Crónica de D. Pedro I

Crónica de D. Pedro I Fernão Lopes




Resenhas - Crónica de D. Pedro I


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Gabalis 01/12/2021

Descalabros descritos por pena tranquila
É leitura bastante diferente e ouso dizer, rara leitura. Crónica do rei Pedro I, de Fernão Lopes, escrita por volta dos anos 1430. É um texto bem curioso sobre dois reis Pedro, o português e o castelhano. Ambos cruéis e dados à violência. O Pedro castelhano é particularmente perverso. O livro inteiro é uma longa coleção de pessoas sendo terrivelmente punidas, enforcadas, decapitadas, flechadas, afogadas, esfaqueadas, espancadas, amassadas, queimadas e mais coisas que o valha. No entanto tem algum charme nisso tudo, não só no conteúdo mas em como Lopes nos relata os descalabros. Usa um estilo muito casual e preciso e nos informa de tudo sem cerimônia. Não esperava esse tom num documento oficial do século XV.
Alguns dos eventos que ele nos conta são bastante memoráveis. Em um episódio particularmente interessante o Pedro castelhano usa caravelas e batéis para transportar seu exército para sitiar uma determinada cidade. O cerco não sai como planejado e ele ordena logo que todos os homens, incluindo os marinheiros, fossem à terra ajudar. Passado um tempo, ao anoitecer, vento forte empurra a maior parte dos barcos contra as rochas e como ninguém estava de piloto na frota, perde a maior parte dela neste acidente idiota. Outros tantos barcos ele acaba por queimar por temer que seu inimigo seja capaz de aproveitar depois da sua retirada. Lopes informa-nos casualmente que alguns daqueles barcos eram de Génova e os marinheiros genoveses tiveram de regressar a pé para casa 'e ficaram muito aborrecidos com isso'.
Também interessante é seu senso de justiça. Não passa da pura vontade de punir. Conta-nos vários episódios em que o Pedro português sai a castigar adúlteros, ladrões e assassinos. Esse Pedro gostava de percorrer seu reino, perguntando se andava ali algum criminoso agendado para ser punido naquele dia e se houvesse, ele mesmo, com muito gosto, executava a punição. Acontece que este rei Pedro andava com um porrete para todo lado que fosse, sempre preparado para o caso do lugar visitado haver criminoso precisando de trigosa surra. Ele também gostava de assistir aqueles castigos sendo executados enquanto jantava. Imaginem só. Lopes também é rápido em apontar que os ricos, poderosos e mesmo aqueles próximos ao próprio rei não estavam livres de sua justiça. Ele nos conta sobre dois dos escudeiros reais que roubaram e mataram um judeu e como Pedro mandou decapitar ambos, mesmo sendo escudeiros seus e a vítima um judeu. Também castrou vários homens por dormirem com mulheres casadas. Às vezes ele enforcava as mulheres também, só pra garantir.
As pessoas retratadas são tão pitorescas em seu comportamento que é fácil esquecer que foram reais e a maioria dos eventos se passaram realmente. Fernão Lopes não foi só o cronista oficial do reino de Portugal, mas também o guardião da Torre do Tombo e tudo o que nos conta encontrou descrito com muito cuidado em documentos legais. A barafunda toda é fascinante. Não é das mais fáceis de ler porque o seu português tem 600 anos mas vale a pena. Gosto bastante do seu porte, da sua escolha de palavras e das histórias. Duas outras crônicas por sua mão sobreviveram. Crônica do rei Fernando I, que continua após a morte de Pedro I e a coroação de seu filho Fernando, e Crônica do rei João I, rei de outra dinastia de quem Lopes foi contemporâneo. Estou planejando ler ambas.
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Rafael Bonfim 25/11/2018

