O amor de uma boa mulher

O amor de uma boa mulher Alice Munro




Resenhas - O Amor de Uma Boa Mulher


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Leila de Carvalho e Gonçalves 12/07/2018

Munro É Desoladamente Maior Do Que Sua Fama
A Academia Real Sueca foi dura com Alice Munro. Há anos que seu nome era cogitado entre os prováveis vencedores do Nobel de Literatura, mas somente em 2013, fez-se feita justiça a sua obra.

Essa reservada senhorinha canadense é considerada, com toda razão, a maior contista da atualidade. Conhecida como "Tchecov de Saias", qualquer outro elogio que possa ser feito a seu respeito passa a ser absolutamente redundante.

Suas narrativas têm como cenário as pequenas cidades da região de Ontario ? onde ela vive ? e são protagonizadas por mulheres de todas idades. Embora, aparentemente diferentes num primeiro olhar, todas possuem em comum a mesma capacidade de viver apaixonadamente e um marcante desejo por liberdade. Nesse universo, há espaço para a ansiedade adolescente, o desejo desvairado assim como a difícil relação familiar, especialmente, entre mães e filhos, expondo a dimensão do amor em suas várias manifestações, inclusive, na agonia e morte.

Em seus contos, fica evidente o prazer de contar uma boa história e sua fonte de inspiração são sempre os fatos corriqueiros do dia a dia, como pequenas incidentes ou uma doce lembrança. Porém, engano pensar que sua leitura seja fácil, sua prosa, marcada pela alinearidade, é impactante, destila lirismo e ao mesmo tempo, traz um intruso desconforto, pois, Mr. Munro sabe questionar o leitor, colocando em xeque suas angústias.

Entre esses contos, tenho dois que gostaria de destacar. O primeiro é o que intitula o volume, "O Amor De Uma Boa Mulher", que aborda o "aparente" suicídio de um respeitável cidadão de uma pequena cidade interiorana e cujo final é uma autêntica obra-prima. O segundo trata-se de "Antes da Mudança" que fala de amor, renúncia e morte, tocando com crueza no controvertido tema do aborto.

Restam ainda, "Jacarta", "A Ilha De Cortes", "Salve o Ceifador", "As Crianças Ficam", "Podre de Rica" e "O Sonho de Mamãe".

Se você acredita em dignidade e que uma escolha incidental pode mudar sua vida, não deixe de ler esse livro.

Aguardando outros, até a próxima!
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. 02/01/2014

