Paulo Sousa 26/02/2019
O homem sentimental, de Javier Marías
Livro lido 4°/Fev//10°/2019
Título: O homem sentimental
Título original: El hombre sentimental
Autor: Javier Marías (ESP)
Tradução: Eduardo Brandão
Editora: Companhia das Letras
Ano de lançamento: 1986
Ano desta edição: 2004
Páginas: 160
Classificação: ??????????
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"E agora, de repente, sem que entre nós se houvesse produzido qualquer contratempo, sem que a subentendida promessa ou invento que íamos sendo houvesse sofrido qualquer desmentido, ou qualquer deterioração, ou sem que qualquer sombra de não-cumprimento a houvesse encoberto, sem que nem mesmo houvéssemos trocado de cidade ou de hotel, eu a via deixar-se tocar por um sujeito de bigode, careca, autoritário e encantador que, como ela, se chama a Manur" (pág 57).
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Qualquer leitor que, sem conhecer o escritor espanhol Javier Marías, visse a lombada de um livro chamado "O homem sentimental", diria estar diante de mais uma historieta de amor, com todos os seus clássicos elementos, utilizados (ou subutilizados) à larga, tanto que o cansaço natural dessa literatura tão manjada vem logo à tona.
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Mas não se pode subjugar a literatura, essa causadora de assombro e enlevo, motivadora de crises e desencontros. E como é bom ser surpreendido, quando um livro, antes julgado pela capa e pelo título, merecidamente nos leva por camadas e semânticas outras, nos tirando da zona de conforto do preconceito literário.
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Foi Javier Marías o causador desse meu comentário, depois de ler seu mais que excelente livro. Nele, o autor parte de uma lembrança real, uma viagem de trem entre Milão e Veneza onde dividiu a cabine com uma mulher silenciosa e introspectiva. A partir dali, é narrado em primeira pessoa uma jornada borrada, entre o sonho e a realidade, de um triângulo amoroso nada convencional, onde, além do personagem que conta a história, um cantor de ópera, figuram também um importante empresário e sua esposa jovem e bela. Arrematado com um quarto personagem, uma espécie de "acompanhante", na verdade um acólito do velho financista.
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Dito assim até que parece uma história de paixão, sedução e traição (será sempre nesta ordem?), mas não é assim que Javier Marías opera. O livro começa com um sonho do narrador (o cantor de óperas). Ele sonhou com aquele dia no trem, que de fato aconteceu quatro anos atrás, sonhou com ele e a mulher, já seduzida, algum tempo depois, em um quarto de hotel e também sonhou com coisas mais recentes de sua vida. Enquanto lentamente sai do sonho para a vigília tenta interpretar tudo o que se passou, como se estivesse fazendo uma análise em tempo real, sendo que sua consciência faz as vezes de analista, apesar de nem sempre confiável.
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É um livro muito bom, excelente na verdade, muito instigante, cheio de vida e reflexão. Frases esmerilhadas com uma maestria calculada mas emotiva, verdades buscadas no profundo da emoções humanas, ainda que desastradas e irrequietas. A música e a forma como a música afeta os homens tem um papel importante na história. O amor, antes de uma coisa boa, é um fardo que homens e mulheres têm de suportar, uma provação pela qual todos têm de passar. Que bela história. Que belo livro!