Victor Almeida 21/03/2014 As melhores mentiras sobre mim são as que eu contei.Dizem que autores devem escrever o que amam, pelo o que são apaixonados, e Patrick Rothfuss ama histórias. O Nome do Vento conta a história de Kvothe, uma figura lendária que hoje vive uma vida pacata como um simples hospedeiro pelo pseudônimo de Kote. Entretanto, seu nome pode ser ouvido em histórias de palácios de reis e histórias de pousadas e cidadezinhas. Mas apenas uma delas importa: a contada pelo próprio, tão chamado, herói.
Kote é gerente da pousada Marco do Percurso, e não tem interesse algum em reviver o seu passado, até que um cronista o encontra. Insistindo que sua história levará três dias para ser contada, e que o famoso cronista deverá escrever exatamente o que ele diz, finalmente começa: uma criança geniosa que cresceu na trupe de seus pais, participando de peças teatrais e truques por todos os lugares enquanto aprendia simpatias (mágica), história, alquimia, e muitas outras coisas. Kvothe, o seu passado, conta como acabou vivendo como sem-teto nas ruas de Treban até alcançar os quinze anos, quando foi aceito na Universidade. Com sua memória impressionante, talento natural, inteligência rápida e treinamento, ele avança para melhores cargos dentro dessa Universidade, onde passará a aprender magias mais difíceis, adquirir novos conhecimentos sobre o Chandriano — o responsável por assassinar sua família — e chamar o vento pelo nome.
Em muitos aspectos, a história de Kvothe é familiar. Entretanto, esse não é um livro para se descobrir o que vai acontecer, e sim como. O Nome do Vento é um livro repleto de aventuras ao longo do caminho, e enquanto algumas tramas são acertadas até o fim, novas tramas e temas são acrescentados como uma fundação sólida para a continuação no segundo livro da trilogia. Além de ser uma fantasia épica, o livro em si é a história da vida do personagem e sua jornada. É fato que ao ler você é imediatamente imergido no mundo de Kvothe. A cultura, geografia e detalhes dos personagens foram surpreendentemente bem desenvolvidos. De acordo com uma entrevista, Patrick Rothfuss disse que passou 14 anos trabalhando na sua trilogia, e o resultado final é um reflexo perfeito disso. Ele conhece sua sociedade e todos os detalhes envolvidos, desde fatores matemáticos, fórmulas, mágica até as complicações mais profundas da população.
O design das “simpatias” — o sistema de magia do livro — é original, único e faz tanto sentido que posso dizer que me surpreendi por não funcionar na vida real. É complicado o suficiente para não ser banal, e básico para ser explicado com veracidade. É uma mágica intelectual, não uma simples sacudida de varinha ou cajado. É necessário conhecimento, concentração, esforço, mas todos podem aprender.
Mas vamos ao que realmente interessa. O estilo de escrita do autor é suave a polido, e o ritmo balanceado (apesar dos primeiros capítulos serem um pouco lentos, assim que Kvothe começa sua jornada contada é impossível se desprender do livro). A prosa em si não é permeada por descrições chatas e irrelevantes, pelo contrário, apesar de ser um livro grande com letras pequenas, a história voa. Ela é engajante, bem humorada, detalhada na medida certa e nunca entediante. As criações do autor como poesias e músicas citadas durante a história também são fantásticas, cooperando com a veracidade do mundo criado.
Da mesma forma, a maneira como o autor distribui a trama, revelando dicas nos momentos certos, constrói tensão e expectativa que começam a se aglutinar em uma imagem impressionante. O elenco do livro, mesmo que não explorando tanto quanto Kvothe, são retratados aos poucos de forma igualmente vívida. Não há descrições impostas ao leitor de uma vez só, os personagens crescem gradualmente com a leitura. O livro mostra ao invés de contar, valorizando o intelecto do seu público e nossa capacidade de descobrir as coisas por nós mesmos. Vale mencionar que o autor alcança uma transição perfeita entre combinações de tramas. Em certo ponto você está junto com o protagonista viajando com sua trupe e se apresentando em pousadas. De repente tudo muda e sua família está morta, te obrigando a morar nas ruas de uma cidade grande. No próximo momento você se tornou um estudante de uma Universidade. A transição entre os blocos principais de história são perfeitas e imperceptíveis. Tudo é ligado de forma fantástica.
Em relação aos personagens e seu crescimento, acredito ser difícil expressar tudo o que achei. Enquanto a história de Kvothe é contada por sua própria voz, em primeira pessoa, os interlúdios que se passam nos dias atuais são em terceira pessoa onisciente. O genial é como Kvothe é mostrado: enquanto conta sua história como um garoto jovem, tendo passado por tragédias e desespero, sentido o peso exercido pelos problemas do mundo onde vive, sabe que ainda há muito a aprender, e isso aparece de forma muito forte no personagem. Mas também é balanceado com Kvothe como homem no presente, tendo passado por tudo o que passou e sendo ainda a mesma pessoa, entretanto sutilmente diferente. O personagem possui tanta carisma e desenvolvimento complexo que senti os seus pesares ao longo da história. Ele não é bom ou ruim, mas sofre da consciência de que é humano, solitário e desesperado por amizade. Por outro lado também é um músico maravilhoso, lutador habilidoso e mago poderoso. Suas contradições e conflitos certamente o tornam tridimensional. A mesma coisa pode se dizer sobre seus companheiros e outros personagens. Mesmo retratados pela visão de Kvothe, suas vozes são igualmente poderosas e nos fazem divagar por suas características.
Kvothe é o livro. Ele é a história. O Nome do Vento é sobre uma lenda, um mito. Como esse mito é criado e o que acontece quando a lenda acaba e a realidade começa é o que A Crônica do Matador do Rei retrata. O livro não acaba com um clímax esperado de um primeiro volume de trilogia, mas encerra nos deixando curiosos para saber o que mais acontece.
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