmice, principalmente nas cenas sexuais. Ela não varia apenas nas transas e posições, mas nas palavras ao descrevê-las.
E a todos que repetem que Toda Sua é uma imitação de Cinquenta Tons de Cinza, a própria Sylvia Day agradece E. L. James por ter escrito uma história que cativou leitores e criado o desejo por mais obras como a dela. "Você é demais!" - Sylvia deixa bem claro nos agradecimentos de Toda Sua. Pelo menos ela assume que E. L. James foi sua inspiração para Crossfire.
Ao segurar o livro, além do querido e papel pólen soft das páginas, leve, amarelado e reciclado, a capa possui uma textura magnífica, com uma discreta sensação de veludo e é bastante maleável. O livro é muito agradável de se segurar, deixando a leitura muita gostosa. E o conteúdo também, aproveitando o trocadilho.
Não chega a ser afrodisíaco, mas é divertido.
A editora acertou em deixar exposto na contra-capa, logo abaixo da sinopse: "CONTEÚDO ADULTO" - assim mesmo, em letras maiúsculas. Acho que esse aviso, mesmo que discreto, deve sempre existir. O leitor tem o direito de saber de forma mais explícita o tema do livro ao segurá-lo numa livraria, e assim deveria ser com todos, não apenas com eróticos.
Não basta possuir as informações nos "Dados Internacionais de Catalogação na Publicação": "(1. Ficção norte-americana 2. Histórias eróticas)". Acho que o gênero e/ou público poderia estar sempre exposto próximo à sinopse - já que nem todos olham esses dados internos.
O erro talvez esteja no marketing, em querer a todo custo comparar o livro ao Cinquenta Tons de Cinza. Ainda na contra-capa está a crítica da Glamour: "Mais bem escrito que Cinquenta Tons de Cinza." - isso pode atrair leitores do gênero abertos a todas as novidades ou repelir fãs "xiitas" que acabam deixando de comprar o livro. E há ainda os que leem Toda Sua já comparando ao Cinquenta Tons de Cinza.
Não li (repito) e não gosto de comparações - ato que está sendo realizado por todas as editoras que estão publicando eróticos.
Elogio a tradução realizada pois notei que entre fãs do gênero erótico a principal reclamação fica a cargo da tradução censurada, de termos amenizados e trocados desnecessariamente por palavras mais leves, deixando a leitura fria - logo a parte que deveria ser bem quente!
No caso de Toda Sua, embora não saiba como foi escrito no original, acho que a editora teve essa preocupação, em manter as expressões originais. Então palavrões, expressões mais vulgares, picantes e sexuais e um conteúdo cru estão presentes do início ao fim, sem restrições.
Isso não traz um ponto negativo ao livro, afinal é uma leitura erótica, onde o sexo é o destaque e foco principal. Então por que censurar cenas, se acima de tudo são narradas pela protagonista sem vergonha e tarada em descrever suas próprias experiências carnais? Toda Sua mantém o equilíbrio certo ao deixar o texto original.
O livro não fica deselegante, pois todas as palavras estão dentro do contexto. O livro não é apenas destinado ao público que lê eróticos, mas também para quem não possui frescura. Quem gosta de eróticos romantizados talvez não goste da abordagem mais nua de Toda Sua. Por outro lado, não há nada de chocante ou animalesco na história, nada além de sexo e relacionamentos conturbados - não apenas relacionamentos sexuais, mas afetivos de uma forma geral.
Toda Sua vai muito além de sexo e foi o que eu realmente gostei. É claro que as relações sexuais e a química selvagem estão em quase todos os capítulos, porém existe mais. Sim, existem muitas cenas de sexo, claro, porém o plano de fundo, ambientação e construção das personagens e suas histórias de vida são importantes como em qualquer outro gênero literário.
Pensei que encontraria apenas pornografia, sexo sadomasoquista, um homem rico, poderoso, irresistível e dominador e uma mulher bonita, socialmente inferior, apaixonada e submissa. Pensei no clichê que todos andam comentando. Não, eu estava errada e fui preconceituosa.
Em alguns momentos eu via Eva como a forte e Gideon como o fraco; logo tudo mudava e Gideon era o forte e Eva a fraca. Eles se complementam. Se odeiam e em seguida se desejam. Poderão se amar?
Impliquei até com o nome da trilogia: Crossfire. Pensei no motivo para não terem traduzido logo para Fogo Cruzado ou algo parecido, não gosto de títulos sem tradução. No entanto, logo no começo da leitura me arrependi desse pensamento e compreendi porque mantiveram o nome original - atitude correta da editora!
E o significado de Crossfire vai mais além...