Esse livro é uma junção de oito contos (na verdade é mais justo chamá-los de pequenos romances), com protagonistas femininos, da ganhadora do premio Nobel de literatura 2013, a canadense Alice Munro.
Acho que a melhor maneira de falar sobre esse livro e mostrar o que me atraiu nele e depois comentar dois trechos que me chamaram bastante atenção. Se você, como eu, já se sentir instigado a ler apenas pela chamada do livro, sugiro que não leia os trechos, pode ser considerado spoiller (se bem que acho que não faz grande diferença).
Nos anos 1950, a típica garota canadense ainda podia pensar que seria vítima de um desastre caso não cumprisse algumas etapas da vida: até os 25 anos, casamento; antes de completar o segundo ano de casada, um bebê; pouco tempo depois, outro bebê. Num futuro menos certo, ampliação dos confortos materiais e consolidação de uma família respeitável. Nas cidadezinhas espalhadas pelas áreas rurais, um emprego era facilmente classificado como um infortúnio resultante da viuvez ou, pior, da inépcia de um marido vivo. Porém, os ventos da mudança de costumes (e a Revolução Sexual que está por vir) já sopravam com força.
(...)Alice Munro lança um olhar ao mesmo tempo panorâmico e intimista sobre essa época, em que o comportamento de homens e mulheres transformava-se lentamente, erodindo os modelos tradicionais, mas, não raro, misturando-se com eles numa zona fronteiriça. (...)
Não vou comentar cada conto, só queria mostrar dois trechos retirados de A ilha de Cortes e Antes da mudança, respectivamente.
Chess trabalhava para uma firma que vendia secos e molhados no atacado. Tinha pensado em ser professor de história, porém seu pai o convenceu de que dando aulas não sustentaria uma esposa e nem subiria na vida. Ele o ajudara a conseguir o emprego, mas lhe disse que, depois disso, não deveria esperar nenhum favor. E Chess não esperava. Saía de casa antes de o sol nascer, durante aquele nosso primeiro inverno como marido e mulher, e voltava pra casa quando já era noite. Trabalhava duro, sem perguntar se o trabalho combinava com qualquer interesse que ele pudesse haver tido no passado, ou se contemplava algum propósito que desejava honrar. Nenhum propósito, exceto de nos levar na direção daquela vida de cortadores de grama motorizados e freezers que pensávamos não nos atrair. Eu poderia ter me maravilhado com a sua submissão jovial, ou eu diria mesmo amorosa.
Mas eu pensava: é isso que os homens fazem.
Essa é pra quem acha que o machismo afeta só as mulheres! É incrível como um parágrafo, mesmo que assim avulso, consegue expressar tanta coisa. Li esse trecho pra uma pessoa adulta e imediatamente me senti mal por ela ter pensado que era uma crítica minha sobre a acomodação que, pelo menos em mim, causa repugna. E talvez fosse.
O segundo trecho sei nem como comentar, acho que ele já fala por si só e dizer que meu coração bateu mais forte quando lia não deve acrescentar muita coisa. Um outro tema central desse conto é o aborto e ele é desenvolvido com a eu-lírico escrevendo uma carta pro seu ex-noivo.
Muda-se a lei, muda-se o que uma pessoa faz, muda-se o que uma pessoa é?
(...)
E se aquela lei podia mudar, outras coisas podiam mudar. Estou pensando agora em você, como podia acontecer de você não se envergonhar de uma mulher grávida. Não haveria nada de vergonhoso nisso. Avance alguns anos, poucos anos, e poderia se tornar uma celebração. A noiva grávida, com uma guirlanda de flores, é levada ao altar (...)
E então, onde eu fico nisso tudo? Terei sempre de assumir uma atitude de superioridade arrogante? Ostentar minhas perdas em troca da satisfação moral, do fato de estar acima, de ter razão?
Muda-se a pessoa. Todos afirmamos esperar que isso seja possível.
Muda-se a lei, muda-se a pessoa. Todavia, não queremos que tudo - a história inteira - seja ditado de fora. Não queremos que o que somos, o que todos nós somos, seja produzido dessa forma.
Quem é esse nós de quem venho falando?
Com certeza esse foi pra mim o melhor livro de 2013.
Bia 02/01/2014minha estante
Curti a resenha, stella!!




Maria Ferreira / @impressoesdemaria 31/08/2015

Amores de boas mulheres
O livro é composto por oito contos e todos, de uma forma ou de outra, prosam sobre o papel da mulher na sociedade.
O primeiro conto é o que dá título ao livro, "O amor de uma boa mulher". Ele começa com uma informação aparentemente aleatória, a de que um museu preserva uma caixa de instrumentos de optometria, importante porque pertenceu a um médico que se afogou no rio. Logo após, a autora começa a nos dar mais informações. Aparece três garotos que descobrem o carro do optometrista afogado no rio e eles voltam para casa a fim de contarem sobre sua descoberta, então a autora destrincha a vida de cada um deles e nos faz conhecer como eles se relacionam com seus familiares e com as pessoas que os cercam, feito isso, a autora interrompe e parte para outra narração aparentemente sem ligação alguma com a primeira. Uma enfermeira cuida de uma paciente muito doente, que antes de morrer lhe revela um segredo envolvendo a morte do optometrista e assim, quando menos esperamos, as três histórias se entrecruzam e é genial.

