Cemitério de pianos

Cemitério de pianos José Luis Peixoto




Resenhas - Cemitério de Pianos


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Edmar Lima (@literalgia) 21/01/2021

Cemitério de pianos
No ano retrasado, conheci o autor José Luís Peixoto através do livro "Autobiografia" e me apaixonei pela sua escrita. Gostei tanto que tornei essa obra o foco da minha pesquisa na faculdade e continuo me aprofundando na literatura portuguesa, principalmente nos textos de Peixoto. Já li ao todo três obras desse autor (quatro, com esta) e Peixoto continua me surpreendendo. Iniciei o livro sem saber o que me esperava, pois não cheguei nem mesmo a ler a sinopse. De primeira, reconheci a escrita poética que tanto me encanta porque mesmo se tratando de prosa, o autor escreve como se ilustrasse um poema. Ao longo da história, percebi que ele fazia um jogo narrativo semelhante ao que fez em Autobiografia, quando alternava as vozes entre José e Saramago. Confesso que levei um tempo para acostumar com a troca de foco narrativo entre os três Franciscos da trama: avô, pai e filho. Me peguei muitas vezes montando uma árvore genealógica na cabeça para lembrar quem havia feito o quê, quem era irmão de quem e me distraí durante a leitura com essa quebra-cabeça, sendo necessário retomar alguns parágrafos. Mas desde o começo percebi o potencial da história. Os três homens têm sua história marcada pela dificuldade, pela violência, pelo amor e também pela música. Os personagens levam a sério sua responsabilidade com os pianos e também sua paixão pelo atletismo.
As mulheres da história: mãe, irmãs, tias, são fundamentais para o desenrolar do texto e cada qual também tem seus percalços, convivem com homens agressivos e imaturos e lutam para manter a família unida apesar de tudo. Particularmente, Marta é a personagem que mais me sensibilizei, pois seu marido a desvalorizava como mãe e mulher por causa de seu peso e mesmo assim ela não sucumbiu a esses comentários maldosos.
Peixoto nos mostra nesse livro a história de uma família, em três gerações, com vozes que se alternam e se misturam, mas que se assemelham pelo ofício com a música. Uma história que talvez não seja a mais bonita, mas que é possível e nos toca por identificarmos alguns paralelos com a nossa própria realidade. Sendo assim, recomendo esse livro apenas com a ressalva de não se apegar muito a linearidade dos fatos, pois, depois que conseguimos vencer essa barreira, a história se mostra profunda e sensível e digna de releitura!
Lincoln 21/01/2021minha estante
com essa resenha dá vontade de ler! :)


Edmar Lima (@literalgia) 21/01/2021minha estante
Ah, fico feliz! Quando quiser ler, tenho o arquivo para te enviar! :)


Lincoln 21/01/2021minha estante
obrigado! :3




Renata CCS 03/07/2014

O passado, o presente e o futuro em um único e poderoso agora.
.
"A escrita, ou a arte, para ser mais abrangente, cumpre funções que mais nenhuma área consegue cumprir. () Sinto que há poucas experiências tão interessantes como quando se lê um livro e se percebe já senti isto, mas nunca o tinha visto escrito, procurar isso, ou procurar escrever textos que façam sentir isso, é uma das minhas buscas permanentes. Trata-se de ordenar, de esquematizar, não só sentimentos como ideias que temos de uma forma vaga, mas que entendemos melhor quando os vemos em palavras. Trata-se também de construir empatia: através da leitura temos oportunidade de estar na pele de outras pessoas e de sentir coisas que não fazem parte da nossa vida, mas que no momento em que lemos conseguimos perceber como é. E isso faz-nos ser mais humanos. Na leitura e na escrita encontramo-nos todos naquilo que temos de mais humano".
José Luís Peixoto

