Pandora 14/06/2017Um autor excepcional, uma narrativa difícil e maravilhosa com total domínio da linguagem; tramas familiares, piano e música e uma torrente de sensibilidade: assim é "Cemitério de Pianos".
A história é contada por três Franciscos: avô, pai e neto, todos marceneiros no pequeno negócio da família. Mas engana-se quem espera uma narrativa linear tradicional: o livro é um caleidoscópio, um quebra-cabeça cuja imagem só se percebe quando quase todo ele está montado; antes disso, tentar entender as histórias dos Franciscos é como tentar encaixar as peças a espaços aos quais não pertencem.
Para quem quer se situar antes de ler este livro, recomendo que veja a Nota do Autor na última página; eu, como entrei às cegas na narrativa, tive uma certa dificuldade em reconhecer os Franciscos, além de escolher situá-los na época que melhor me aprouve. Porém, se optar pelo caminho do desconhecimento, mais tortuoso, esta também é uma saída interessante.
Tenho vontade de ler tudo o que José Luís Peixoto escreve? mas confesso que tive medo ao saber que este "Cemitério de Pianos" é muito leve se comparado a "Nenhum Olhar" e "Uma casa na escuridão". Porém sei que este medo não será maior do que a minha necessidade de me envolver novamente na escrita deste autor ímpar.
Deixo aqui um poema do autor citado no livro e que, coincidentemente, é um dos meus poemas preferidos:
"na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco"