Tiago.Porto 12/10/2020
Vale a leitura, mas muitas muitas resalvas
Opinião: achei bem interessante essas outras camadas de sentimentos e intenções que estão por trás das palavras que escolhemos, e gostei de tomar consciência delas para tentar escolher as que exprimem melhor nossa intenção, mas nem sempre a intenção será de uma comunicação compassiva. Não dá pra ser compassivo contra racismo ou fascismo, por exemplo. Não acho que todos os princípios da CNV se aplicam em todos os contextos. Em alguns, há necessidade de exigir e não simplesmente pedir, como em alguns contextos de trabalho, algumas situações familiares.
O livro sugere uma estrutura da construção de diálogos baseados nos princípios da CNV que achei ilustrativo e interessante, mas senti como se ele sugerisse sempre fazermos desses jeitos, o que engessa os diálogos. Fica tudo muito igual, higienizado. Gostei de estar ciente das várias camadas de mensagens existentes numa mesma frase, mas não levaria como um manual de como me expressar em todas as situações. Marshall sugere o tom de voz, as perguntas a serem feitas em situações exemplificadas. Também me incomoda os relatos de casos contados como um roteiro de novela de final feliz, todos maravilhosamente resolvidos e perfeitos. O autor relata casos hollywoodianos de uso da CNV, o que me pareceu bem forçados. Intervenções pontuais na solução de conflitos históricos entre gangues, ou brigas familiares, e boom, tudo se resolve. Fazer as perguntas e parafrasear numa conversa pode demonstrar que você está realmente entendendo, mas ficar só perguntando me parece chato.
Além disso, Marshall fala de um lugar muito privilegiado quando diz que não devemos fazer nada que nos chateie (trabalho que a gente não goste) apenas por dinheiro. Para muitas pessoas é inevitável. Ele usa um exemplo hipotético de racismo reverso, o que é muito problemático e errado. Achei rasa e desonesta a relação que ele propõe com CNV e depressão. Ele usa exemplos de pessoas que apenas por terem usado os princípios da CNV para se comunicar consigo mesmo e com pessoas próximas ficaram mais conscientes dos seus problemas e saíram da depressão.
Enfim, acho que vale muito a pena a leitura, mas de forma crítica e contextualizada no cenário real de problemas sociais e complexidade da sociedade e das interações.
Resumo: guiado pelo estímulo de nos tornarmos a mudança que queremos ver no mundo, Marshall Rosenberg aborda os princípios de uma comunicação compassiva, que evoca o melhor para nossa interlocução. Não se pode construir a paz em alicerces do medo. A não violência para comunicação significa que venha a tona aquilo que existe de positivo em nós e que sejamos dominados pelo amor, respeito, compreensão, gratidão, compaixão e preocupação com os outros, em vez de o sermos pelas atitudes egocêntricas, egoístas, gananciosas, preconceituosas, suspeitosas e agressivas. A CNV nos guia no processo de reformular a maneira pela qual nos expressamos e escutamos os outros, mediante a concentração em quatro áreas: observação, sentimento, necessidades, pedido. A CNV promove maior profundidade no escutar, fomenta o respeito e a empatia e provoca o desejo mútuo de nos entregarmos de coração. O objetivo da CNV é estabelecer relacionamentos baseados na sinceridade e empatia. Quando os outros confiam nas premissas da CNV e na nossa intenção, os pedidos não são interpretados como exigências.
Usando a CNV a gente se sente menos adversário dos interlocutores, não há uma disputa de narrativas, há verdade e comunicação. A interação pela CNV diminui a tensão nas conversas, acessa os sentimentos verdadeiros causadores das angústias. A CNV nos ensina a nos comunicar sobre o que estamos observando, sentindo e necessitando sem criticar, analisar, culpar ou diagnosticar os outros, de uma maneira mais provável de inspirar compaixão. Marshall sugere que evitemos generalizações e exagero de linguagem (sempre, nunca, etc.) e aponta para a necessidade de expressarmos nossos sentimentos, ao invés de suposições dos sentimentos dos outros, para nos permitir identificarmos nossas emoções e nos conectarmos com os outros. Aí invés de “O que eu quero que ela faça”, devia ser “Que motivos desejo que essa pessoa tenha para fazê-lo?”. Quanto mais formos capazes de conectar nossos sentimentos a nossas necessidades, mais os outros serão capazes de reagir compassivamente. Estamos mal acostumados a pensar no que há de errado com o outro sempre que nossas necessidades não são satisfeitas.
Na CNV também se orienta a ser um bom ouvinte, empático, presente, solidário. A empatia é a compreensão generosa e respeitosa do que os outros estão vivendo, ao invés de darmos conselhos, encorajamento ou falar dos nossos sentimentos. Ele fala da importância de parafrasear, de expressar (normalmente em forma de pergunta) o sentimento e necessidade da outra pessoa para saber se entendemos direito e para que ela tenha a oportunidade de ouvir e esclarecer as coisas. O livro trata da importância da auto empatia, de como é fundamental sermos gentis com nós mesmos.
O último passo da CNV é o pedido, que deve refletir o que você deseja e não focar no que deve ser evitado, no que não quer. Seja específico pra evitar mal entendidos. Solicitações não acompanhadas dos sentimentos e necessidades do solicitante podem soar como exigências. Quando o pedido é uma exigência, a resposta será uma submissão ou afronta, o que não é interessante numa comunicação.
A CNV aborda também a expressão da raiva e alerta para o fato de que o que as outras pessoas fazem nunca é a causa de como nos sentimos. Fala sobre a necessidade de controlar a raiva para aumentar a probabilidade de que nossas necessidades sejam atendidas. A raiva pode nos fazer julgar e agredir o outro, que prejudicaria a comunicação. É raro o ser humano que consegue entender nossas necessidades quando nos expressamos mostrando o quanto ele está errado. Para expressar sua raiva de forma efetiva para a comunicação, respire, avalie suas necessidades não atendidas e seja empático com a do outro (e assim reconhecemos nossa humanidade em comum). Se, após expressarmos nosso sentimento real relacionado com a raiva experienciada, pedirmos para a pessoa repetir o que falamos (e sentimos), ela poderá se conectar com nossa dor e entender a raiva. É aceitável o uso protetivo da força em situações perigosas, mas não o uso punitivo.