Eu acredito, honestamente, que seja mais fácil conhecer um escritor lendo seu trabalho do que falando ou convivendo com ele. Ficamos com uma falsa sensação de proximidade, de identificação e até de cumplicidade. E gosto do jeito como alguns escritores lidam com a língua, com uma segurança e confiança que chega a dar inveja (da branca, claro!). José Luis Peixoto me deu ambos: esta enganosa sensação de intimidade e uma dorzinha gorducha de cotovelo. É impossível ficar indiferente com a proximidade que possui com as palavras e a forma como desordena as regras para moldá-las a ser bel-prazer. A sua escrita em nada é simples, tudo é intenso, profundo, com descrições carregadas de sentimentos que nos tocam de forma especial. CEMITÉRIO DE PIANOS foi meu primeiro contato com este escritor e posso afirmar que não deu para evitar uma espécie de encantamento. JLP escreve prosa como se escrevesse poesia.

A obra é uma história sobre o relacionamento entre os membros de família, entre marido e mulher, pais e filhos e também entre irmãos. Uma história feita de amor, mas também de violência e de momentos de solidão, de tristeza e de saudade. Cada um dos personagens vai passando uma perspectiva diferente de sua própria história, numa mistura momentos alternados de alegria e tristeza, de nascimentos, de suas histórias de amor, de desilusão, de traições, de ambições e de acomodação. Vidas ordinárias em um cotidiano monótono, colorido de forma lindamente poética pelo escritor.

A narrativa tem um cenário bastante significativo, que é o cemitério de pianos que dá o título do livro. É um depósito poeirento dentro da marcenaria da família, onde se acumulam estruturas irrecuperáveis de pianos, que só servem para doar peças de reposição para que outros pianos sejam reparados. Permanece abandonado por anos, como que para frear o escape de suas músicas e histórias. Um local de segredos e memórias de vários tipos: são várias as recordações da família Lázaro naquele recinto. O cemitério de pianos é uma espécie de testemunha de vários momentos marcantes da história.

E os Franciscos não eram apenas carpinteiros: são pessoas apaixonadas por música e se ocupavam com zelo da tarefa de trazê-la de volta ao mundo. Há uma espécie de devoção, de realização pessoal, pois esse cemitério de pianos não era apenas uma pequena sala de trabalho. Para a família Lázaro, tinha quase o tamanho do planeta.

O romance é narrado em primeira pessoa por três homens da família Lázaro: avô, pai e filho, e cada um em um espaço diferente, em um tempo diferente, porém com as mesmas angústias e dúvidas. Três gerações cujas vozes ocasionalmente se confundem ou se complementam. Os três narradores são à escrita uma certa atemporalidade encantadora, e que quase nos transporta para lá. É um romance onde o relato cronológico não existe, e não faz falta alguma.

A escrita de JLP não é sequencial, em nenhum momento. Para acompanhá-lo temos que manter um ritmo de leitura desenfreado porque, se estamos no presente, logo nos descobrimos no passado, e com os olhos já espreitando no futuro. É como se o texto fosse dividido em vários blocos, onde as vozes narrativas se alternam e a história vai ganhando sentido à medida que as peças vão se encaixando.

A aparente desorientação causada pelos nomes, as idas e vindas na história com uso de uma narrativa fracionada, e com alguns momentos de fantasia e irrealidade - particularidades que poderiam pôr o livro a perder - acabam fazendo o oposto, revelando que JLP possui um domínio perfeito e admirável da linguagem.

A obra é rica e desafiadora com seu estilo modernista, recheada de nuances, com arranjos sutis e bem encadeados, tudo recheado com muita poesia.

E não se preocupe em anotar nomes ou tentar fazer uma árvore genealógica. O melhor é fazer é deixar que JLP o conduza, deixando a história fluir. Mesmo pulando de personagem em personagem, sempre sabemos onde estamos. Simplesmente dê a si mesmo um tempo para assimilar seu estilo, pois é parte do encantamento da leitura montar esse quebra-cabeças de imensos pedaços de texto.

A narrativa tem a capacidade de fascinar mesmo quando achamos que já não pode mais fazê-lo. E só por isso a leitura já é merecedora de nossos olhos: porque no meio da história acabamos por nos prender em frases que nos fazem refletir. Porque admiro a poesia por entre a prosa.