Ainda comentando a respeito do início, não me senti à vontade com a apresentação do enredo sob alguns aspectos. Primeiramente, por mais lindo e maravilhoso que seja o chefe de uma moça, se ela acaba de conhecê-lo e possui um passado como o da protagonista, ela jamais aceitaria ser abordada sexualmente da forma como foi. Não foi apenas direto ou inapropriado, foi vulgar e assustador. Com toda a certeza ela se afastaria dele, abandonaria o emprego recém-adquirido ou até mesmo o processaria por assédio sexual caso tivesse coragem. Certo, ela carrega fantasmas que talvez a afastassem da ideia de processo, ainda mais contra um homem famoso e poderoso como ele, mas certamente ela largaria o emprego e sumiria.
Vou explicar o porquê: Ela não é pobre, ou seja, poderia se dar ao luxo de procurar outro trabalho. Lógico que não é bilionária como o chefe, nem influente como ele, mas é muito rica. Ela só está trabalhando como assistente publicitária, pois faz questão de ser independente e não precisar da mãe socialite e do padrasto milionário - essa parte eu achei bacana.
Demorei a compreender também o motivo da atração à primeira vista de Gideon pela Eva. Ela não é o tipo dele e, mesmo o achando maravilhoso, ela logo o apelida de "Moreno Perigoso" e resiste às investidas dele de forma esnobe - fato inédito para o "garanhão-figurão" que sempre tem todas as beldades a seus pés.
E por que ela resiste? Descobrimos posteriormente, quando ela mesma confessa o passado sombrio à Gideon. E ele encontra uma parceira que não é submissa como as anteriores.
Ignorando a forma forçada como Gideon e Eva se cruzam à princípio, o enredo melhora de acordo com o andamento das páginas e também percebi uma evolução na escrita da autora em relação ao desenvolvimento das personagens. O que parecia ser sexo puro, atração fatal e agarramentos sem cessar num relacionamento confuso, bruto e obsessivo, mostra ser algo mais complexo e interessante.
A abordagem da autora sobre relacionamento abusivo vai além de sexo e ciúme doentio. Ela constrói a personalidade e o passado do casal, mostrando como cada um à sua maneira é forte e fraco; como existe uma disputa entre eles sobre quem é o dominador e o dominado na relação. Reflexo de segredos, dores e sombras no coração.
Não vi o sexo intenso como consequência dos problemas pessoais e psicológicos que Gideon e Eva possuem, já que pessoas comuns possam ter a cama sempre quente (ou qualquer outro lugar!). Ou seja: Não acho necessário pessoas serem frustradas afetivamente ou problemáticas psicologicamente para terem sexo fogoso, sem censura e fora da rotina.
No caso desse casal, ambos possuem muitos problemas (não apenas sexuais) e limitações sentimentais. Os traumas são mais profundos e gostei da autora não ter entregado tudo de bandeja logo no primeiro livro, deixando dúvidas e curiosidade sobre ambos (principalmente Gideon, apesar de ter jogado várias pistas) para atrair o leitor para a sequência Profundamente Sua.
O que mais deixa a leitura de Toda Sua interessante, pelo menos para mim, não são as transas deles, e sim as brigas, inconstâncias e despreparo de ambos em manterem um relacionamento sadio, firme e assumido.
Eles possuem muitas feridas. Ambos tentam esconder detalhes, estão sempre na defensiva e causam conflitos desnecessários.
E se não gostei da forma como o relacionamento entre eles foi iniciado, gostei muito do desenrolar dele. Eles brigam pelos mais variados motivos, quase sempre pela obsessão, ciúmes ou insegurança. Em seguida fazem as pazes de forma quente e às vezes agressiva, como uma extensão de seus desentendimentos, utilizando o sexo como reconciliação.
As personagens secundárias realmente ficam em segundo plano, nenhum se destacou para mim, mas gostei da homossexualidade e bissexualidade serem tratadas com normalidade.
As rivais de Eva vão surgindo, afinal Gideon é um dos solteiros mais cobiçados dos Estados Unidos.
Eva possui um amigo que é como um irmão com quem divide o apartamento e a autora nos apresenta diferentes faces dele, fazendo dele uma transformação na história e uma das personagens mais complexas de todas. O achei o mais carismático dentre elas pela fragilidade e amizade, a ligação entre ele e Eva é forte.
As famílias de ambos são mostradas de forma superficial e acredito que sejam personagens de maior destaque nos próximos dois livros. Apesar disso, já temos um aperitivo de que Gideon e Eva não são os únicos convivendo com problemas graves.
Sei que a trilogia é erótica e como iniciante no gênero, achei a leitura diferente da qual estou acostumada (romances brandos, mesmo quando contém sexo). Acredito que fãs do gênero gostem muito!
A autora soube criar uma história para o relacionamento do casal que surpreende e deixa o leitor com várias perguntas sobre até onde essa relação irá, se os dois ficarão juntos de verdade, se irão superar os obstáculos e transformar a paixão fulminante em amor sincero - sem deixar o sexo louco de lado, claro!
Apesar de não ser o meu tipo de leitura (foi a minha primeira vez!), fiquei ansiosa por Profundamente Sua e nem imagino o quanto de farpas e faíscas ainda sairá das páginas, quantos segredos serão mostrados e o trabalho que o terapeuta terá com esses dois...
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