Maltenri 10/07/2011
Um marco do "noir"
“O Falcão Maltês”, escrito por Dashiel Hammett em 1930, segue as peripécias de Samuel “Sam” Spade, detetive particular em San Francisco. Ele se vê às voltas com uma mulher misteriosa, que o envolve em um caso complicado depois que seu parceiro Miles Archer é assassinado.
Por honestidade intelectual, indico que minha resenha e nota podem ser pouco objetivas. Li a versão traduzida e editada em 1984 pela Abril Cultural. A edição em si não está muito ruim, com poucos erros de tipografia, e uma ou outra palavra esquecida em língua inglesa. A tradução, no entanto, é vexatória e por vezes ridícula. Além de traduzir nomes pessoais e lugares, prática que abomino, o tradutor errou constantemente ao traduzir expressões e gírias. Isto acaba cortando o ritmo da trama e, por conseqüência, diminuindo a imersão e prazer da leitura. Disto decorre uma resenha talvez um pouco injusta.
A obra é considerada uma das grandes obras da literatura americana do século XX, feito raro para o gênero policial, tão criticado e menosprezado pelos amantes da grande literatura. Hammett foi detetive antes de ser escritor: sua obra tem uma sombra de realidade inigualável. Ele descreve um mundo duro e cruel, sem lugar para a inocência.
O estilo usado é interessante por três razões principais.
Primeiro, o uso abundante de adjetivos para dar um toque extra de realidade à trama. Suas descrições ficam rápidas e objetivas, com somente os adjetivos dando cor ao mundo.
Isto leva ao segundo ponto, que pode ser explicado por seu passado de detetive. Ele descreve todas as situações de forma metódica e precisa, sem floreios e figuras de linguagem. Decorre uma leitura rápida que, no entanto, não pode ser desatenta: as situações evoluem rapidamente, com muitas mudanças bruscas.
A última razão é a ausência de pensamentos dos personagens. O autor apresenta o que falam, fazem, e nada mais. Isto colabora para aumentar o clima de mistério e dúvida que acompanha toda a trama.
A visão pessimista do autor sobre o mundo aparece através de seus personagens: ninguém é santo; nenhum deles tem uma moral inteiramente reta. Aliás, retidão moral é algo raro na obra.
O personagem principal, Sam Spade, é o maior exemplo: um legítimo pulha, que faz só o que é melhor para si mesmo. Ele é um canalha da pior espécie: rouba, trai, briga... Porém não deixa de ser um personagem a quem se possa afeiçoar: tem uma ironia e um jeito malandro muito bem construídos pelo autor.
Todos os personagens seguem a mesma linha: mulheres manipuladoras, advogados de caráter duvidoso, policiais que vão além de suas funções e assim em diante. Todos têm seus interesses particulares e fazem de tudo para alcançá-los. Resumindo, temos personagens reais, que transpiram qualidades e defeitos, sem cair em estereótipos.
O livro merece ser lido, por ser um marco da gênero “noir” e por fugir do lugar-comum deste tipo de literatura. Lamento somente a tradução, que me privou certamente de um prazer maior.