Karen Silva 11/12/2016“Diga, o que quer fazer com essa sua única vida vibrante e preciosa?”O Começo de Tudo conta a história de Ezra Falkner, um adolescente considerado o garoto de ouro da escola. Astro do time da Westlake Middle School, bonito, descolado e namorando a garota mais popular da escola. Ezra cumpre bem o papel que lhe é esperado. Ele acredita que todo mundo tem uma tragédia pessoal à espreita – um encontro fatal após o qual tudo que realmente importa vai acontecer, e vê a sua própria cumprir-se em uma noite inesperada. Ao flagrar a namorada o traindo, Ezra se envolve em um acidente de carro causado por um motorista imprudente, têm sua perna quebrada e vê sua carreira no esporte e sua vida social irem para o espaço. A partir daí ele começa a andar com os “perdedores” do colégio e vai descobrir que talvez, aquele tenha sido seu lugar desde sempre.
“Ainda acho que a vida – independentemente do quão comum seja – de qualquer pessoa tem um ponto trágico e único, depois de qual tudo que é realmente importante vai acontecer. Esse momento representa o catalisador, o primeiro passo da equação. Mas, conhece-lo não leva a nada, pois o resultado é determinado por aquilo que vem depois.
Ezra é um menino inteligente e espirituoso, que aparenta se encaixar perfeitamente no grupo dos fúteis populares. Mas, intimamente, ele se sente inquieto sobre sua escolha de companhias e as ações que se sente inclinado a tomar quando está na presença dos mesmos. Após o acidente, quando nenhum de seus amigos vai visitá-lo no hospital, ele se exclui automaticamente do grupo e decide que é a hora para uma mudança. Na mesa dos perdedores, ele encontra personalidades fortes, as quais se identifica e parece se encaixar. Mas ainda se sente inquieto com uma sensação de perda ao deixar o antigo grupo.
Alguns pontos na personalidade do Ezra me incomodaram, como o fato de, após deixar os amigos populares, ele se sente na posição de julgar ações que não muito antes ele era, se não conivente, indiferente. Também incomoda a maneira como ele se coloca como vítima, secretamente culpando a ex namorada pelo acidente e esperando, a todo momento, que os amigos o excluam por sua nova condição. Contudo, a forma como o crescimento pessoal dele é descrito é bem trabalhada, com leveza e humor, introduz uma nova perspectiva quanto a seu comportamento. Além disso, ele é um garoto comum do ensino médio, engraçado e com umas sacadas muito boas – faz as melhores piadas, com certeza – que o tornam encantador.
“O mundo quebra todo mundo, e, posteriormente, alguns ficam mais fortes nos lugares quebrados.”
Entre as novas amizades, Ezra conhece Cassidy Thorpe. Uma garota linda, profunda e misteriosa. E aí começam os problemas. O fato de a Cassidy ter esse segredo que a torna arredia e a impede de se dar completamente, ao contrário do que se espera, faz o livro perder um pouco do seu brilho. Toda a aura de garota misteriosa e aventureira, que supõe-se encantar a muitos, faz com que a personagem perca sua riqueza. E isso refletiu no desenvolvimento de um romance fraco.
Os personagens secundários cumprem muito bem seu papel na trama. São típicas personalidades do ensino médio e fica claro que a autora quis construir personagens reais com os quais os leitores pudessem se identificar – todos eles refletem adversidades da adolescências que nós reconhecemos, se não em nós mesmo, em pessoas próximas. Referências como Harry Potter, Scott Fitzgerald, Oscar Wild e outros clássicos do mundo nerd contribuíram para esse sentimento de identificação.
O livro me cativou logo no início, com seus personagens espirituosos e particulares e suas referências à literatura tanto moderna quanto clássica. Mas a trama certamente tem seus pontos negativos. A autora tinha a sua disposição vários aspectos para explorar, como a deficiência do Ezra, sua relação tanto com os antigos amigos quanto com os novos e com o grupo de debates – que foi, sem dúvidas, a parte mais humorística da história. Porém, decidiu dar prioridade ao romance entre Ezra e Cassidy que teria sido muito mais interessante se deixado em segundo plano, como uma consequência. Isso interferiu diretamente na história que, após o meio, quando o romance ganha maior intensidade, perdeu o ritmo e a personalidade que tanto me encantaram no início. Contudo, foi surpreendente a forma como a Robyn conseguiu transformar uma tragédia em um novo começo, mostrando que tragédias nem sempre vêm para tirar algo.
O Começo de Tudo é um livro engraçado, com referências impressionantes , repleto de humor negro e agradavelmente inteligente. Sua leitura é fluida e divertida com um final inesperado e original que, para mim, foi o primor da história. É um livro que, a princípio, é mais para entreter do que para ensinar, mas, se prestarmos atenção, bem que se pode aprender alguma coisa.