Os contos que se seguem "Jacarta", "A ilha de cortes", "Salve o ceifador", "As crianças ficam","Podre de rica", "Antes da mudança" e "O sonho de mamãe", falam sobre traição, relacionamento entre pais e filhos, casamento, aborto e é surpreendente porque as histórias se passam ma década de 50 mas vemos que em alguns aspectos não evoluímos tanto a ponto de não termos nenhuma relação com aquele passado. Este último foi o que mais mexeu comigo. Ele é narrado por um bebê e achei fantástico como Munro construiu uma narrativa que prende o leitor da primeira palavra à última. Jill era casada com um piloto da Força Aérea que morreu na guerra quando ela estava grávida. Ela se viu sem alternativas a não ser passar a morar com a familia de seu marido, que consistia na mãe e as irmãs Ailsa e Iona. Quando a criança nasceu, Jill teve muita dificuldade em cuidar dela porque ela simplesmente não aceitava a mãe, só aceitava que Iona a alimentasse, mudando assim, toda a sua rotina. Quando Iona precisa se ausentar e Jill fica sozinha com seu filho, o bebê não para de chorar um minuto e a mãe não sabe o que fazer, tomada pelo desespero, dá remédio para a criança e ambas caem no sono, só despertando quando Iona volta, mas esta faz um escândalo porque acha que a criança está morta. É, de certo modo, agoniante acompanhar a narrativa, só pude respirar quando cheguei no último ponto final.
São histórias do cotidiano, mas a autora expõe de uma forma que até as coisas mais simples tomam proporções inimagináveis. É preciso ler disposto a se encantar, a se chocar e a se surpreender.

site: http://delirandoeescrevendo.blogspot.com.br/2015/08/o-amor-de-uma-boa-mulher-alice-munro.html?m=1
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Wanderson 10/01/2021

Melancólica e bonita
Há uma melancolia meio esquiva na escrita de Alice Munro. Suas personagens falam de qualquer coisa, mas parece que falam meio que sussurrando, num tom de profunda calma. Calma, acho que é o que descreve a paisagem da escrita dela (mesmo ao narrar uma tormenta). Uma paisagem linda, calma e um tanto melancólica.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 21/07/2016

Alice Munro - O amor de uma boa mulher
Editora Companhia das Letras - 376 páginas - Tradução de Jorio Dauster - Lançamento no Brasil em 20/05/2013.

O que eu mais gosto em Alice Munro, Nobel de Literatura 2013, é o respeito à inteligência do leitor. Ela valoriza a experiência de interpretações múltiplas de seus contos, desafiando a tarefa de elaborar uma resenha objetiva e completa, pois parece nunca repetir uma estrutura narrativa, seja através de inversões na passagem do tempo, uso de diferentes vozes ou simplesmente com inesperadas mudanças na condução da trama, os seus contos surpreendem e alcançam regiões de nossa sensibilidade com efeitos que mesmo os longos romances não conseguem obter. No entanto, precisamos pagar o preço que o entendimento de sua obra exige, ou seja, uma leitura atenta e dedicada, não só na arquitetura dos seus textos, mas também na sutileza da construção psicológica de cada personagem, sob o risco de perdermos o brilhantismo da ficção, ou o pecado de escrever uma resenha com tipo de divulgação promocional.

De forma contraditória, toda a complexidade de seus contos é normalmente derivada de protagonistas provenientes da população supostamente mais simples de pequenas cidades no interior do Canadá, distantes portanto das crises existenciais típicas de habitantes neuróticos dos grandes centros urbanos, além de reproduzirem épocas que já se tornaram remotas como a fase ingênua da recessão após a Segunda Grande Guerra nos anos cinquenta. Logo, uma realidade distante e possivelmente pouco atrativa para a nossa era contemporânea da internet, nada mais falso. A ficção de Munro alcança as camadas mais escondidas da alma, essa coisa cada vez mais difícil e que só a verdadeira literatura consegue fazer. Principalmente nos oito contos desta antologia, lançada originalmente em 1998 e vencedora do National Book Critics Circle Award do ano, cada narrativa expressa a experiência de uma protagonista feminina para ultrapassar as barreiras que a sociedade da época impunha às mulheres através do preconceito (e ainda impõe em muitos casos) impedindo-as de viver a sua plena individualidade, questões como a dificuldade de realização profissional, adultério e separação nas relações envolvendo filhos, homossexualismo e até mesmo, em casos ainda mais polêmicos, o direito ao aborto.