A importância do historiador...
Na Idade Média o acesso à leitura era reservado só para alguns, geralmente religiosos ou nobres e mesmo nestes grupos uma grande maioria não sabia ler nem escrever. É nas escolas dos mosteiros e nas escolas palacianas que alguns tem acesso ao mundo secreto das letras mas eram uma minoria pois o analfabetismo grassava na população. As influências clássicas estavam guardadas nos mosteiros ou bibliotecas reais, sob a forma de livros ou obras de arte e sofrendo adaptações, mutilações ou desmembramentos foram passadas para a Idade Média. Cremos que Fernão Lopes terá tido acesso se não a todas pelo menos á maior parte destas obras e foi por isso escolhido como exemplo de Cronista. Portugal estava atento ao que era produzido na Europa na época e especificamente, em Castela, disso resulta a “cronica Geral de Espanha, de 1344”, uma adaptação em língua portuguesa e com acrescentos específicos da história de Portugal, da “Cronica Geral de Espanha” que o rei Afonso X, o Sábio, mandou fazer no séc. XIII. Utilizando a parte de História comum aos diferentes reinos peninsulares foi acrescentado e alterado o que dizia respeito, especificamente á história de Portugal. O nosso autor teve também acesso a várias traduções, do final de séc. XIV e XV de obras de diversas origens. É neste ambiente de uma corte cultivada e apta para as Letras que se insere Fernão Lopes, contemporâneo da Dinastia de Avis.

Fernão Lopes foi fiel depositário de todo este saber, reunido e depurado durante séculos. De facto, nem sempre se dá à sua hedonística o seu real valor, acusando-a de posições tendenciosas, serviços encomendados, realidades adaptadas para o que se quer guardar para a posteridade, mas é sempre é possível fazer uma aproximação ao real, com a certeza de uma fonte quase sempre coeva. 172 Julieta Araújo Esteves. Fontes de “saber” nas crônicas medievais: Fernão Lopes Nascido cerca de 1380 (SERRÃO, 1972, p. 41)2 , coevo dos primeiros monarcas da dinastia de Avis e testemunha directa da maioria dos seus principais momentos. Fernão Lopes foi tabelião geral e desempenhou funções de relevo junto dos reis pelo que conhecia muito bem a documentação oficial Incumbido por D. João I·, ele próprio autor do Livro da Montaria , eventualmente a partir de 1431 ·, de escrever as crónicas de todos os reis desde o conde D. Henrique, inclusive, só chegaram até nós as crónicas de D. Pedro I e D. Fernando e parte da crónica de D. João I

Refere Veríssimo Serrão( que esta incumbência de escrever as crónicas foi confirmada por D. Duarte em carta régia de 19 de Março de 1434, ano em que Fernão Lopes se torna guarda da Torre do Tombo. A partir de 1451, foi substituído por Gomes Eanes de Azurara, vindo a falecer em 1459·. Homem da sua época, Fernão Lopes não tem conceito de plágio, nem grandes preocupações de especificar autoria. Assim a sua obra é um deposito da obra da vários outros autores e dos seus próprios conhecimentos sem muitas vezes indicar o que foi buscar e a onde. Consciente disso ele apresenta-se como um compilador mais do que um historiador. Mas isso significa que não se preocupa com as fontes? Não, muito pelo contrário, Fernão Lopes tem uma grande preocupação com as fontes, muitas vezes por ele criticadas de forma contundente, apenas há aquelas que usa, sem especificar e outras que conscientemente procura salientar. Talvez por isso Teresa Amado refira que nenhum outro cronista foi simultaneamente tão historiados e tão narrador.

Há assim um esforço métodologico em Fernão Lopes de Critica Histórica. Fernão Lopes segue a nova corrente humanista, pois com o renascimento regressam à tradição crítica dos historiadores clássicos. Defende-se o regresso ás fontes a o a análise filológica dos textos, e daí resultar a noção de anacronismo. A História não deixou de ser fonte de exemplo moral, mas os historiadores do renascimento revelam uma atitude racional e preocupam-se com o valor das suas fontes. Procuram excluir o maravilhoso e substituem o propósito da edificação pelo da formação politica. Valorizando mais as lições politicas que julgam poder tirar dos documentos que os factos em si mesmos. Regressando a Fernão Lopes, continua a impressionar a simplicidade com que refere que, “se alguém procura na sua obra beleza e novidades de palavras, que vai ficar decepcionado, pois o que ele procura revelar é a simples verdade”. A sua visão dos acontecimento é exposta de uma forma tão vivencial que parece procurar transportar o A sua descrição dos grandes nobres e da população em geral é rica em pormenores, demonstrando um apurado sentido de observação. Não só dá uma visão dos locais em que decorrem os acontecimentos, como procura até fazer os retratos psicológicos dos intervenientes, sejam individuais ou colectivos. O tipo de fontes utilizado para esta parte, parece ser essencialmente testemunhos orais e é de salientar que, no meio de toda a movimentação política e social que nos descreve, não deixa de aparecer várias vezes referida a desconfiança e o receio que havia face ao poderoso vizinho castelhano. Tentando ser fiel ao desejo de relatar a verdade faz, por vezes, críticas aos principais nobres do reino, quando tomam atitudes que o cronista considera pouco louváveis (SERRÃO, 1962, p. 54). Ao longo dos trabalhos demonstra a sua cultura clássica e como refere P.E. Russel é comum a referencia a “Aristoteles, Tito Livio, Cicero, Eusébio, Ovídio, Beda, Santo Agostinho” (RUSSEL, 1941, p.06). Tal também é referido por Teresa Amado que sobre esta cronica nota o uso constante da Crónica do Condestabre de Ayala, que não entrando pela questão da autoria foi sem dúvida a principal fonte e por isso é lhe por vezes atribuída (AMADO, 1991, p.72) . Realmente a produção historiográfica de Fernão Lopes é vasta e conforme a obra e o capitulo é possivel encontar uma ou outra fonte principal, da qual o Cronista “se apropria , seguindo-a práticamente na integra”


