Nice.Vitor 23/10/2022
Não serve nem para entretenimento nem para ensinar algo bom.
A obra é uma ficção de "narrativa moral" ? por assim dizer ?, ou seja, ela tem como base alguma lição moral que quer ensinar aos leitores e todos os momentos-chave para cada personagem apontam para essa lição do livro. Que lição é essa?? Uma vida cristã baseada na ideia do título (estimulada no início da história a partir de um desafio proposto pelo pastor Henry Maxwell), a ideia de tomada de decisões e estilo de vida girando em torno de se questionar "em meus passos, o que faria Jesus?".
Pois bem, creio que o livro já seja problemático em sua base. A ideia de basear a vida cristã na mera imaginação de como Jesus agiria no meu lugar e, a partir daí, tomar decisões é por demais danosa. É nada mais do que criar um Jesus pra mim, baseado no que eu acho que seria sua atitude [muitas vezes isso é explicitado pelos próprios personagens, como a Rachel que em um momento diz "Estou apenas escolhendo meu próprio caminho" e logo em seguida afirma "(...) não consigo IMAGINAR Jesus (...)" (p.26), tudo isso sobre a decisão que ela tomou de não ser cantora lírica]. Em certos momentos, a própria narrativa deixa escapar pessoas tendo péssimas atitudes usando essa pergunta de base, como ocorre logo na primeira situação-problema com Norman, onde ele, que é o diretor de um jornal local, decide mudar muita coisa desnecessária do jornal por ter "assumido o compromisso" feito pelo desafio do pastor (p. 13-17). Isso acarretou, obviamente, em problemas (p.48 e 49) que poderiam ser evitados tomando decisões a partir de uma base melhor. Esses são só dois exemplo de vários outros pontos da narrativa. Até a questão de alcoolismo e política dentro da narrativa me lembraram muito os movimentos de temperança citados no BTCast 457 (recomendo: https://open.spotify.com/episode/0npxNQ1rbDMgsRExXJjG72?si=FPv9flQMTQmK5937j3X_rQ&utm_source=copy-link). Jonas Madureira, ao comentar sobre os problemas da obra, vai trazer como base a seguinte crítica: "Em poucas palavras, podemos dizer que 'seguir Jesus', nessa perspectiva, não passava de uma redução do discipulado à observação de um código de padrões morais que se inspira na especulação das virtudes éticas de Cristo. (...) É um erro teológico grotesco e de consequências danosas para a igreja pautar o discipulado na especulação, e não na imitação. Ao usar a especulação para responder à pergunta 'Em seus passos o que faria Jesus?', Sheldon deixou escapar pelos dedos a mediação apostólica do discipulado." (O Custo do Discipulado - A Doutrina da Imitação de Cristo p. 40 e 41). Ou seja, o grande problema da obra é justamente que ela trás a especulação como base para a tomada se decisões e para a vida cristã, não sendo isso o que o Senhor nos deixou de ensino na Escritura. Inclusive, a base do livro é muitas vezes contraditória a própria lembrança do que já havia sido dito e revelado na Escritura. Em um dos momentos, Henry, o pastor, vai pregar em uma empresa, a de Alexander Powers, e se vê na inquietação de como deveria pregar. O dilema dele era: " 'Como pregaria Jesus?', sabendo-se incapaz de transmitir uma mensagem que fosse o reflexo da mensagem de Cristo." (p.17). Ora essa, os evangelistas já não nos revelaram como Jesus pregou?? O Sermão do Monte já não é um "como pregaria Jesus"?? As conversas relatadas em João, como de João 3 ou 4, não serviriam para auxiliar a como compreender o modo de Jesus transmitir Sua mensagem?? Em outro momento, Powers tem um dilema moral sobre relatar ou não um problema moral no seu local de trabalho. "Seu primeiro impulso, foi devolver o envelope [que continha informações sobre a empresa dele estar "envolvida em uma violação sistemática das leis comerciais do país e dos próprios estatutos da organização"] e fingir que não era com ele. Se denunciasse a irregularidade, corria o risco de perder sua posição." Diante disso, o que lhe veio à mente?? Romanos 13:1-7 sobre obedecer às autoridades superiores e não praticar obras más?? Algo do ensino bíblico que o levasse a agir com honestidade ao invés de omissão?? Não, mas sim "lhe veio logo a pergunta: 'Que faria Jesus?'." (p.21). Na página 29, é apresentado que Henry pensa o que Jesus faria em sua cidade, sendo que as coisas que ele pontua ou já foram ditas pela Escritura ou só não fazem sentido necessariamente. Pra mim, esses são exemplos de como a própria revelação da Escritura é até mesmo ignorada pela base dessa narrativa.
