Pandora 18/12/2022Os mortos é uma história de Natal. Último conto do livro Dublinenses e o mais famoso deles, nesta edição bilíngue da Editora Autêntica, reina sozinho.
As idosas irmãs Kate e Julia e sua sobrinha Mary Jane promovem todos os anos, à época do Natal, um baile e um jantar, onde recepcionam amigos e parentes em sua casa alugada em Dublin, Irlanda. Longe de serem abastadas, todas contribuem para o sustento da casa, mas mantêm alguns caprichos e gostam de receber. Um dos convidados é o sobrinho Gabriel, que comparece com Gretta, sua mulher e é responsável, todos os anos, pelo discurso de agradecimento. Neste ano, particularmente, ele saberá de algo perturbador sobre o passado de sua esposa.
Meu primeiro contato com Joyce. Gostaria muito de ter lido as notas do tradutor antes de ter lido o conto, pois apesar de ter gostado da leitura, eu a teria aproveitado muito mais. O texto pode parecer simples para alguns, mas há um grande significado nas entrelinhas e muitas referências à Irlanda da época (foi escrito em 1907): questões como o domínio inglês; a tentativa dos partidários da independência da Irlanda de retomarem as tradições do país, a língua galesa, as raizes celtas; o rigor da igreja católica; a morte e os mortos como um tema sempre presente, comum nesta época do ano em que se pensa sobre os que já se foram.
Diz Gabriel em seu discurso: “Não me deterei, pois, no passado. Não deixarei que nos invada, aqui, nesta noite, qualquer juízo sombrio.” [1]
Mas apesar da festividade da ocasião, há no ar certa melancolia e desesperança. Na carta do autor ao seu editor, sobre o livro Dublinenses, ele escreveu: “Minha intenção era escrever um capítulo da história moral de meu país e escolhi Dublin como cenário porque essa cidade me parecia o centro da paralisia”. Segundo Tadeu, “Joyce não nutria qualquer ilusão quanto à falta de perspectivas culturais e políticas de seu país, razão pela qual ele próprio decidiu abandoná-lo para viver na Europa continental”. Joyce passou a maior parte de sua vida adulta fora da Irlanda.
Enfim, procuro sempre fazer leituras temáticas em dezembro e este foi um dos livros escolhidos para este ano. Acho que foi um bom começo para conhecer James Joyce e no futuro me aventurar por suas obras mais complexas.
Nota: [1] Cabe aqui uma observação interessante: Tomaz Tadeu afirma, nas notas desta edição: “(…) diz-se que Joyce nutria uma certa ojeriza à vírgula, utilizando-a muito economicamente, uma escolha estilística que seria visível sobretudo nos contos reunidos em Dublinenses”. Porém no período citado, onde no texto original só havia uma vírgula, na tradução há, desnecessariamente, cinco.