Craotchky 19/02/2021"Cante sua aldeia e serás universal"Ainda que seja possível encontrar o conteúdo da frase e título desta resenha (atribuída ao grande Liev Tolstói) formulado de outras formas, a mensagem que ela carrega é clara: cada pequeno microcosmo é representativo do espaço macrocósmico que o guarda. Sim, pois em cada pequeno canto parece haver uma parcela do todo; cada pedaço de mundo parece conter fragmentos universais. Khaled Hosseini parece seguir a máxima: eis um autor que, ao retratar sua aldeia, seu país, sua terra, sua cultura, sua gente, consegue extrair aquilo que é universal entre as pessoas, aquilo que é imanente à vida do ser humano, isto é, sensações, sentimentos, percepções...
A obra do autor está longe de ser vasta. Após ler O caçador de pipas e o arrebatador A cidade do sol, posso dizer que já li todos os livros ficcionais de Hosseini. À despeito do grande intervalo de tempo entre cada uma dessas minhas leituras, é difícil não notar a presença de determinados elementos que são como que intrínsecos as histórias do autor. Fiz alusão a um desses elementos no parágrafo acima: a maior parte das histórias são ambientadas na "aldeia" do autor, isto é, em sua terra, sua pátria; o Afeganistão. No encalço, retratam bastante aspectos sociais, culturais e políticos da vida naquele país em diversos momentos históricos; eis pois outro desses elementos.
Entretanto, a grande virtude do autor me parece ser outra; o melhor dos livros de Hosseini, a meu ver, é como ele traz com grande sensibilidade tramas perpassadas por laços afetivos intensos, nas quais personagens se relacionam de uma forma muito humana. Ele conta histórias contaminadas por eventos que causam rupturas, perdas pessoais, separações duradouras, sofrimentos físicos e psicológicos. Está constantemente presente nos enredos um tom de drama, melancolia, dor. Aqui a vida está longe de ser um mar de rosas. Porém, há espaço para espasmos momentâneos de beleza.
Dizer que este livro é protagonizado pelos irmãos, tal como é colocado na sinopse, é um equívoco. Ainda que seja a linha condutora, vários personagens serão protagonistas de capítulos inteiros. O texto é versátil enquanto traz uma estruturação narrativa que faz uso de flashback's, mescla pontos de vista, possui foco intercalado entre personagens, e variação de narrador ora em primeira, ora em terceira pessoa.
Como muita gente sugeriu em resenhas, O silêncio das montanhas tem suaves oscilações, sobretudo na metade final. Ainda assim não deixa de ser um livro muito bom, que consegue trazer outras realidades a quem lê. Se o livro é menos que os antecessores isso se deve mais à excelência daqueles do que a algum demérito deste. Não posso encerrar sem antes admitir que ele conseguiu de novo: conseguiu mais uma vez marejar meus olhos; e por duas vezes, em dois trechos. Enfim.
"Eles me dizem que vou entrar em águas que logo vão me afogar. Antes de ir em frente, deixo isto na praia para você. Rezo para que a encontre, irmã, para que saiba o que estava em meu coração quando afundei."