Desde que conheci a história criada por Hillary Jordan fiquei com vontade de ler. Releituras de clássicos famosos nesse estilo são raras e a destreza da autora ao reinventar a situação de A Letra Escarlate em um futuro não tão distante é espantosa. Um conto emocionante sobre dor transformada em vergonha e humilhação pública, sobre superação e enxergar a verdade mascarada por trás do fanatismo religioso.
O mundo em que Hannah vive é regido pela religião. Os homens detém o poder dentro da família, as mulheres devem ser discretas e desde cedo aprendem como a se comportar, e como se tornar uma esposa ideal. Todo o modelo de sociedade baseado na religião teve início quando um vírus, uma DST, se alastrou mundo a fora tirando a fertilidade das mulheres. Alguns países aprovaram a inseminação em todas as mulheres, mesmo as muito jovens, mas em outro foram as leis que santificavam a vida que entraram em vigor. Com os orfanatos vazios, e as pessoas cada vez mais desesperadas para terem filhos as leis que proibiam o aborto em todos os casos eram motivo de resistência. Quando outras doenças se espalharam a crise aumentou, com preços altos e pouco alimento o governo decidiu que ao invés de gastar milhões alimentando criminosos investiria o dinheiro no povo honesto, criando assim o sistema de cromagem. Cada crime era representado por uma cor e os condenados teriam de enfrentar suas penas no mundo real, sendo julgados e apontados, muitas vezes até mortos. Hannah acaba de ser condenada por um aborto. Dezesseis anos com a pele cromada de vermelha. Da cabeça aos pés. Ela não revelou o nome do pai da criança e nem o nome de quem fez o aborto. Sua família está arrasada e Hannah passará por tortuosos caminhos até compreender que o crime não foi seu. Vivendo na pele o sofrimento de ser um cromado Hannah entenderá o quão desumano é o sistema e o pouco que existe de fé, amor ao próximo e perdão nesse estado que se esconde atrás dos preceitos religiosos.
É a partir dessa premissa que a história se desenvolve levantando questionamentos através de uma narrativa fluida e marcante. Um olhar aguçado que desconstrói um sistema todo religioso dando vida a uma trama triste e bela. Hilary Jordan surpreende o leitor com uma fábula cativante sobre uma mulher que representa o feminino estigmatizado em uma sociedade não tão distante da realidade de muitas regiões do mundo atual. Através do olhar agudo de Hannah, uma garota que agora vive em contradição com tudo o que aprendeu ao longo da vida que mergulhamos nos questionamentos sobre a cromagem de criminosos e os direitos da mulher enquanto ser humano.
Jordan questiona e descore sobre uma sociedade onde a mulher assim como os gays, negros e qualquer outra minoria sofrem com o preconceito da sociedade. Uma sociedade que usa os ensinamentos da igreja católica de forma radical. Acompanhar o amadurecer de Hannah foi algo tocante. A fluidez da prosa é algo que tornou a narração mais visceral, que ressoa no leitor de forma única. Uma trama que desperta sentimentos, desde a revolta até a compaixão. É incomodante ver que Hannah a princípio sofre não pela cromagem e sim por ter quebrado os mandamentos que aprendeu e viveu durante toda a vida. É triste ver o quanto ela se desvaloriza, colocando a si próprio abaixo qualquer coisa, acreditando que merece sua pena. A autora leva Hannah até o ponto de virada de maneira crível, sempre com momentos e comentários que mostram que não se acostuma e abandona preceitos de uma vida inteira de uma hora para outra.
Uma leitura rápida, com um mundo construído a margem, através de seus personagens e que leva o leitor a questionar o valor de crer em algo tão intensamente e um final que longe da redenção, chega perto da libertação. Um acerto de contas entre tudo o que Hannah aprendeu a vida inteira e a verdade que ninguém deveria esquecer: todos os seres humanos são iguais e todos merecem respeito. Fiquei muito curiosa a respeito do depois já que fica a abertura para uma continuação tão rica quanto. A edição da (...)
Termine o último parágrafo em:
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