Laiza 11/01/2021
A Terra das Mulheres - Charlotte Perkins Gilman
Desde que ouvi falar sobre o livro Terra das Mulheres da escritora estadunidense Charlotte Perkins Gilman, eu fiquei louca para ler! O fato da autora ter escrito essa obra ousada e inovadora no início do século 20, levantando uma série de questões sobre o papel social da mulher, refletindo sobre a sua autossuficiência e liberdade, os costumes da época, bem como um debate acerca das grandes estruturas patriarcais e capitalistas do nosso sistema; uma obra tão rica que logo tornou-se um clássico distópico. Tudo isso já é um claro motivo do porque eu queria tanto conhecer essa obra. Mas além disso, o que me instigava demais era aquela pequena pergunta que todos nós já fizemos em alguma medida: como seria um mundo de apenas mulheres? Antes de entrarmos a fundo nessa questão, vamos para sinopse.
Terry, Van e Jeff são exploradores que estão em busca da Terra das Mulheres, um país em que ouviram dizer não existir homens. A curiosidade científica desses homens em saber mais sobre o local e os costumes das mulheres que ali habitam, logo entra em conflito com seus egos e senso de domínio, que os leva a sonhar com um harém em desespero para que salvem e depois que se submetam. Para eles, uma sociedade sem homens deve ser caótica, selvagem e subdesenvolvida. Porém, a Terra das Mulheres se mostra diferente do que esperam: um país estritamente organizado, desenvolvido, e sem conflitos; em que a maternidade é o centro da sociedade e ocorre de maneira espontânea, sem necessidade de um macho, anulando também noções de desejo e sexualidade. Como, então, homens tão acostumados com sua posição estrutural e social lidarão com o fato de que são totalmente dispensáveis? E as mulheres? Como irão recebê-los?
Eu demorei um pouco para conseguir me entregar totalmente nessa história. Isso porque os personagens principais - Jeff, Van, e Terry - são muito chatos. Claro que compreendo a intenção da autora em colocar o ponto de vista de homens que vão à Terra das Mulheres e precisam lidar com a não centralidade da sociedade no homem e com seus próprios egos e preconceitos. Então o papel deles na narrativa é justamente questionar a estrutura da sociedade das mulheres; eles representam o típico pensamento machista, colonial e ocidental da época. Até você se habituar com a história e a construção da narrativa, o começo é sim um pouco monótono. Mas os personagens homens nunca deixam de ser chatos haha Como eles representam todas as ideias e imposições patriarcais da nossa sociedade, ao longo de todo o livro eles questionam, indagam e tentam impor ao país das mulheres seus preconceitos, machismos e suposições ilógicas do que para eles não poderia funcionar.
A história começa a fluir mais quando entramos dentro da Terra das Mulheres e podemos conhecer mais sobre a organização da sociedade e a história do país. O livro vai seguindo essa construção, da troca de conhecimento do nosso mundo - feito pelos homens - pelo conhecimento das mulheres. Então aos poucos o livro vai refletindo os estigmas e achismos do nosso mundo e confrontando essas narrativas a partir da experiência em sociedade dessas mulheres. Assim, a história, a ambientação e os diálogos são bastante descritivos, o que pode diminuir um pouco o ritmo da leitura as vezes. Eu optei por ir lendo as poucos, para absorver mais da leitura com calma.
Durante a leitura levei em conta que hoje em dia leio com uma visão do século XXI, compreendendo as limitações que a autora e o próprio pensamento feminista da época tinham, mas que para o início do século XX eram revolucionários. Voltando para a questão inicial da minha resenha, como seria então um mundo apenas de mulheres? Parece tão óbvio, mas para muitos não é, dizer que a resposta dessa pergunta mudaria no espaço e no tempo. A Terra das Mulheres é uma sociedade assexuada e focada estritamente na maternidade, que para mim são aspectos conflitantes e que me causem um certo estranhamento. Não temos como deixar de pensar que toda a liberdade sexual das mulheres e o prazer foram restringidos pelo fato de não se ter homens; não é levantando, por exemplo, a questão de que as mulheres poderiam relacionar-se entre si, ou a questão da transexualidade. Outro exemplo, é que nos dias de hoje será que a maternidade seria algo central para todas as mulheres?
Claro que para a época que o livro foi escrito, ele é totalmente a frente do seu tempo e ousado; reflexivo não somente na posição da mulher e do machismo da época (e que continua até hoje), mas também ao propor discussões sobre as classes sociais, a religião, o capitalismo, as tradições sociais, e em como o próprio patriarcado se utiliza dessas estruturas para a sua manutenção e sustentação. Questões que mesmo abordadas nos dias de hoje, ainda prevalecem e são atuais. Os próprios homens do livro, tão arrogantes, prepotentes e certos de sua posição de dominância, não são tão diferentes dos homens do século XXI. Então, ao mesmo tempo que o livro se estagna um pouco no tempo na maneira em que a sociedade das mulheres se estrutura e seus princípios, o debate e a formação do conhecimento continuam. As limitações da narrativa não são pontos fracos, mas sim elementos que nos levam a conhecer como e de que forma as mulheres pensavam e escreviam antes de nós. Terra das Mulheres me fez pensar e refletir muito, e nesse ponto considero uma leitura de extrema importância e relevância, que nos ajuda a olhar para trás e saber de onde viemos, quais os problemas e dilemas que as mulheres da época enfrentavam (e que ainda persistem), e o quanto a partir dessas reflexões iniciais, evoluímos em pensamento hoje.
Entretanto, conforme a história chega para o final, algumas escolhas de desenvolvimento do enredo, para mim não funcionaram. Achei que todo o diálogo entre as partes foi fácil demais, e que as subsequentes aproximações foram forçadas. Não parecia se encaixar no que o livro estava se propondo no desenrolar da história. O final decepcionou um pouco. Confesso que esperava maiores obstáculos por parte das mulheres a inserção dos homens no país e nas relações sociais; acho que faltou algum tipo de hesitação, questionamento. Quando acabou, senti que o livro poderia ter se entendido um pouco mais, senti que acabou abruptamente, sem maiores explicações ou detalhes.
Apesar desses pontos, Terra das Mulheres é uma leitura muito interessante, reflexiva e instigante. Com certeza é uma leitura que vale muitíssimo a pena conhecer; ainda mais para fãs de distopia como eu. Gostei tanto da escrita da Charlotte Perkins Gilman, que já adquiri o livro "O Papel de Parede Amarelo e Outros Contos", um dos mais famosos dela, que também me foi recomendadíssimo. Assim que fizer a leitura, conto para vocês o que achei.
site: http://laizafsiqueira.blogspot.com/2020/12/livro-terra-das-mulheres-charlotte.html