Então, o que poderia ser alternativa ao que o livro propõe?? Primeiro, creio que a sabedoria bíblica é o caminho ideal para tomada de decisões (recomendo: https://youtu.be/beQXkIVqkHA). Tanto os conselhos e instruções de Provérbios,quanto o que Tiago tem a nos falar sobre a sabedoria do Alto, nos dá uma base sadia e bíblica de como lidarmos com a complexidade da vida na hora de nos decidirmos. A Escritura já nos dá a base de como devemos viver normativamente, a partir dos mandamentos e ordens do Senhor, só que nem sempre sabemos como aplicar adequadamente esses princípios. A sabedoria é justamente o caminho que o Senhor nos deu para fazer essas aplicações. Provérbios é justamente esse desejo de aplicar a Torá (sobretudo Deuteronômio) dentro da vida prática do povo de Israel (E Deus falou na língua dos homens: Uma Introdução à Bíblia - 7. Os Escritos: A Arte do Povo de Deus p.211). Em segundo lugar, Jonas Madureira trás a alternativa de imitar a Cristo como o meio de vida cristã. Ele vai dizer "a vocação para seguir Jesus é a prática de uma imitação herdada dos apóstolos. Nenhum discípulo de Cristo está autorizado a imitar um Cristo fabricado por sua mente, mas apenas o Cristo imitado e anunciado pelos apóstolos. (...) Portanto, o discipulado deve ser sempre uma imitação de Cristo por meio da pregação apostólica. Essa pregação deve moldar nossa mente e nosso coração, ou seja, nossa inteligência e nossa imaginação, a ponto de nossas ações e identidade serem completamente moldadas e orientadas por ela." (p.42). Ou seja, a partir daquilo que foi feito e dito pelos apóstolos (e pelo próprio Cristo) na Escritura é a nossa base de imitação (não especulação) para vivermos a vida cristã. Não precisamos imaginar o que Jesus faria, precisamos lembrar daquilo que Jesus já fez e disse. Os próprios Textos usado na obra pra basear, como 1Pedro 2:21, não são sobre cogitar como Jesus andaria em nosso lugar, mas andar sobre os passos já dados de Jesus. O autor, vez ou outra, quer dar a entender que está seguindo esse caminho de imitação de Cristo (ex: p.67 e 103), mas, na prática, não é isso que se vê.
A obra tem seus pontos positivos?? Creio que sim. Há momentos em que genuinamente os personagens conseguem tomar atitudes mais bíblicas e cristãs do que meramente especulativa. A própria Rachel, quando vai falar sobre um dos aspectos de sua decisão para não ser cantora lírica, foi porque "O sr. Gray e a esposa estão precisando de cantores para coordenarem no trabalho evangelístico. Quero fazer alguma coisa que me custe sacrifício. Quero sofrer por meu próximo em nome de Jesus! O que temos feito por aquela gente pecadora e sofredora daquela parte de Raymond?" (p.27). Isso eu achei lindo, belíssimo. Foi justo e é um fundamento muito mais sólido que a proposta geral do livro. Milton Wright, ao elencar "o que Jesus faria" em seu lugar, faz uma lista de 5 coisas que, de fato, Jesus fez (p.33). Embora esteja no contexto da especulação, ele acaba falando de coisas verdadeiras, não meramente o que a proposta do livro gera. O relato da conversão de Burns nas páginas 89-93 também achei que ficou muito bom, destoando do clima do livro. Tiveram algumas outras partes que gostei também. Agora, você pode acabar me questionando o porquê de eu não dar uma nota maior, devido às partes boas. O grande problema é que mesmo essas partes boas ainda estão envolvidos, ainda que de forma mais ou menos indireta, com a base da obra, que creio que seja ruim. Ou seja, nenhum relato está descrito à toa. Não são narrativas desconexas da proposta do livro. De certa forma, todos os pontos narrativos são afluentes que saem do rio, que é o tema central. Se for algo que um cristão deva concordar, é usado como algo favorável à proposta. Se for algo que um cristão deva discordar, é usado como uma consequência de não seguir com a proposta.
No mais, acho fantástico e brilhante o formato em narrativa ficcional para transmitir a ideia proposta. Certamente teve uma eficácia muito grande em difundir a mensagem que Charles M. Sheldon quis que as pessoas assimilassem. O triste é que tudo isso foi usado para um conteúdo ruim hahaha