Fiquei mais rica.
Clara K 04/07/2014minha estante
Olá Renata, gostei demais dessa resenha. Parece-me um escritor fascinante, muito diferente de tudo que já li. Vou procurar por sua obra, sem dúvida.


Pedrinho 04/07/2014minha estante
Sou grande fã de José Luis Peixoto. É um escritor que sempre indico aos amigos. Pelo visto, ele ganhou uma nova admiradora. Parabéns pela instigante resenha.


Nanci 04/07/2014minha estante
Renata;

Parabéns pela resenha. Gostei de todos os JLP que li - dos portugueses novos, ele é dos meus favoritos.


Jayme 07/07/2014minha estante
Gostei demais da resenha e do conselho.


Raffa 07/07/2014minha estante
Olá Renata, eu já li este livro mas tinha esquecido de avaliar. A escrita de J.L. Peixoto é incrível, não é? Eu até acrescentei em minha lista outros desse escritor altamente recomendados.


Arsenio Meira 10/07/2014minha estante
Renata, linda resenha!

Um painel extremamente sensível e convidativo.

Eu que o tenho à estante, vou promovê-lo na lista caótica que mantenho, rsrs.
Abraços
Arsenio


Renata CCS 10/07/2014minha estante
Agradeço aos amigos skoobers pelos gentis comentários. JLP é uma proeza literária!


Pedrinho 11/07/2014minha estante
A beleza da escrita de José Luís Peixoto cativa de imediato, e não nos concede tempo para respirar.


DIRCE 15/07/2014minha estante
Amei o livro. Amei sua resenha.


Paty 16/07/2014minha estante
Inspiradíssima!


Renata CCS 16/07/2014minha estante
Pedrinho, Dirce e Paty,
Preciso ir para o próximo JLP, e já estou com saudades desse livro.


Regente Deo 21/07/2014minha estante
Uma resenha entusiasmada e inspiradora. Se o livro não estivesse em minha estante, com certeza, o acrescentaria após ler o fascínio que a obra causou a você.


Flávia 18/10/2015minha estante
Resenha à altura da obra! Parabéns! Conheci JLP através da epígrafe de "Na Escuridão, amanhã" de Rogério Pereira. A prosa de JLP parece ter tido forte influência sobre Rogério. Ambas as obras foram as melhores obras contemporâneas de língua portuguesa que li até o momento.


Nina Souza 27/07/2016minha estante
Ficou mais rica e me deixou morrendo de vontade de ler! Bela resenha!


Renata CCS 28/07/2016minha estante
Leia, Nina! José Luis Peixoto é gênio com as palavras.