"O amor de uma boa mulher" empresta o título a esta antologia, sendo o primeiro e longo conto de abertura, dividido em quatro partes, um excelente exemplo do estilo de Munro. Na primeira parte, um grupo de meninos descobre em uma manhã de sábado de 1951 um carro no fundo de uma represa abandonada, através de "um brilho azul-claro na água que não era um reflexo do céu", onde costumavam ir para nadar. Eles reconhecem o carro e o corpo em seu interior como sendo do optometrista da pequena cidade em que moravam. Até o final desta parte cada um dos três meninos, suas famílias e impressões sobre o ocorrido são detalhadas pela autora. Somente na segunda parte a verdadeira protagonista é apresentada, Enid que atendeu ao último pedido do pai de não concluir o curso de enfermagem devido à ideia dele de que esta profissão a transformaria em uma mulher vulgar devido à "familiaridade que as enfermeiras passam a ter com o corpo dos homens".

Afinal, exercer uma profissão, seja ela qual fosse, era considerado na época como "um infortúnio resultante da viuvez ou, pior, da inépcia de um marido vivo". De qualquer forma, após a morte do pai, Enid passa a acompanhar pacientes moribundos e desenganados em seus últimos momentos, morando em suas próprias casas, juntamente com as famílias. Enid é descrita como um modelo de virtude e abnegação até que na terceira e quarta partes, a história passa a fazer sentido como um todo, devido a um segredo que ela escuta da sra. Quinn, uma de suas pacientes terminais, que irá mudar o seu comportamento e guiar o conto para uma conclusão magistral.

"Enid dormia num sofá no quarto da sra. Quinn. A coceira devastadora da enferma desaparecera quase por completo, assim como a necessidade de urinar. Ela dormia durante a maior parte da noite, embora em alguns períodos respirasse de forma áspera e raivosa. O que despertava Enid e a mantinha acordada era um problema que só tinha a ver com ela própria. Começara a ter sonhos ruins. Eram diferentes de qualquer sonho que havia tido no passado. Ela costumava pensar que um mau sonho era se ver numa casa estranha onde os quartos mudassem todo o tempo e o trabalho a fazer estivesse acima de sua capacidade, tarefas a cumprir que imaginara já cumpridas, distrações inumeráveis. E, naturalmente, também tinha tido sonhos que caracterizava como românticos, nos quais algum homem passava o braço em volta de seu ombro ou mesmo a abraçava. Podia ser alguém conhecido ou não — às vezes um homem que só como piada poderia estar numa situação daquelas. Esses sonhos a deixavam pensativa ou um pouco triste, porém de certa forma aliviada por saber que tais sentimentos eram possíveis para ela. Podiam ser embaraçosos, mas não eram nada, absolutamente nada, quando comparados com os sonhos que tinha agora. Nestes, ela copulava ou tentava copular (às vezes impedida por intrusos ou mudanças das circunstâncias) com parceiros totalmente proibidos ou impensáveis. Com bebês gordos e hiperativos, ou pacientes envoltos em bandagens, ou com sua própria mãe. A lascívia a deixava molhada, oca, gemendo de desejo, e ela buscava se aliviar com rispidez e com uma atitude de pragmatismo malévolo. 'É vai ter que ser assim', ela dizia a si mesma. 'Vai ter que ser assim se não aparecer nada melhor.' E essa frieza do coração, essa depravação prosaica, simplesmente estimulava sua libido. Acordava sem sentir nenhum arrependimento, mas, suada e exausta, lá ficava como uma carcaça até que seu próprio eu, sua vergonha e sua descrença refluíssem para dentro dela. O suor esfriava sobre a pele. Permanecia deitada, tremendo na noite quente, sentindo repugnância e humilhação. Não ousava voltar a dormir. Acostumou-se ao escuro e aos compridos retângulos das janelas com cortinas de voal através das quais penetrava uma luz tênue. Enquanto a enervante respiração da enferma soava como uma reprimenda, e depois quase desaparecia." (págs. 62 e 63)

Em "As crianças ficam" a autora acompanha o desenvolvimento de um caso de adultério sob a ótica da protagonista, uma mãe de duas filhas que decide abandonar tudo para ficar com o amante, o diretor de uma montagem teatral amadora de Orfeu e Eurídice na qual ela decide participar, incentivada pelo próprio marido. Em um dia de chuva, ela caminha sozinha pensando nos efeitos de sua escolha, principalmente o fato de que não poderá ficar com as duas filhas pequenas, uma dor aguda que ela entende que se tornará crônica com o tempo, significando que "será permanente, mas talvez não constante", que "não a sentirá a cada minuto, mas não passará muitos dias sem senti-la". Poderá haver, à partir deste dia, algum alívio ou um improvável perdão das filhas para essa mulher?

