dormideira 01/05/2020A vida é curta demais para se ler livros bostaEu estava tentando ler um livro simpático que achei na firma, “Um gato de rua chamado Bob” (um trocadalho no original, “A street cat named Bob”, ecoando o nome original da peça “Um bonde chamado desejo”), enfim, com uma foto de um gatinho na capa, e que tinham me falado bem. Como um dos meus projetos pessoais é zerar a pilha de livros que eu fui acumulando em cima da minha mesa do trabalho (e dentro das gavetas e dentro de uma caixa debaixo da mesa) parecendo um episódio especial do programa Acumuladores, peguei o Bob para aproveitar também e espairecer as ideias depois de ler "The Insult".
De fato, a leitura é leve e tranquila e a história parece fofa. Mas as qualidades param por aí. Em pouco tempo estou confusa, porque o marca-páginas promocional tem o formato de um violão, e o narrador está falando que toca guitarra no Covent Garden. Meus sentidos de Revisora Maria Canetinha gritam que é uma tradução tosca de guitar (violão). Tento seguir a história com qualquer uma das possibilidades.
Isso não mais é possível depois que o narrador divaga por volta do quinto capítulo também sobre o seu estilo de música e repertório, ambos acústicos, com essa palavra que distingue violão (acoustic guitar) de guitarra (electric guitar). Não é difícil saber que guitar é um falso cognato em alguns casos, nem exige um conhecimento complexo de música. Desatenção? Não, porque o cara toca guitarra na primeira metade do livro inteira e a graça é imaginar o gatinho junto. De estar incrédula, fui pesquisar as diferenças entre guitars e, para ser guitarra, teria que ter um amplificador, o que não é nem sequer mencionado, quiçá fosse possível para um andarilho que passa um tempo sem teto.
Mas desde o primeiro parágrafo, confesso, tive alergia à quantidade de “realmente” que aparecia, e conseguia ouvir, no fundo, o original gritando “mate” a cada “companheiro” em discurso direto. Aqui me perguntei se companheiro não teria uma carga de significado puxando para a esquerda, mas descartei a ideia também em prol do enredo. Eu ia rindo alto do livro e tentando aproveitar a história.
Mas (!) isso também foi porcamente executado. Todo e qualquer evento com o gatinho é elevado a melodrama, ganha status de núcleo de capítulo entre lamentações, flashbacks, observações sobre Londres e como era viver quase em situação de rua. Exemplo: um capítulo inteiro dedicado à castração do gato. Tudo isso, “literalmente”, ainda de acordo com o narrador, uma situação de vida ou morte.
É encheção de linguiça, pura e simples: as observações isoladas, as tensões se construindo e desconstruindo sem articulação e o suspense feito por fazer suspense mesmo, que nem uma cartilha de como prender a atenção do leitor. Cada capítulo daria um tweet ou 5 páginas de um livro infantil ilustrado, no máximo.
Desses conflitos vazios e irritações com a forma, me senti como se tivesse 5 anos. Eu reclamando, minha namorada me lembrou que eu não sou obrigada.
Era esse o intuito do post: lembrar que a gente não tem que ler por obrigação quando não tem que ler por obrigação. Por mais que eu seja chata com livro, goste de coisas específicas, faça a fina com literatura, não seja tão diligente para ler todo dia, não adianta fazer a estoica: esse livro é uma merda e eu prefiro ler a história do gatinho num artigo ou algo assim para ver o que houve com os dois e fim.
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https://1brogue.wordpress.com/2019/03/20/a-vida-e-curta-demais/