Filipe Rodrigues 10/06/2014
Doze tribos para se observar... de longe.
Se tem uma coisa que me impressiona ultimamente como leitor é o minimalismo aliado ao esmero e capricho que as editoras têm dedicado aos seus lançamentos. Acredito que capas simples e bonitas exercem certa atração e aguçam a curiosidade do público. E não é diferente com "As doze tribos de Hattie", da escritora iniciante Ayana Mathis.
O romance trata do decorrer da vida de Hattie, refletida na vivência de seus descendentes, e vice-versa. Ainda adolescente, ela se muda com a mãe e as irmãs em 1923. Partindo da Geórgia, que naquela época passava por uma agressiva política de segregação racial, elas vão para a Filadélfia com a esperança de uma vida mais digna e segura. Dois anos depois Hattie está casada, e já exercendo o papel de mãe. É a partir desta perspectiva que o romance se apresenta, reservando um capítulo à cada um ou dois dos filhos de Hattie.
A cada capítulo, acompanhamos um fragmento da vida de um dos descendentes de Hattie. Ayana Mathis consegue abordar temas pesados e realistas de uma forma crua, pouco convencional. Homossexualidade, discriminação racial, alcoolismo, religião e demência são tratados de forma apaixonadamente eloquente, e Ayana decididamente cria seus personagens para sofrer sob tais condições. Nenhum sofrimento de ordem física, mas sim sentimental; o que, sob vários aspectos, dói mais que o primeiro. O mérito também fica por conta da versatilidade da escritora ao montar sua estrutura narrativa. Algumas vezes deixando a narrativa em 3ª pessoa de lado para flertar com a narrativa em 1ª pessoa, ela dá a história um caráter autobiográfico charmoso. A fantasia e o divino também são razoavelmente utilizados aqui. O romance ganha ares tribais de realismo fantástico ao apostar na mitologia, na manifestação divina e na crença de povos antigos para ressaltar e ilustrar o drama dos personagens.
É uma história essencialmente sobre perder e sobre se perder. Temos Hattie, que perde seus filhos para a morte, mas também para a vida; para caminhos distorcidos pelo vício; para prisões formadas pelas posses ao redor; para a falta de entendimento diante da sexualidade e da vocação religiosa; e até para a insanidade mental. E temos seus filhos, que se perdem nessas condições e não podem ou não conseguem mais voltar. Mas é também uma história sobre redenção. Sobre resiliência e necessidade de fazer e viver diferente, por mais tarde que possa parecer.
O ponto negativo fica mesmo para a falta de cuidado na impressão e diagramação do texto. Durante a leitura é possível identificar erros de ortografia e palavras com letras faltando. Ou sobrando, no caso do personagem August. A partir da metade do livro, August do nada passa a se chamar Augusto! Posteriormente o erro é corrigido, mas enfim... Não é muito recorrente, mas percebe-se ALGUMAS vezes. Pode ser que corrijam esses erros em edições posteriores. Porém, não é nada que apague a força deste romance.
Por fim, a impressão que se pode ter ao terminar de ler, é que “As doze tribos de Hattie” é um romance feito para mergulhar sem se aprofundar. Simplesmente para observar de longe, sem fazer questão de nenhuma conexão ou identificação do leitor com os personagens. Uma história crua, pra ser vista de fora e, portanto, com clareza.