PorEssasPáginas 24/02/2014
Resenha Brilho - Por Essas Páginas
Eu queria ler esse livro desde que o vi pela primeira vez, na livraria. Não tenho vergonha de dizer que foi um livro que apaixonei pela capa. Ela é linda, gente! E a foto não diz tudo sobre ela, porque a capa tem detalhes em glitter imitando estrelas, tudo, tudo mesmo, é muito caprichado nesse livro. Depois fui lendo resenhas e me apaixonando. Quase o comprei no Natal, mas aí bateu aquela culpa de todo leitor compulsivo “mas você já tem uma pilha gigante de livros para ler!”. Ok, deixei passar. Mas aí nós conseguimos a parceria com a Geração Editorial e eu não aguentei. Enchi a paciência da Lucy, que cuida dessa parceria, pra ela conseguir o livro pra mim, mesmo ela já tendo sido lançado há algum tempo. E a editora foi linda e me enviou um exemplar. Comecei a ler assim que botei as mãos nele e devorei de um dia para o outro. Eletrizante, envolvente, questionador: você deve parar tudo o que estiver fazendo e ler agora mesmo Brilho, de Amy Kathleen Ryan. Eu falo sério: é pra ler agora mesmo!
Vou tentar explicar porque amei tanto esse livro, mas é tarefa difícil, porque quando a gente ama demais uma história acaba se perdendo na crítica e só fica dizendo coisas como “leia, leia, leia”, que é o que eu quero dizer pra vocês, mas bem, vou respirar fundo e tentar ser o mais imparcial possível aqui (difícil, muito difícil).
Primeiro devo dizer que a sinopse não é justa com o livro. Ele é muito, muito mais do que a história de uma garota que precisa engravidar para garantir a sobrevivência da humanidade. Pensem em algo mais: multipliquem por mil. É muito, muito mais que isso. Esse é um livro bem mais profundo, com questionamentos complexos que vão deixar seus pensamentos a mil mesmo após fechar a última página. Eu não consigo me desgrudar da história, não consigo parar de pensar nela e ficar me questionando: mas o que está certo, afinal?
A verdade é que ninguém detém o poder da verdade. Nada está completamente certo, nada está completamente errado. E isso é só mais um dos questionamentos desse livro. Sério, é de pirar o cabeção.
O livro começa com uma conversa entre Waverly e Kieran. Eles são dois jovens concebidos e nascidos no espaço, dentro de uma imensa nave. São também os jovens mais velhos nessa nave, e espera-se que fiquem juntos, casem-se e tenham filhos, perpetuando, assim, a humanidade. Eles namoram há algum tempo, mas Waverly não tem certeza se é isso que quer realmente – ao menos agora; com razão, a garota se acha jovem demais para casar e ter filhos, sem ainda ter certeza de que realmente ama Kieran – e ainda há o fato de que ela se sente atraída por outro garoto da nave, Seth. Já Kieran é completamente apaixonado por Waverly e acredita piamente que é dever deles formarem uma família e perpetuarem a espécie e cumprirem a missão da nave. A Terra Velha foi se tornando gradualmente inóspita, e então duas naves a deixaram com a finalidade de levar algumas pessoas para colonizarem um novo mundo, que eles chamam de Terra Nova. A primeira nave, New Horizon, deixou o planeta um ano antes da nave onde vivem Waverly e Kieran, a Empyrean. Isso significa que a primeira nave deveria estar já muito longe, a vários anos-luz da segunda nave. Mas eis que, inesperadamente, dentro de uma nebulosa, a New Horizon aparece, visível e muito próxima da Empyrean. É aí que as coisas começam a dar errado.
Nesse livro, se algo puder dar errado… dará. Não espere calmarias, não há nenhuma.
A Empyrean é atacada pela New Horizon de maneira brutal e todas as garotas são levadas para a outra nave, inclusive Waverly. A partir daí, gente, é uma sequencia de cenas de tirar o fôlego, muita conspiração, intrigas e acontecimentos brutais. É o tipo de livro que você sente – e sabe – que ninguém está seguro. As narrações se alternam entre a visão de Waverly e Kieran, ambos lutando contra situações terríveis às quais são submetidos. Enquanto Waverly está presa na New Horizon, Kieran tem que lidar com o caos na Empyrean.
“Sempre que Waverly falava sobre o pai e de como sentia falta dele, percebia que Felicity estava tentando ouvi-la, tentando dizer a coisa certa, mas sempre conseguia mudar de assunto, e redirecionava a atenção de Waverly para algo mais animador.
‘Eu não quero me animar! Eu quero sentir a tristeza!’, Waverly chegara a gritar uma vez (…)”
Waverly é uma protagonista incrível, uma das mais cativantes e bem desenvolvidas que já li. Ela é ousada, inteligente e ardilosa, mas ao menos tempo, evolui também gradualmente, transformando-se de uma adolescente ingênua a uma mulher perspicaz. O livro mostra, brutal e intensamente, como as pessoas são obrigadas a amadurecer e crescer em meio a situações extremas. E Waverly faz exatamente isso. Você se vê torcendo por ela, comemorando a cada passo que ela dá em busca de sua liberdade – e das suas companheiras. E eu já disse o quanto esse livro é brutal? Há momentos críticos em que você simplesmente não consegue acreditar – e aceitar – que aquilo possa ter acontecido. Prepare-se para se chocar bastante.
