R4 22/09/2014
Épicos e cômicos
Meu primeiro contato com James Joyce foi muito bom, com o romance O retrato do artista quando jovem. Foi difícil, sim, mas fiquei encantada com a epifania de beleza na cena da praia. Ainda hoje é um capítulo muito inspirador para mim. Além disso, seu livro de contos, Dublinenses, que li para entender os temas que se repetiam no outro livro. Agora, escolhi resenhar Finn's Hotel, um pequeno livro publicado postumamente, como um desafio pessoal. Desde já, confesso que foi difícil!
Finn's Hotel foi um livro escrito em 1923, após Ulisses e antes de Finnegans Wake. Apenas observando o nome, é possível perceber que foi um escrito que inspirou esse último, que é a obra mais extensa e de mais difícil compreensão de Joyce. Esse pequeno livro é um conjunto de breves episódios sobre lendas e histórias irlandesas, como Tristão e Isolda. Cada narrativa é curta, mas é um pequeno épico, por tratar de um fato grandioso. O foco de todas as narrativas decai sobre a Irlanda, terra natal de Joyce, que parece tentar buscar uma identidade nacional. Por isso, para aqueles que não conheciam muito da cultura irlandesa, eu recomendo algum tipo de pesquisa prévia. Posso comparar essas narrativas com uma obra modernista brasileira, como Macunaíma, de Mário de Andrade, que é tão difícil para um estrangeiro compreender quanto Finn's Hotel é para aqueles que não são irlandeses.
Outra dificuldade de Finn's Hotel é a linguagem: tão rebuscada a ponto de pensar ser outro idioma, e ao mesmo tempo tão baixa; além disso, repleta de neologismos interessantes, como "heptacromático seticolóreo vermelhanjerelivérdigo". Apesar de ser de difícil leitura, é ainda compreensível. Eu recomendo a releitura de cada capítulo, inclusive em voz alta. Assim que passa o obstáculo da leitura, percebi que a linguagem difícil eleva fatos bastante cômicos ou banais, como o banho de assento de São Kevin de Glendalough, ou o kilt "cor de férvido espinafre" de Rei Leary.
A linguagem nesse livro de James Joyce é um obstáculo que é possível de superar. Mais difícil ainda é a compreensão da cultura irlandesa. Como as lendas são curtas, é possível consultar uma a uma e conhecer mais detalhes sobre a cultura no prefácio da obra. Após o texto, o livro da Companhia das Letras conta também com mais um texto não-publicado de Joyce, chamado Giacomo Joyce, que conta a história de um professor que se apaixona por sua aluna em Trieste. Esse livro parece ser para Ulisses, o mesmo que Finn's Hotel é para Finnegans Wake.
Admiro a obra joyciana, mas eu ainda sinto uma certa relutância para ler os muitos volumes de Finnegans Wake, que é experimental e exige tanto do leitor. Além da difícil compreensão, acho que muito se perde na tradução desse tipo de literatura. A propósito, o mesmo perigo acontece em Finn's Hotel e teria sido tão mais interessante se a editora tivesse publicado uma versão bilíngue para que pudesse consultar os detalhes da língua.
JOYCE, James. Finn's Hotel. Trad: Caetano W. Galindo. São Paulo: Companhia das Letras. 2014. pp. 156