"O que ela estava fazendo era alguma coisa sobre a qual já ouvira falar e já lera. O que Ana Karênina tinha feito e Madame Bovary tinha desejado fazer. O que uma professora, colega de Brian, tinha feito com o secretário de escola. Fugido com ele. Era assim que se dizia: fugir com alguém. Dar no pé. Algo mencionado em tom cômico ou depreciativo, se não com inveja. Era o adultério elevado ao grau máximo. Os casais que o faziam quase certamente já eram amantes, sendo adúlteros por bastante tempo antes de se tornarem suficientemente desesperados ou corajosos para dar aquele passo. Raras vezes um casal podia alegar que o amor não tinha sido consumado e era tecnicamente puro, porém essas pessoas, se alguém acreditasse nelas, seriam vistas não apenas como muito sérias e virtuosas, mas quase devastadoramente imprudentes. Comparáveis na prática àquelas que se arriscam e abrem mão de tudo para ir trabalhar num país pobre e perigoso. (...) Os outros, os adúlteros, eram considerados irresponsáveis, imaturos, egoístas ou mesmo cruéis. Felizardos, também. Felizardos porque eram com certeza esplêndidas as relações sexuais que vinham tendo em carros estacionados, campos verdejantes, leitos conjugais maculados ou, mais provavelmente, motéis como aquele. Caso contrário, não teriam tamanho desejo pela companhia do outro a todo custo, ou tamanha fé de que o futuro que compartilhariam seria muito melhor e diferente de tudo que haviam conhecido no passado." (págs. 230 e 231)

Já no difícil e perturbador "Antes da mudança", a protagonista escreve uma longa carta para o seu ex-namorado sobre o período de convivência com o pai em sua clínica, na qual ele atende mulheres que decidem fazer um aborto, tema espinhoso e difícil de tratar, principalmente quando Munro nos coloca ao lado da protagonista que acaba fazendo o papel de assistente durante uma dessas sessões clandestinas. O seu passado será introduzido aos poucos até ficar claro em uma conversa final com o pai que encerra o conto. Impossível não ficar sensibilizado com esta narrativa, sendo homem ou mulher.

"Eu estava pensando em dizer alguma coisa que pudesse lhe trazer alívio ou distraí-la. Podia ver agora o que meu pai estava fazendo. Dispostas sobre uma toalha branca, na mesa ao seu lado, havia diversas hastes, todas com o mesmo comprimento mas com diâmetros crescentes. Eram usadas, uma após a outra, para abrir e alargar o colo do útero. De onde me encontrava, atrás da barreira feita pelo lençol sobre os joelhos da moça, não era capaz de acompanhar o progresso invasivo daqueles instrumentos. No entanto, podia senti-lo através das ondas de dor que se sucediam em seu corpo que, sufocando os espasmos de apreensão, a faziam de fato ficar mais imóvel." (pág. 302)

Como acontece com toda grande obra de ficção, os contos de Alice Munro permanecem em nosso inconsciente, transformando-se e ganhando novos sentidos à medida que a nossa experiência de vida avança, em alguns casos nos incomodam sem sabermos exatamente o motivo, talvez porque reflitam algum sentimento que está cuidadosamente escondido dentro de nós mesmos.
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Henrique Fendrich 19/04/2019

É muito interessante observar como todos os contos de “O amor de uma boa mulher” são feitos a partir da perspectiva de personagens mulheres. Isso já é, de antemão, um mérito, diante de uma literatura que frequentemente é essencialmente masculina. As personagens de Munro podem ser uma esposa, uma avó, uma jovem, podem ser casadas, podem ser solteiras, mas é sempre pela ótica delas que o mundo é apreciado.

