Paulo 23/09/2023
O o brasileiro decide as questões mais graves do destino humano pelo mesmo critério que avalia o perfil dos bumbuns na praia
Como diria o saudoso Raul Seixas, “eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz”. Isso tem acontecido comigo desde 2018. Não há mais jornalismo de verdade no país, apenas versões enviesadas. Os colunistas atuais, salvo honrosas exceções, são fracos. Por isso, cultivo o lúcido hábito de ler Olavo de Carvalho nas pausas para o cafezinho durante o trabalho.
Este livro traz artigos e editoriais publicados em 2006. Passados mais de quinze anos, é impressionante como os escritos de Olavo, embora referentes a fatos passados, mantêm-se atuais e universais.
No artigo “América brasilianizada”, Olavo faz uma comparação interessante. Enquanto o brasleiro prefere ser controlado de fora para não ter que assumir as responsabilidades da vida adulta, o americano vê com orgulho sua autonomia individual. Aqui, o infantilismo socialista tupiniquim leva ao primado do prazer sobre o dever: há o predomínio do prazer estético sobre a consciência moral. Nas palavras deliciosas do autor: “o brasileiro decide as questões mais graves do destino humano pelo mesmo critério de atração e repulsa imediatos com que julga a qualidade da pinga ou avalia o perfil dos bumbuns na praia”.
Olavo alerta que a grande mídia e o sistema de ensino na maior parte dos países usam uma linguagem na qual religião é sinônimo de violência fanática e a eliminação de todas as religiões é a mais bela esperança de paz e liberdade para a humanidade (“A guerra contra as religiões").
Contumaz detrator do ensino brasileiro, para o mestre de Virgínia, ao enviar as crianças para escola os pais devem saber que eles “voltarão de lá tatuados e viciados, admirando bandidos e abominando as leis, falando alto, dando ordens ao pai e à mãe, indignados com a proibição das drogas, cheios de revolta sacrossanta contra a instituição familiar que os sustenta e protege” (em “Enquanto a Zé-Lite dorme”).
Em “A consciência humana em perigo”, Olavo fala da importância do estudo das autobiografias e denuncia a progressiva perda do sentido da unidade da autoconsciência, sem a qual a intenção mesma de narrar a própria vida se torna absurda. Há uma tensão entre duas formas de “eu”: de um lado, o “eu” responsável e eterno perante Deus; de outro, o “eu vítima" e que presta contas somente à opinião pública. Esse último é o que prevalece amplamente nos dias atuais. Somos todos personagens das redes sociais, à procura de seguidores sem fim.
Outro tema recorrente do autor, também tratado nesta obra, é o dos agentes históricos. Segundo o autor, há agentes muito mais coesos, duradouros e contínuos do que os Estados, tais como a Igreja Católica, o Islam, a Maçonaria, o Partido Comunista e certas famílias nobres e ricas (“Os mestres do fracasso).
Críticas ferrenhas à nova ordem mundial não poderiam ficar de fora. Olavo expõe, em “O parteiro do mal”, que a grande mídia e o ativismo judicial estão abolindo rapidamente o quadro de referência milenar da humanidade - bondade, prática de virtudes e senso de dever - para substituí-los por slogan casuísticos como “inclusão”, “justiça social” e “igualdade”.
Sobre a vida intelectual, outro assunto de relevo para o autor, há orientações preciosas: ler clássicos, estudar três ou quatro línguas e cultivar a vida espiritual (“Pela restauração intelectual do Brasil”).
O bordão continua valendo mais do que nunca: Olavo tem razão.