DIRCE 01/10/2011

Histórias de Francisco contadas por Franciscos.
Depois de ter lido 2 livros de JLP ( Nenhum Olhar e Uma Casa na Escuridão), iniciei a leitura desse livro me perguntando o que ele me reservaria.
Sem muita surpresa me deparei com "ela" : com a dificuldade da leitura .
Digo sem muita surpresa porque "ela" ( a dificuldade) se fez presente nos 2 livros de JLP lidos anteriormente, ainda que, em Cemitérios de Pianos, a causa não tenha sido as metáforas predominantes nos livros Nenhum Olhar e Uma Casa na Escuridão.
O que tornou a leitura difícil foi que as vozes:as dos Franciscos, se intercalam de maneira abrupta ( perdi a conta das vezes que tive retornar às páginas anteriores) e as palavras suspensas no ar.
Mas não encontrei somente dificuldade em Cemitério de Pianos, encontrei também uma história que poderia até ser considerada feia, uma vez que ela é recheada de traição, de adultério, de violência doméstica , de confronto entre pai e filho, de desafetos, de sonhos esvaecidos e de perdas, não fosse a habilidade e a sensibilidade de JLP de tranformar desencanto em encanto.
Uma história que se desenrola a partir do seio familiar de uma família de artesões de Benfica/ Lisboa em data longínqua – uma história sob a visão de 3 Franciscos, narrada por 3 Franciscos: pai, filho e neto, mas que poderia ser a história atual de um coletivo de Francisco, daqui do nosso país, ou de qualquer outra parte do mundo. Histórias de homens rudes, que só se permitem gestos afetuosos e amorosos, enquanto namorados, ou em relações extraconjugais.
A morte é um tema recorrente nas obras de JLP, e é com ela que o livro se inicia, porém, desta feita, de mãos entrelaçadas com a vida o que dá um sentido de continuidade, de repetição.
As teclas danificadas dos pianos que são utilizadas no reparo de outros pianos, o olho cego de Simão, também sugerem que o curso da vida segue em frente, sempre, sempre se repetindo.
Uma coisa que muito agradou no livro foi que, diferentemente, de Nenhum Olhar e Uma Casa na Escuridão, que contam com um final atemorizante, Cemitério de Pianos termina sugerindo que, apesar das repetições muitas vezes dramáticas e desoladoras, existe a possibilidade de se entrever a esperança.
Esse é um livro que vai para os meus favoritos. Por quê? Pelo simples fato de ser um livro que emociona, de ser um livro que não terminou com o término da leitura: como um sonâmbula eu revia os Franciscos, o tio com um olho cego, as mulheres dos Franciscos, Marta, Maria, Simão, Eliza, Hermes, Irís, feridas cicatrizadas e o filho do Francisco a nascer.
Pelo simples fato de que, como uma serpente é encantada pelo musicalidade de uma flauta, eu fui encantada pela musicalidade entoada pela escrita de José Luiz Peixoto.
Paula 15/07/2012minha estante
Parabéns pela resenha muito bem escrita!
Botei-o na minha estante junto com Uma casa na escuridão, que pretendo ler esta semana ainda.
Beijos


Manuella_3 23/08/2012minha estante
É admirável a sua sensibilidade de resenhar... e de explicar a dificuldade de ler este autor intenso, profundo, dramático. Fiquei curiosa. Que sentimentos despertará JLP em mim? Não tenho esse eu lírico, fico confusa mesmo... Preciso sentar com calma pra ler mais esta obra. Pronto: mais um na minha intermináfel estante.




Paty 31/08/2014

Mais uma vez estamos perante um livro onde as emoções humanas são cuidadosamente pintadas com uma beleza profunda, carregadas de angústia e paixão.
Joy 03/09/2014minha estante
JLP é mesmo fascinante!




Nat 18/09/2020

^^ Pilha de Leitura ^^
Cemitério de Pianos tem um início difícil, são várias gerações de Franciscos e todas narram sua história. No entanto, quando você entende essa narrativa, a única coisa que consigo dizer é que é um livro lindo! Esse cemitério é, na verdade, uma oficina, e acompanhamos o desenrolar da vida dessa família, amores, culpas, ressentimentos... super indico!

site: https://www.youtube.com/c/PilhadeLeituradaNat
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fsamanta (@sam_leitora) 09/06/2013

Ler um caleidoscópio: é isso experimentar este livro. E é realmente uma experiência porque os acontecimentos dessa família calam fundo e o leitor se pega torcendo (inutilmente) para que aquele pressentimento do inevitável não se confirme. Mas é o fado, é a vida.
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Paula 21/10/2012

Obs: A resenha abaixo não explica a história, mas ilustra o meu parecer sobre Cemitério de pianos e minhas percepções sobre o livro.