Também é muito interessante como elas estão mergulhadas em dramas perfeitamente atuais. A questão do aborto, por exemplo, é abordada com grande sinceridade no ótimo “Antes da mudança”. A maternidade e todas as expectativas que ela carrega são confrontadas em contos como “As crianças ficam” e, sobretudo, “O sonho de mamãe”, que deve ser o melhor conto do livro. Também questões como o casamento e o adultério marcam presença – tudo, reforce-se, sob uma ótima feminina.

Uma coisa que se pode notar em vários contos é que, à medida que os dramas se desenrolam, chega um momento em que há um acontecimento decisivo, uma morte, um acidente ou uma ameaça que alteram a vida “normal” dos personagens. O drama físico também aparece com destaque.

Gostei especialmente dos contos em primeira pessoa: “Antes da mudança”, “O sonho de mamãe” e “A ilha de Cortes”. O conto que dá título ao livro, apesar de momentos muito tocantes, em seu realismo, não foi do meu agrado devido ao formato, que o faz muito mais um romance pequeno do que um conto. São abertas várias “abas” na história que, assim me pareceu, se mostraram desnecessárias. Pessoalmente, gosto de contos mais curtos, e menos “povoados” do que costumam ser esses contos de origem norte-americana.

Mas não nego que se trata de uma escritora de muito valor em nossos tempos. Quando ela assume a primeira voz e se torna mais intimista, como em “O sonho de mamãe”, ela se torna ainda mais forte e a sua mensagem impacta mais.

Em tempo: quem gostou dos contos dela, vá atrás também da Flannery O'Connor, que merecia igualmente um Nobel.
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Fimbrethil Call 13/11/2013

Contos da vida cotidiana
Bom livro, no estilo de Rosamunde Pilcher, mas o que me espantou é que ela não sabe terminar seus contos. Dá a impressão de que ela interrompe o meio de uma frase, um pouco perturbador.
Flá Costa 21/04/2016minha estante
Incrível! Você definiu oq eu não conseguia definir. Ela não sabe terminar seus contos...


Laura 27/03/2017minha estante
nossa, achei o contrário, que ela sabe terminar os contos muito bem! acho a Alice Munro sublime, ela me deixa sem palavras...


Thaís 16/07/2017minha estante
Também acho




Melissa Padilha 20/02/2014

Alice Munro é uma escritora canadense, hoje com 82 anos, mais conhecida como a última vencedora (2013) do prêmio Nobel de Literatura. Alice é uma escritora de contos, e essa foi a grande surpresa no prêmio Nobel de 2013, que uma escritora estritamente de contos tenha vencido o prêmio. Obviamente ninguém tira o mérito de seu trabalho, há quase meio século se dedicando a literatura, seu primeiro livro foi editado em 1968, Dancing of the happy shades, uma compilação de contos , o último lançado foi em 2012, Dear Life (Vida Querida, Companhia das Letras, 2013).

Os contos escritos por Alice Munro, são contos mais longos, em comparação a outros autores cujos contos, correspondem a 10 menos páginas, os contos de Alice normalmente tem por volta de 50 páginas.

O livro O amor de uma boa mulher (The Love of a Good Woman), lançado pela Companhia das Letras (2013), tem em sua composição 8 contos, sendo o primeiro deles aquele que dá nome ao livro, os outros são Jacarta; A Ilha de Cortes; Salve o ceifador; As crianças ficam; Podre de rica, Antes da mudança; O sonho de mamãe. O livro foi escrito originalmente em 1998. Todos os contos estão centrados em contar histórias de mulheres e suas famílias, passados todos no Canadá, esse é o mote comum das obras de Alice.

É da vida comum que flui toda a história de seus contos, do nascimento de um filho, do casamento ou da falta dele, da traição, sexo, a relação com os pais, todo o contexto da vida feminina é abordada em suas histórias. Histórias essas, que não tratam de enredos fantásticos ou histórias complexas, tratam da vida comum, do dia a dia, quase daquele cotidiano que todos temos, mas aí está a grande qualidade da autora que através do cotidiano retira ótimas histórias. Quase todos os contos se passam entre as décadas de 40 e 50, com uma exceção, cuja história começa em 1974.