A obra foi escrita e composta entre 1440 e 1450, foi impressa pela primeira vez em Lisboa, em 1735, por José Pereira Baião.

Fontes utilizadas: Fernão Lopes vai usar de sua experiência política, testemunhos, obras políticas, pergaminhos de velhos cartórios, epitáfios e memórias.
Os materiais que esta crônica aproveitou, atestam a escassez de fontes de que o autor dispunha relativamente ao reinado de D. Pedro e, por consequência, a habilidade do historiador na organização de fragmentos documentais diversos, que vão desde as histórias semi lendárias que se avolumaram em torno da concepção de justiça do soberano, até aos livros de chancelaria régia, atas, cartas, e até alguns períodos de Pero López de Ayala na Crónica del Rey Don Pedro.

Qual estilo: Prosa historiográfica humanista. Fernão Lopes também usará de linguagem coloquial (aproximando o leitor dos fatos narrados), linguagem visual (para o leitor “ver” os acontecimentos) e a linguagem dinâmica (deixando o leitor dentro do desenrolar das ações dinâmicas do texto)

Sinopse: A Crônica do reinado de D. Pedro, escrita por Fernão Lopes, constitui a primeira das três grandes crónicas do primeiro cronista régio.

A crônica inicia-se com o retrato do rei, descrevendo os seus gostos particulares, como a caça, e centrando-se no seu zelo, por vezes, excessivo, na execução da justiça. A narração detém-se com mais demora no relato da vingança e glorificação de Inês de Castro, lembrando o cronista que o rei, ao punir os algozes que jurara perdoar diante de seu pai, perdeu muito da boa fama de que gozava junto do povo.

Já nesta crônica, o povo surge como personagem coletiva que, na transmissão de histórias que ilustram o comportamento do rei, julga a ação governativa do soberano. Ao mesmo tempo, uma outra linha de leitura prepara o triunfo posterior de D. João I, como, por exemplo, no sonho em que D. Pedro auspicia que o seu filho D. João realizaria grandes feitos.

PERSONAGENS IMPORTANTES

Dom Afonso IV;
Dom Pedro I;
Dom Pedro de Castela;
Dom João I;
Dom Fernando;
Inês de Castro;
El-rei de Aragão.

USO PEDAGÓGICO EM SALA DE AULA:

Utilização de imagens demonstrando como era o período naquela época para realmente os alunos se sentirem imersos ao estudo, como fosse em um mundo novo, assim, fazendo-os se encantar pela história.

A dificuldade que alguns desenvolvem no ensino da história, é por acharem “chata” qual algumas vezes acaba sendo pela não utilização dos meios didáticos possíveis. ficha de personagens, criação de personagens e história em quadrinho, em trios.
Durante as aulas mostrar no projetor, partes das falas de Fernão, comentando as palavras do tempo
Introduzindo o Humanismo com as histórias de Fernão
Mostrar como era a profissão da época

PORQUE DEVEMOS LER:

Pelo que vimos até aqui, é inegável a importância da figura do historiador ao longo de diversas facetas da humanidade. Sem ele, muito do que existe se perderia.
Devemos ler essa obra, com os olhos da importância do papel do historiador, de alguém que colhe dados para que possa escrever biografias e afins.

Não seria de se espantar, que a figura de Fernão Lopes seja tão importante no período do humanismo na literatura portuguesa, pois sem seu trabalho, não haveriam relatos relacionados a figura de grandes reis.
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