Eu sabia que seria um bom livro. Não só pelos comentários que havia lido a respeito, mas por ter lido Uma casa na escuridão, obra de JLP que me marcou e me deixou sem chão. Eu esperava que Cemitério de pianos fosse mais leve que Uma casa na escuridão e realmente foi, entretanto me marcou igualmente.
Comecei a leitura achando a narrativa fluente, ritmada e menos complexa que minha leitura anterior de JLP. Esperava, por isso, um livro mais fácil de ser devorado. Porém, com o avançar da leitura, comecei a me deparar com situações imprevistas e a enfrentar uma grande dificuldade de conexão entre os trechos/capítulos. Explico: a narrativa é baseada nos relatos de 3 gerações da família, essas que se sobrepõem por diversas vezes. Posso dizer seguramente que somente alcançando a metade da obra consegui me acostumar e compreender quem era quem na história. Se você, que está me lendo, pensa em desistir da obra por isso, saiba que será um erro. Não é nada que não possa ser contornado. Além disso, JLP tem uma enorme sutileza ao enxergar acontecimentos corriqueiros. Há uma complexidade e uma profundeza no modo como ele lida com as palavras que houve trechos que eu simplesmente fechava os olhos e conseguia sentir - ou chegar perto - o que o autor queria passar.
Há uma parte do livro que é realmente conturbada: os trechos de diferentes momentos na vida de um dos narradores se misturam e o leitor pode achar sem nexo. Achei, contudo, genial que JLP usasse esse recurso. Através dele, recebemos flashes do passado e do presente do eu-lírico extremamente importantes que ilustram bem a confusão interna pela qual ele passa ao fazer uma análise de sua vida.
Precisei fazer essa (quase) resenha porque a obra e esse autor português incrível merecem, e é algo sem nexo pra mim saber que ele não é um autor best-seller como tantos nem tão bons que vemos hoje em dia (ao menos aqui no Brasil ele quase não é conhecido).
Mal posso esperar para ler outros títulos dele e me encantar com sua prosa poética que nos arremeta e nos modifica o modo de pensar.
5 estrelas, no top 5 dos meus livros favoritos.
(Obrigada, skoob, por me fazer conhecer autores maravilhosos e entrar em contato com leitores tão singulares.)
Pandora 13/06/2017minha estante
Estou lendo agora sentindo esta mesmo confusão que você sentiu, mas o livro é realmente maravilhoso, vale a pena por tantas reflexões e histórias de vida tão palpáveis e reais.




Marino 08/02/2010

A jornada de Lázaro

O maratonista Francisco Lázaro entrou duas vezes para a história das Olimpíadas. Ele fez parte da primeira delegação portuguesa a participar dos jogos, em 1912, na Suécia, e foi o primeiro atleta a morrer durante uma prova, a 14 de julho daquele ano, depois de correr 30 quilômetros. Lenda do esporte luso, Francisco Lázaro é também personagem de um romance surpreendente, publicado pela Editora Record: "Cemitério de pianos", do português José Luís Peixoto.

Lázaro é o personagem central de uma narrativa repleta de dramas, tragédias, pequenas alegrias e aqueles segredos que as famílias costumam ocultar sob o manto das aparências. Mas não se trata de uma biografia. Peixoto inspirou-se nesse personagem denso, mas do qual pouco se sabe, para criar um outro personagem, fruto das circunstâncias da ficção. Manejando as ferramentas da literatura com enorme precisão, Peixoto se dá essa e outras liberdades e revela que a sedução do texto não está necessariamente na economia de palavras, mas no bom uso delas.

"Cemitério de pianos" é resultado de uma refinada ourivesaria. O romance é narrado por três homens da família, de três gerações diferentes, cujas vozes eventualmente se confundem ou se cruzam. Embora falem em primeira pessoa, às vezes adquirem onisciência, relatando o que não presenciam, e nem a morte é capaz de calá-los. Suas falas se misturam às de personagens solitários e ecoam em ambientes escuros, eventualmente iluminados por um sorriso tímido. O texto é dividido em blocos, e as vozes se alternam entre um bloco e outro, de forma que o leitor precisa ficar atento aos pequenos detalhes, que Peixoto lhe oferece, pouco a pouco, no interior das frases. A história ganha sentido à medida que as peças se encaixam. Montar esse quebra-cabeças é um dos fascínios da leitura.

A maior parte dos personagens não tem nome, mas apenas caracterização — são referidos como "meu tio", "minha mulher", "o marido de minha filha", etc. Oito personagens são nomeados, os quatro filhos e os quatro netos do primeiro narrador, núcleo da família e do próprio romance. Um dos filhos, e também um dos narradores, é Francisco Lázaro. Os personagens-narradores são marceneiros, e a oficina onde exercem sua atividade passa de pai para filho, o que confere uma aura de imutabilidade ao fluxo da história, a não ser quando um fato trágico ocorre e quebra o clima.