Não sou autora, mas acredito que retirar crônicas bem escritas de acontecimentos corriqueiros não seja uma tarefa muito simples. Alice conta suas histórias, de uma forma em que tempo e espaço modificam-se a todo momento. No meio dos contos, a autora altera completamente o foco de suas histórias, transportando seu leitor ao passado ou futuro da personagem, e segue fazendo isso, até que em determinado momento, todos os pontos são interligados, como que a cada novo fato apresentando, a cada nova informação que a autora apresenta, seja capaz de mudar o curso da vida e da história contada.

Munro cria personagens um tanto marginalizados para a época, que vivem revoluções em questões diárias, um casamento que termina porque a esposa escolhe ir embora com o diretor da peça de teatro, a mãe que não tem empatia pela filha, sexo, aborto, traição, ou um assassinato escondido por questões menores, enfim são grandes acontecimentos na vida de uma pessoa porém, contextualizado-os em eventos cotidianos, parecem menores. Tudo isso construído sob a construção e desconstrução da história, através da mudanças repentinas de espaço e tempo, característica forte da escritora.

É um livro intenso, denso e ao mesmo tempo muito simples.

site: http://decoisasporai.blogspot.com.br/2014/01/o-amor-de-uma-boa-mulher-de-alice-munro.html
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Eduarda Sampaio 04/08/2014

Questionador e belíssimo: abalou minhas estruturas.
A complexidade dos personagens que Alice Munro cria não permite prejulgamentos e visões parciais. Essa é uma leitura que só pode ser verdadeiramente apreciada quando o leitor se despe de qualquer preconceito, especialmente do machismo. Essas são protagonistas que precisam ser degustadas e Munro nos dá acesso direto a sua alma, a seus sonhos, a seus pensamentos mais secretos.

Resenha completa no link.

site: http://maquiadanalivraria.blogspot.com.br/2014/08/o-amor-de-uma-boa-mulher-alice-munro.html
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Flá Costa 30/04/2016

O Feminismo na delicadeza das palavras de uma boa mulher
Alice Munro é uma boa mulher.
Essa foi minha impressão assim que me dediquei a terminar este livro que até agora foi o meu favorito de 2016. A delicadeza com que ela constrói suas personagens, a força e a dubiedade que existe em cada uma delas, faz com que queiramos ler mais e mais...porque cada uma delas diz um pouco de nós. Impossível não se identificar, ou querer se identificar com elas. A coletânea de oito contos faz com que todas as mulheres que vomitam feminismo barato pelas ruas fiquem no chinelo, perto da obra-prima da autora.
Já aviso: sua escrita não é fácil. Especialmente o primeiro, que dá nome ao livro e "Podre de Rica",o sexto, exigem esforço e até alguma determinação. O último, assim como o quinto, "As crianças ficam", são os meus favoritos. Leia também e tire suas próprias conclusões!
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Eliane 02/08/2019

O livro é composto por oito contos e todos, de uma forma ou de outra, prosam sobre o papel da mulher na sociedade. O primeiro conto é o que dá título ao livro, "O amor de uma boa mulher". Ele começa com uma informação aparentemente aleatória, a de que um museu preserva uma caixa de instrumentos de optometria, importante porque pertenceu a um médico que se afogou no rio. Logo após, a autora começa a nos dar mais informações. Aparecem três garotos que descobrem o carro do optometrista afogado no rio e eles voltam para casa a fim de contarem sobre sua descoberta, então a autora destrincha a vida de cada um deles e nos faz conhecer como eles se relacionam com seus familiares e com as pessoas que os cercam, feito isso, a autora interrompe e parte para outra narração aparentemente sem ligação alguma com a primeira. Uma enfermeira cuida de uma paciente muito doente, que antes de morrer lhe revela um segredo envolvendo a morte do optometrista e assim, quando menos esperamos, as três histórias se entrecruzam .Genial!! Os contos que se seguem "Jacarta", "A ilha de Cortes", "Salve o Ceifador", "As crianças ficam","Podre de rica", "Antes da mudança" e "O sonho de mamãe", falam sobre traição, relacionamento entre pais e filhos, casamento, aborto e é surpreendente porque as histórias se passam ma década de 50 mas vemos que em alguns aspectos não evoluímos tanto a ponto de não termos nenhuma relação com aquele passado. 
O melhor conto : O Sonho de Mamãe, em que mãe e filha criam uma verdadeira relação de ódio mútuo e concretizam o mito do amor materno , É impossível assistir passivamente à raiva genuína trocada entre dois seres supostamente concebidos para se amar incondicionalmente, mas que relutam em aceitar qualquer afago sentimental.
A complexidade dos personagens que Alice Munro cria não permite prejulgamentos e visões parciais. Essa é uma leitura que só pode ser verdadeiramente apreciada quando o leitor se despe de qualquer preconceito, especialmente do machismo. Essas são protagonistas que precisam ser degustadas e Munro nos dá acesso direto a sua alma, a seus sonhos, a seus pensamentos mais secretos. 
São mulheres que, apesar de certa aura de resignação, libertam-se das amarras e restrições instituídas pela vida em suas diversas nuances, e fogem do padrão da mãe que deve inevitável e obrigatoriamente amar sua filha, transgredindo até mesmo a regra impeditiva de deixar os filhos e o casamento de lado para embrenhar-se em aventuras amorosas.  Mulheres, como sempre, indecifráveis e sinuosas. Entalhadas delicadamente pela experiência de Alice Munro.

