Blanda 20/10/2020
Um olhar temperado
Terry Brooks tem a mente para a fantasia, de fato você não discordará disso.
As criaturas são interessantes, seus personagens não são complexos, e parece-me que não havia essa intenção, é um mundo de contos. Você sente isso na atmosfera criada no início, um tempo longínquo, onde os males são ainda mais antigos, e essa distância ajuda nessa percepção. Ainda assim, nessa superficialidade calculada as personalidades são completas.
Quando os protetores dos povos - os druidas, quase extintos nesta era - vêem-se na necessidade de enfrentar o Lorde Feiticeiro, o mais poderoso e perverso inimigo de todos os tempos. Allanon, o último remanescente Druida, percebe que chegou o momento de dar fim a essa luta e para isso, precisa do único herdeiro consanguíneo restante para empunhar a espada e derrotar o mal vil.
Shea é um herdeiro consanguíneo, herança da qual apenas descendiam reis (ainda que ele de fato não receba um trono, dinheiro ou posses). Uma jornada travada pela insólita certeza dos velhos contos, um herói hereditário e um mal secular, numa guerra premeditada onde as forças provocam o destino até que ele lhe conceda um duelo.
A propósito, não fique muito animado com vitórias, caro amigo, uma vez que temos uma instigante jornada - próxima a peregrinação, pois que eu cansei de caminhar, e isso apenas mentalmente falando... - de um herói sem os espólios da vitória, mas bonificado com a vida.
O autor é bastante caricato nas escolhas, você pode interpretar as personagens e ver claramente a inteligência e devoção encarnados no soldado leal Balinor, aquele que não desaponta; da mesma forma em Menion, o selvagem guerreiro dócil no qual você pode sempre depositar suas expectativas menos ajuizadas e esperançosas de sobrevivência e alguns palpites do coração. Minha sede pela cultura élfica não foi saciada em absolutamente nada, elfos foram uma mera pincelada de existência, mas essa é uma questão talvez de escolha, sabendo-se que o próximo livro tem o foco no reino élfico.
Manter um ritmo de leitura é uma questão de gosto, imagino. Foi meu primeiro livro de Terry Brooks e o que vi foi um linguajar que permitiria e intencionava dar ritmo, mas os fatos não refletiam isso, logo você tem as palavras lhe passando uma mensagem de algo que tenciona correr, mas os fatos transcorrem num ritmo lento, e leituras lentas requerem prazer, aquela leitura suave da degustação, porque você quer sentir até o último sabor, aquela sensação da palavra resignificando com o contexto, e isso não acontece, o ritmo de leitura não acontece.
Assim como eu temperei essa leitura acima com o sazon que eu não senti, me vejo na necessidade de relembrar que sempre onde há fumaça outrora existia fogo, e onde tem fantasia, temos Tolkien. Em alguns momentos você vai reconhecer passagens muito semelhantes e mesmo personagens com propósitos bastante próximos à trilogia do Senhor dos Anéis. Não estou desmerendo à obra, gostei dela, mas as vezes a inspiração é apenas isso, inspiração, e depois você precisa caminhar com suas próprias pernas.