André Tadei 12/11/2015
Eutidemo e a dialética
Eutidemo e Dionisodoro; ambos são simplesmente sábios em tudo (271c), que ensinam a virtude, desde que lhes pague um salário. Nisto convém relatar-vos que o tema essencial do diálogo é a educação, pois Críton deseja adquiri-la para lhes ensinar filhos. A princípio, Sócrates lhe recebe sinal demoníaco cujo significado é uma voz negativa e, em lugar de proclamar o que se deve fazer, indica o que não se deve fazer; uma proibição '1'. Alerta essa que lhe calharia na erística – esta é a arte da controvérsia, e tal discussão tem como fim a própria discussão, “a erística degenera em sofística e a interpretação do método erístico dá lugar a juízos desfavoráveis.”'2' Os sofistas erísticos traçam o argumento mais fraco em forte (Apologia, 19b), ademais, não só procuram angariar novos discípulos, que possam pagar pelo ensino que vão receber, como também demonstram, com a erística, uma prática da eficácia desse ensino, que os discípulos, que os acompanham e aplaudem (303a), devem imitar.'3'
A conversa crucial que temos dentro do diálogo de Eutidemo é quando Sócrates conversa com Clínias acerca de felicidade, isto é, a eudaimonia – designado como ‘vida boa, exitosa, um bem viver,'4' objetivo esse no qual todos o querem, pois quem entre os homens não quer ser bem-sucedido? (278e). É claro que a eudaimona está ligada com a aretê, já que esta dirige aquela. Fundindo a aretê com os bens da alma, e não os bens do corpo, é possível a eudaimonia, contanto que estão em harmonia as três virtudes cardeais de Platão, a saber: A temperança, a coragem e a justiça; esta designa a ordem na cidade, pois o que seria sem a polis os gregos?; essa constitui o empenho das ações, sendo assim, todas as ações relacionam-se com a coragem '5'; aquela é a moderação pela qual permanecemos senhores de nossos prazeres, em vez de seus escravos'6'. Em princípio, a sabedoria é eminente a todas, logo, a sabedoria, em toda parte, faz os homens ser bem afortunado (280a). Não confundamos esse saber com a polimatia dos sofistas, pois é nisto que Sócrates sabe o que não sabe, ou seja, é amante da sabedoria, como diria Pitágoras outrora. Por princípio, Sócrates desenvolve a dialética, na qual pretende obter um saber positivo de seus semelhantes, que, todavia, já deve estar, de certo modo, presente na alma. Este processo de aprendizagem, encontrado no Mênon, é como um parto, isto é, uma atualização ou uma lembrança de algo potencialmente sabido, conhecido como reminiscência.'7' Sócrates conclui, recapitulando a questão da sabedoria, que a sabedoria é um bem e a ignorância é um mal; esta nos desviará do caminho da ideia do bem, aquela nos colocará no eidético, como também nos porá em autarquia. Mas para tudo isso é preciso de uma ciência que nela coincidam, ao mesmo tempo, o produzir e o saber usar aquilo que ela produza (289b). Sócrates e Clínias tentam achar a ciências régia, entretanto, esta ciência só será exímia quando não oferecer um bem qualquer, mas o Bem'8', visto que “a posse de algum bem não nos é útil sem a posse do bem”'9'. A solução findaria se Sócrates argumentasse que o “bem e a felicidade como telos da ação humana pressupõe, portanto, para sua realização, uma bem-sucedida busca por saber ou sabedoria; em outras palavras: a filosofia”'10'. Está é a ciência régia que produz o saber e utiliza aquilo tal qual produz, melhor dizendo, a filosofia é um bem maior do que qualquer outro que veio ou possa vir alguma vez para a espécie mortal, oferecido pelos deuses (Timeu, 47a-b).
1 MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. Tomo I (A-D). São Paulo: Loyola, p. 662, 2000.
2 MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. Tomo II (E-J). São Paulo: Loyola, p. 858, 2001.
3 SANTOS, José Trindade. Para ler Platão: a ontoepistemologia dos diálogos socráticos: tomo I. 2. ed. São Paulo: edições Loyola, p. 63-64, 2012. (Coleção estudos platônicos).
4 LÉXICO de Platão. Organização Christian Shäfer. Tradução Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições Loyola, p. 125, 2012.
5 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, p. 57, 67, 1995.
6 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, p. 46, 1995.
7 LÉXICO de Platão. Organização Christian Shäfer. Tradução Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições Loyola, p. 284, 2012.
8 GOLDSCHMIDT, Victor. Os diálogos de Platão: Estrutura e método dialético. Tradução Dion Davi Macedo. São Paulo: Loyola, p. 75, 2002.
9 IDEM.
10 LÉXICO de Platão. Organização Christian Shäfer. Tradução Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições Loyola, 139, 2012.