Augusto 25/12/2013
"Devagar e sempre, Rowling, devagar e sempre...."
Pagford é uma cidadezinha pacata, tranquila, conservadora, bela e... às vezes um pouco babaca e monótona, que subitamente vê sua paz ser ameaçada por um grande novo bairro popular que começa a se formar bem próximo de seus limites. Pra piorar as coisas, um de seus habitantes mais respeitados, decide vender uma imensa área de sua propriedade ao município vizinho, que continua construindo mais moradias populares agora dentro dos limites de Pagford.
O novo bairro, Fields, é essencialmente algo semelhante às nossas favelas, que da mesma forma, crescem via de regra muito próximas aos bairros mais abastados. E por diversos motivos, grande parte dos habitantes de Pagford enxerga Fields como uma ameaça. Suas casinhas pequenas e sujas, cheias de rachaduras e coisa ainda piores, lembram à distinta sociedade "pagfordiana" uma realidade que ela preferia esquecer: miséria, violência, drogas, etc. A coisa fica ainda mais interessante quando "os bastardos de Fields" passam a frequentar a mesma escola que "os herdeiros de Pagford"
O Conselho Municipal se divide entre àqueles que veêm Fields como um câncer que ameaça a saúde da cidade e deve ser extirpado e outros que creêm que estes moradores digamos, "menos afortunados", são seres humanos que não podem ser abandonados e que os programas sociais existentes devem ser mantidos e até mesmo ampliados.
O "nó" aperta de vez quando um importante membro do Conselho integrante da "facção" pró-Fields sofre um AVC e vêm à óbito de forma súbita o que força seus "partidários", agora sem a antiga força e liderança, a questionarem as suas próprias motivações.
Pra apimentar ainda mais esse caldo, alguém que se autointitula o "fantasma" do falecido passa a expor publicamente na página do Conselho na Internet os segredos mais sórdidos de vários eminentes habitantes da recatada Pagford.
Não me causa espanto que tanta gente não tenha gostado do livro adulto da mãe do Bruxinho. "Morte Súbita" não é pequeno. São 500 páginas e acredite-me quando digo que a única coisa rápida ou súbita no livro está no seu título e na morte narrada logo nas primeiras páginas. Portanto não espere uma história eletrizante.
Rowling dirige com o freio de mão puxado durante praticamente 4/5 do livro, o que em alguns momentos chega a deixar a leitura um tanto enfadonha já que a história parece não progredir. Pra que se tenha uma ideia, a autora demora quase 180 páginas até finalmente decidir "enterrar" aquele defunto das primeiras 10 páginas e boa parte da trama gira em torno dele, das circunstâncias do seu falecimento e da repercussão que isso tem na vida de seus aliados e opositores.
Mas há bons momentos. Especialmente quando Rowling aborda temas bastante espinhosos como drogadição, bullying, incesto, pedofilia, preconceito (racial, religioso e de classe), autoflagelação, Transtorno Obsessivo Compulsivo, estupro de menores, etc, etc. A autora de fato consegue construir muito bem seus personagens, que diga-se de passagem estão bem longe de se encaixar nas definições clichês "bons ou maus". Eles são mais de carne e osso. E por isso mesmo, cheios de defeitos, medos, cometem burradas, agem precipitadamente, entram em parafuso, sentem-se profundamente frustrados ou animados por motivos banais (ou nem tanto), tem algumas atitudes nada nobres e em outros momentos são capazes de esquecer dos próprios problemas pra tentar ajudar o próximo. Enfim, são gente como nós. Apesar disso, fiquei boa parte do livro com a sensação de que Rowling havia matado o seu melhor personagem. Impressão que só foi superada nas últimas 100 páginas, quando a autora (que parece ter poupado fôlego pra um sprint final) acelera o ritmo e consegue aquilo que não havia conseguido nas primeiras 400 páginas: prender o leitor à trama, fazendo-o virar uma página após a outra e terminar um capítulo já ansiando pelo seguinte.
Se vale a pena a leitura?! Sim, vale! Mas é preciso um bocado de paciência pra vencer a (irritante) primeira metade. No mais, o prisma em que são colocados os temas que relatei anteriormente, somado ao final da obra e aos bons (e densos) personagens, ao menos pra mim, valeram o esforço e provocaram uma boa reflexão.
Bom livro. Três estrelas.