Já no ponto de vista de Kieran, você nunca sabe em quem confiar. Na realidade, você se sente dividido várias vezes e não sabe se deve confiar até mesmo nele próprio, e olha que ele é o narrador em muitos momentos. Há um conflito intenso entre Kieran e Seth, e pasmem, não é pela garota. Sim, e eu adorei isso! O livro tem um romance, mas ele fica lá no fundo, em pausa, porque a maior parte do tempo eles estão separados! Os verdadeiros conflitos entre Kieran e Seth são por divergência de opiniões, em grande parte, políticas. Todo o livro é de um caráter intensamente conspiratório, aquele tipo de história que você várias vezes se encontra dividido entre os personagens. Você vai desconfiar deles, amá-los, odiá-los, e mesmo depois de odiá-los, ainda vai ter dúvidas se esse é o sentimento correto. É difícil explicar, mas é um livro que divide opiniões.
“(…) Deve ter algo por trás disso tudo. – Ele fez um gesto em direção ao portal, onde uma estrela ou outra piscavam meio escurecidas através da nebulosa. – Quero dizer: toda a criação… Você, eu… Só por causa de algum acidente cósmico? Não me parece algo realista.
- Sei o que você quer dizer – comentou Kieran pensativo. – Mas você acha que somos minoria?
- Em que sentido?
- Você acha que somos os únicos a bordo que têm fé?
Sarek balançou a cabeça em negativa.
- Nem de longe. De qualquer forma, não mais. Meu pai sempre dizia que não existem ateus em trincheiras.”
O que mais me impressionou nesse livro é o grau complexo e profundo de seus questionamentos. Espere encontrar, diluídos na trama de tirar o fôlego, reflexões sobre o papel da mulher na sociedade, machismo, política e religião. Há, na verdade, um grande questionamento e importância da religião na trama, começando pelo fato de que a New Horizon é populada por tripulantes religiosos e a Empyrean, em sua grande maioria, por ateus. A grande sacada aqui é que o livro mostra o lado extremamente negativo e nocivo da religião, mas também mostra o lado positivo e altruísta dela. O que é certo, afinal? O que fazer quando se perde a esperança? Seria a fé uma corda de salvação ou ela o enforcará em algum momento?
“- Digamos que eu, instintivamente, não acredite na perfeição.”
Há uma enorme dose de ironia aqui também, e algumas vezes você percebe como o livro está brincando com você, mostrando o quanto a vida, no fundo, é irônica e cruel. Você vai ficar dividido em vários momentos e com certeza vai terminar o livro, como eu, sem saber o que pensar. É o tipo de livro em que os personagens – todos! – são cinza: humanos com qualidades e defeitos, acertos e erros. Você realmente se liga a eles intensamente. Eles são reais.
O livro também faz uma referência memorável a Senhor das Moscas, lembram desse livro? Pois é, ele é sobre um conjunto de garotos adolescentes que ficam presos em uma ilha – tipo Lost -, só que lá só tem garotos, nenhum adulto. Isso também acontece na Empyrean. E aí surgem os conflitos. Como garotos, sozinhos, poderão pilotar uma nave, gerir problemas e cuidarem uns dos outros?
“Simplesmente conte a verdade da melhor forma que puder e as pessoas enxergarão o seu lado.”
Outro ponto a ser destacado é a pesquisa cuidosa que teve a autora para narrar, de maneira inteligente e brilhante, os aspectos físicos e biológicos do espaço. Deu para perceber o quanto ela se dedicou para que isso fosse o mais verossímil possível. E, apesar de muitas vezes ela nos explicar essas particularidades da vida no espaço, ainda assim em nenhum momento isso é feito de maneira didática; a autora vai sempre diluindo as informações nos diálogos e narrações de maneira envolvente, tanto que você quase não percebe isso e continua grudado na história.
E tenho que abrir um parêntesis aqui para destacar o quanto essa edição é perfeita! Sim, pessoal, perfeita. Desde a capa até a escolha da fonte, a diagramação cuidadosa, os detalhes a cada nova parte da história, o cheiro. Tudo! Fiquei encantada pelas páginas negras e pontilhadas de estrelas que separavam as partes do livro. Toda a edição é extremamente caprichada, em um nível que dificilmente se vê por aí. Vale cada centavo, pessoal.
O livro é o primeiro da série “Em Busca de um Novo Mundo” e, mesmo que vocês me vejam reclamar aí que “existem muitas séries sendo lançadas” e “eu não aguento mais esse apelo” ou ainda “estou lendo quase 30 séries e surtando”, bem, meus amigos, nesse livro eu não vou reclamar de nada, nadinha mesmo. O que eu quero aqui é mais e mais livros, eu quero mesmo é ler muito mais sobre essa história incrível e devorar a escrita fascinante de Amy Kathleen Ryan. E pela primeira vez em muito tempo eu pergunto: “cadê o próximo livro porque eu preciso lê-lo AGORA!”.
Leiam Brilho. Simplesmente leiam. Já.
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