Flávia Menezes 06/05/2023
UM SORRISO SEM O CORPO DO GATO DA ALICE. ?
?O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu?, é um livro que foi publicado em 1985 pelo renomado professor de neurologia e psiquiatria da Universidade de Columbia, autor de vários best-sellers que, em sua maioria, traz estudos de casos de pacientes que sofriam de distúrbios neurológicos.
Com um título que por si só já desperta a nossa curiosidade, este também encabeça um dos subcapítulos deste livro, onde Oliver nos conta sobre um paciente que literalmente confundiu a cabeça da sua mulher com um chapéu.
Contendo 24 ensaios sobre pacientes que perderam a memória, e com ela grande parte do seu passado, ou não eram sequer capazes de reconhecer pessoas e objetos comuns, esses relatos clínicos são divididos em 4 partes:
1-PERDAS (ou déficits) de funções neurológicas;
2-EXCESSOS ligados aos distúrbios excitados e produtivos;
3-TRANSPORTES que estão relacionados aos estados ?oníricos? e às ausências;
4-O MUNDO DOS SIMPLES em que o autor analisa casos de retardo mental e autismo.
Só para ilustrar uma situação, mas em 2000, os Estados Unidos registraram 1 caso de autismo a cada 150 crianças observadas. Em 2020, o número de casos saltou para 1 a cada 36 crianças (estatísticas emitidas pelo Centers for Disease Control and Prevention ? CDC). Esse é um número alarmante, e é uma pena que não tenhamos uma noção do quadro no Brasil, pois por aqui ainda existe muita dificuldade para que as famílias tenham acesso ao diagnóstico feito por profissionais especializados no assunto.
Quando eu iniciei essa leitura, e tendo em mente que se tratavam de casos que são anteriores a década de 1990, um dos meus primeiros questionamentos foi: será que hoje em dia, com o avanço da medicina e os exames de imagem muito mais modernizados e que permitem mais precisão diagnóstica, será que esses casos seriam mais facilmente diagnosticados ou continuariam a ser uma incógnita, tal qual o motivo por trás do aumento de casos de crianças com Transtorno de Espectro Autista?
Posso arriscar um palpite: mas acredito que alguns casos continuariam a ser uma incógnita, e um dos motivos pelos quais eu acabei lendo em paralelo a autobiografia de Bert Hellinger, é porque ele desenvolveu uma técnica que poderia trazer à luz algumas dessas perguntas que mesmo a medicina moderna deixa sem resposta.
A verdade é que a mente humana é uma verdadeira Caixa de Pandora, e entre o questionamento e a possibilidade de uma resolução, existe um abismo que só poderá ser transponível se estivermos dispostos a lidar com o desconhecido. E é exatamente isso que o Oliver Sacks nos mostra aqui, através do seu olhar norteado pela Fenomenologia.
Muito embora essa seja a minha abordagem escolhida (ou foi ela que me escolheu?), na época da faculdade (psicologia), eu nunca tinha compreendido com tanta clareza do que se trata avaliar um paciente através da Fenomenologia até ver o trabalho do Oliver Sacks. E aqui explico que se trata apenas de olhar para um fenômeno (a doença, por exemplo) tendo em mente à teoria (por exemplo, saber o que acontece no cérebro quando alguém tem um AVC- Acidente Vascular Cerebral), porém deixando um pouco o conhecimento de lado, para ouvir o paciente dizer o que ele sente, da forma como sente.
Pode parecer confuso isso, mas eu vou dar um exemplo: você e eu podemos, neste exato instante, estarmos com uma forte enxaqueca. Mas, o motivo pelo qual a sua enxaqueca começou, pode ser diferente do meu (exemplo: o meu pode ser por algo que comi, e você até porque forçou demais na leitura à noite, e tem mais sensibilidade à luz do celular), e a medicação que dará fim ao meu sofrimento, poderá também ser diferente da que fará a sua enxaqueca terminar. O que de fato é bem verdade, porque quando estou com enxaqueca só o buscopan faz passar, e não remédios como dipirona, ou neosaldina, como a maioria costuma tomar.
Um paciente não é a sua doença. Ele tem uma história de vida, tem uma família, e principalmente, ele tem uma identidade. E é aqui que o Oliver Sacks tem tanto a nos ensinar, mesmo que não atuemos em alguma área da saúde.
Digo isso porque é tão comum ouvirmos uma patologia sendo banalizada nos nossos dias atuais. Se você está triste é porque tem depressão. Se está agitado(a) é porque tem TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade). Se gosta muito das coisas organizadas tem TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Se muda de humor é bipolar. E quem sofre de algum desses transtornos sabe bem como não são tão banais assim, e do quanto necessitam da nossa empatia para compreendermos a sua dor.
Uma das coisas mais tocantes neste livro, foi ver o quanto alguns pacientes incorporam a doença à sua personalidade. Como é o caso de quem sofre de Síndrome de Tourette, e começa a ver seus tiques e maneirismos como parte de quem é. E ser a sua doença, possui um enorme significado, que inclusive precisa ser trabalhado. Mas tudo isso, pede um olhar com carinho e de muito respeito. O que Oliver certamente tinha.
Esse não é um livro de histórias de ficção, mas de casos clínicos reais que foram analisados e tratados por olhares clínicos de profissionais especializados.E mesmo que você não atue em uma área da Saúde, esse é um verdadeiro convite para que você também possa exercitar essa palavrinha tão usada na atualidade: a empatia. Porque é uma forma de entender o que se passa na mente de uma pessoa que sofre de algum transtorno, e ver como é o seu sofrimento, sentindo como seria "calçar os seus sapatos".
Além disso, é um livro que fala muito sobre os problemas neurológicos que surgem com a idade avançada, e isso pode ajudar muitas pessoas a compreender o que se passa com seus avós ou até com seus pais (se já estiverem com idade avançada), ou até mesmo a se preparar, porque o amanhã, só a Deus pertence.
Espero que você possa dar uma chance a esse livro de título tão bizarro, mas ao mesmo tempo, que nos desperta a curiosidade, e nos faz querer entrar na mente humana e entender todos os mistérios que existem por trás de um órgão tão complexo, e tão singular que nem mesmo pode ser transplantado.