Técnica apurada

Dentro da marcenaria fica o cemitério de pianos do título, e em torno dele e dos mistérios que o envolvem a família se pereniza. É como se houvesse uma melodia conduzindo e embalando história e linguagem, feita de música e poesia. Além de romancista, José Luís Peixoto é poeta, o que se revela na forma como constrói a narrativa, palavra a palavra. Os recursos de linguagem evidenciam uma técnica apurada, e dificilmente funcionariam na mão de artesão menos talentoso. O texto ganha dramaticidade com a repetição de frases e expressões, e o farto uso de dois pontos em alguns trechos traz fluência e emoção.

Peixoto nasceu em Galveias, norte alentejano, em 1974. Seus romances foram publicados na França, Itália, Bulgária, Turquia, Finlândia, Holanda, Espanha, República Checa, Croácia e Bielo-Rússia, além do Brasil. Ele já esteve várias vezes na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e costuma incluir elementos da cultura brasileira nos livros que escreve.

O escritor já publicou sete livros de ficção e três de poesia. No Brasil, a editora Agir lançou, em 2001, "Nenhum Olhar", prêmio Literário José Saramago, instituído em 1998 pela Fundação Círculo de Leitores, de Portugal, e destinado a autores com idade inferior a 35 anos. "Cemitério de pianos" oferece ao leitor brasileiro a oportunidade de contato com um dos mais talentosos nomes da nova geração da literatura portuguesa. Não seria má idéia publicar aqui também seus livros de poesia.

[resenha publicada no jornal Correio Braziliense]
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Elineuza.Crescencio 11/04/2020

Uma grande família
Título: Cemitério de Pianos
Autor: José Luiz Peixoto
País: Portugal
Páginas: 304
Avaliação: *****
Término da leitura: - 11/04/2020
Editora Record RJ 2008

O autor: Nascido em Galveias – Portugal formou-se na Universidade de Lisboa em Línguas e Literaturas modernas. Galveias foi seu primeiro romance. Aos 27 anos foi o mais jovem autor a receber o prêmio literário José Saramago. O livro “Cemitério de Pianos” ganhou o Prêmio Cálamo em 2007 na Espanha. É também poeta.

Obra: O livro apresenta um conjunto de lembranças de gerações de uma família cujos nomes dos patriarcas se repetem. Como todas as famílias do mundo todos carregam frustrações, decepções, sonhos, ilusões, desejos contidos, desejos realizados, dor e alegria, mortes e nascimentos, esperanças enfim. Muito trabalho e preservação das memórias. Mulheres fortes, homens duros e crianças que se tornam homens e mulheres como se fossem espelhos de seus ancestrais dando continuidade a uma, digamos, dinastia.
O livro é escrito com maestria. Em primeira pessoa, deixa-nos emocionados e decepcionados pela realidade com que é descrito, porém é carregado de poesia.

Considerações

1. Primeiro livro que leio do autor. Nem precisa dizer que fiquei apaixonada. Nunca tinha visto tanta sensibilidade no papel.
2. A cada página novas descobertas de uma família que em alguns momentos parece destroçada.
3. Um morto que fala e conta histórias é impressionante.
4. Tenso e rico do início ao fim.



site: Romance, familia, portugês,
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Pandora 14/06/2017

Um autor excepcional, uma narrativa difícil e maravilhosa com total domínio da linguagem; tramas familiares, piano e música e uma torrente de sensibilidade: assim é "Cemitério de Pianos".

A história é contada por três Franciscos: avô, pai e neto, todos marceneiros no pequeno negócio da família. Mas engana-se quem espera uma narrativa linear tradicional: o livro é um caleidoscópio, um quebra-cabeça cuja imagem só se percebe quando quase todo ele está montado; antes disso, tentar entender as histórias dos Franciscos é como tentar encaixar as peças a espaços aos quais não pertencem.