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João 19/12/2018

O Amor de Uma Boa Mulher - Alice Munro
O fascínio exercido pela obra de Alice sobre o leitor reside na capacidade com que a autora faz brotar a tragédia humana da narrativa do quotidiano de suas personagens.

Os contos de Alice frequentemente transitam pela monotonia que caracteriza o dia a dia das pessoas em geral e de suas personagens, a narrar, por exemplo, a rotina de uma cuidadora de idosos e doentes, a vida sob o mesmo teto de um casal de noivos, as aflições de uma mãe de primeira viagem etc., para, então, a partir de um resgate do passado, revelar a tragédia que faltava para explicar talvez o vazio, o olhar sombrio ou a rabugice perceptível desde o início em algumas dessas personagem.

Porém, para retirar o véu da monotonia e fazer transparecer o drama que dá cor à narrativa é preciso atentar para as frequentes digressões presentes nas narrativas. Isso porque os contos de Alice não são lineares e brincam bastante com a técnica da digressão, sendo comum o leitor ser transportado para conhecer o passado, o presente e o futuro das personagens, a fim de que, fechando-se o elo da narrativa, a trama possa ser bem compreendida. Daí que o leitor apressado pode se ver confuso diante da sucessão temporal dos fatos.

Tal como em outras obras de Alice (Ex.: Fugitiva), além da narrativa não linear e das digressões, está presente a marca do universo feminino. A autora trabalha magistralmente com personagens mulheres, descrevendo-lhes detalhadamente a identidade física e psicológica. As temáticas que permeia os contos vão desde de uma assassinato passional ("O amor de uma boa mulher") até o drama da maternidade sentido por uma mãe de primeira viagem ("O sonho de mamãe"), passando por relações adulterinas ("Jacarta", "A ilha de Cortes", "As crianças ficam"), por crises na relação entre mãe e filha ("Salve o ceifador") e pela temática do aborto ("Antes da mudança").

Ao final da leitura dessa coletânea de contos, fica evidente a sensibilidade revelada por Alice Munro, autora capaz de retratar com excelência o universo psicológico de suas personagens mulheres. Ganhadora do Prêmio Nobel, faz jus à alcunha de "Tchekhov de saias".

Boas leituras!

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Jacy.Antunes 20/10/2022

Três contos
Alice Munro cria um microcosmo em pequenas cidades habitado por mulheres jovens no Canadá.
Nos anos 50 as suas personagens não se enquadram no papel que a sociedade exigia das mulheres. Então elas traem os maridos, vivenciam o aborto , e entregam os filhos para a adoção. Tambem não estão preparadas para serem mães e tem dificuldade na relação com os filhos.
Os personagens são bem construídos e os finais são surpreendentes.
Bastaram tres contos: Antes da mudança , A ilha de Cortes e O sonho de mamãe para afirmar que Alice Munro e Júlio C.ortazar são as grandes leituras de contos nesse ano.
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