Para quem quer se situar antes de ler este livro, recomendo que veja a Nota do Autor na última página; eu, como entrei às cegas na narrativa, tive uma certa dificuldade em reconhecer os Franciscos, além de escolher situá-los na época que melhor me aprouve. Porém, se optar pelo caminho do desconhecimento, mais tortuoso, esta também é uma saída interessante.

Tenho vontade de ler tudo o que José Luís Peixoto escreve? mas confesso que tive medo ao saber que este "Cemitério de Pianos" é muito leve se comparado a "Nenhum Olhar" e "Uma casa na escuridão". Porém sei que este medo não será maior do que a minha necessidade de me envolver novamente na escrita deste autor ímpar.

Deixo aqui um poema do autor citado no livro e que, coincidentemente, é um dos meus poemas preferidos:

"na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco"
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Lívia 02/04/2021

Cemitério de pianos
"O tempo desloca-se dentro de si próprio movido pela angústia e pelo desejo. O tempo não tem vontade, tem instinto. O tempo é menos do que um animal a correr. Não pensa para onde vai. Quando para, é a angústia ou o desejo que o obrigam a parar."
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Val 15/09/2020

Abrindo uma porta sobre a noite
Culpa-se a falha provável da editora, da revisão ou da gráfica ao início da leitura da obra Cemitério de Pianos, do premiado poeta e romancista português José Luís Peixoto, ao perceber-se a narrativa bruscamente quebrada por uma nova, então desconhecida. Uma constante no livro.
Baseado na história da vida real de uma atleta fundista português, o livro não nos fala de esportes, mas das memórias póstumas de seu pai, um competente marceneiro sempre preocupado com os episódios peculiares de sua família; os felizes, os mórbidos e os terríveis. Por três gerações.
Abordando um cotidiano que deve ser comum ou similar a muitos leitores, Peixoto intercala-o sempre abruptamente com a mesma história num outro momento, e sempre numa linguagem simples, porém numa construção extremamente criativa e poética, ás vezes rotineira. Peixoto transmite a sensação de que escreve com sofreguidão, atropelando a sequência lógica do drama, resultando numa nova forma de escrever, para muitos, confusa. Para mim, resultado de sua prevalecente predisposição poética. Um encanto para quem curte boa literatura.
Em certos pontos, as memórias passam a ser do próprio fundista, com retrocessos às memórias do pai. Intermitentes reminiscências da violência doméstica, das paixões incontroláveis e às vezes inconsequentes; das descobertas auspiciosas e das labutas constantes, ao fim, regadas por bons canecos de vinho.
Peixoto tem uma extraordinária forma de interpretar o mundo, expressa pelas suas escolhas certeiras de linguagem e de imagens. Aqui, o fantástico é contado com a naturalidade do quotidiano. Ele escreve com grande sentido de linguagem poética e grande domínio da língua portuguesa. Tendo pianos como liame da maior parte dos dramas da obra, Peixoto coloca um anjo, quase ao final, a desconstruir o protagonista e a concluir o atormentado sofrimento do maratonista Francisco.
Leia mais em https://contracapaladob.blogspot.com/
Valdemir Martins
09.09.2020


site: https://contracapaladob.blogspot.com/
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Tati Guidio 23/12/2017

Franciscos.
Conta a história de uma família. 3 gerações. Os narradores se alternam sem aviso e muitas vezes é difícil distingui-los. As histórias dos 3 (narradores) tem muitas similaridades. São da mesma família, sim. Mas muitas coisas se cruzam e se repetem tornando a narrativa muito particular. E os capítulos se alternam em um texto corrido e em um texto em blocos, onde os trechos terminam na metade de uma frase e começam na metade de outra. Precisamos montar o quebra cabeça para encontrar onde cada história se liga à sua continuação.

Junto a tudo isso, a história. Que coisa linda! Linda e triste. Mostra como a família foi se construindo - e se desfazendo. O tempo, as escolhas, a vida. Onde nos levam?
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