Mar de Histórias: Antologia do Conto Mundial Volume 10

Mar de Histórias: Antologia do Conto Mundial Volume 10 Paulo Rónai
Aurélio Buarque de Holanda




Resenhas - Após-Guerra


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Henrique Fendrich 17/01/2019

Contos de uma época desoladora
O que me chama mais a atenção na última coletânea dessa bela coleção é a quantidade de contos que terminam de forma absolutamente desoladora, deixando no leitor uma terrível sensação de impotência diante das angústias da vida.

É o caso de “A vida de tia Parker”, da Katherine Mansfield, que não acha um único lugar no mundo onde possa chorar a seu gosto, “Aurélola cinzenta”, de Deszö Kosztolányi, com uma professora que só queria repousar entre uma folhagem escura para descansar da sua vida, “Mau-olhado”, de Stefan Zeromski, em que um cego grita de dor pela perda de uma criança (e “ninguém veio solícito em seu auxílio”) e “Os hóspedes de São João”, de Frans Eemil Sillanpäa (“Sua angústia é ao mesmo tempo material e espiritual, a prova está acima de suas forças. Ela chora”).

Mas podemos incluir ainda outros contos em que o desfecho, se bem que não tenha tido uma nota tão desoladora como estes, é, também, bastante triste ou melancólico, resultado de tragédias individuais. “Nicolauzinho Mentira”, de Ion Alexandru Bratescu-Voinest, termina de forma ácida e irônica, mas o que é isso senão a dura lição por trás de uma história de isolamento total? Não podemos nos enganar também pela leve esperança do desfecho de “A galeguinha”, de Alfonso Hernández Catá, pois esta, sim, é o que se pode chamar de uma “esperança triste”, vivida por uma empregada doméstica de história trágica e irreparável que se volta ao sacrifício pessoal. E o que dizer de “A aldeia de meus ancestrais”, de Lu-Hsin, que contém, em seu final, a sentença de que “a esperança existe e não existe”, depois de uma trama em que o tempo e as posições sociais impedem totalmente a recuperação dos afetos da infância?

D. H. Lawrence, com “A passagem, por favor”, nos apresenta uma história de vingança feminina que, ao fim de tudo, deixa um gosto amargo. E há Kafka, basta dizer que há Kafka, com três contos (“Perante a justiça”, “Mensagem imperial” e “Um faquir”), todos de forte sensação de impotência diante do inevitável e do impossível na vida. Rómulo Gallegos, com “O crepúsculo do Diabo”, apresenta igualmente a inexorabilidade da passagem do tempo.

Como se vê, são muitos os contos desse volume que terminam com perspectivas sombrias para os seus personagens. Será que isso se explica pela época em que foram escritos? É bem possível, pois os textos abrangem o período imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, que certamente deixou impressões das mais vivas em todos os escritores – e, por certo, nem o término dela significaria maior otimismo.

Há, entretanto, outros bons contos que vibram em outro tom. “A força de Deus”, de Sherwood Anderson, tem até mesmo um desfecho “libertador” para o personagem, não obstante todo o drama narrativo. Max Jacob faz um delicioso e divertido exercício literário em “Conselhos de uma mãe a sua filha”. Louis Couperus participa com o estranhíssimo “O binóculo”, mas este, também, não termina nada bem. Divertido mesmo é “Jantar”, de Ring Lardner, mas, por trás do seu humor, se esconde a constatação da incompatibilidade e da eterna incompreensão entre os indivíduos.

Há ainda contos brasileiros: Lima Barreto, com o célebre “O homem que sabia javanês”, Monteiro Lobato com o singular “O comprador de fazendas” e João Ribeiro com o lendário “São Boemundo”.

Um dos momentos mais curiosos do livro vem com o conto de Alfredo Panzini, “O rato de biblioteca”, que até tem a sua diversão, mas também é perturbador. Ventura García Calderón aparece com dois contos tradicionais de desfechos cruéis. Aldous Huxley comparece com o estranho exercício de “Freiras ao almoço”. Carmen Lyra revive um antigo conto árabe em “O bobo das adivinhas”. A nobel Grazia Deledda, hoje praticamente esquecida, oferece “Um homem e uma mulher”, também de sabor amargo. Pedro Emílio Coll surge com o curtíssimo “O dente quebrado” e há mais um da Mansfield, “Feuille d’album”, que termina de forma engraçada, mas é, no fundo, o retrato de uma dor.

Por fim, o livro termina com três contos de dois tchecos, Josef e Karel Čapek (“A ilha”, A demonstração do Prof. Rouss e “O imperador Dioclesiano”). Gostei especialmente do último, em que o dito imperador conversa com sua irmã sobre a impossibilidade de um estado cristão. Esses tchecos são nomes a serem mais conhecidos, conseguiram bons resultados nesses contos.

Enfim, de maneira geral, os contos são muito bons, reforçando-se que a sensação de desolação ou de desespero é constante.
Henrique Fendrich 19/01/2019minha estante
Neste link há uma resenha completa de todos os volumes da coleção: https://leiturasdoano.wordpress.com/2019/01/18/mar-de-historias-antologia-do-conto-mundial-resenha/




Biblioteca Álvaro Guerra 15/01/2019

Este é o décimo e último volume de 'Mar de Histórias', antologia mundial do conto das mais ambiciosas já tentadas no Brasil e no estrangeiro, empreendida há mais de quarenta anos por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai, lexicógrafos, tradutores e ensaístas sobejamente conhecidos, que, à margem de outras atividades extensas e variadas, lograram levar a cabo, em colaboração fraternal, esta empresa imponente. A obra completa, encerrada em dez volumes independentes, contém nada menos de 242 contos escolhidos entre os melhores de 195 autores pertencentes a 41 literaturas, muitos dos quais nunca antes publicados no Brasil. Quanto a este volume, ele contém trabalhos publicados de 1919 a 1925 e escritos na Áustria, Brasil, China, Costa Rica, Cuba, Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Hungria, Inglaterra, Itália, Nova Zelândia, Peru, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia e Venezuela.

Livro disponível para empréstimo nas Bibliotecas Municipais de São Paulo. De graça!

site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/8520910297
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jota 19/09/2019

Histórias desoladoras (na maioria)...
Como não há necessidade de ler os volumes em sequência, alum tempo depois de ler o volume 06 parti para a leitura do volume 10. Tentei ler histórias mais recentes, mas como a coleção é dos anos 1940, o após-guerra do subtítulo não se refere exatamente a histórias do período em seguida à Primeira Guerra Mundial, mas aos autores que as escreveram então ou àqueles contos que foram publicados nas duas primeiras décadas do século XX. Mais exatamente entre 1919 e 1925.

Paulo Rónai e Aurélio Buarque de Holanda, os organizadores, não pretendiam trazer para a coleção os melhores contos de todos os tempos, mas exibir um panorama mundial do gênero, desde a Antiguidade. Assim é que alguns deles me pareceram de pouca qualidade literária ou desinteressantes, mas acabei indo até o final da leitura porque não gosto de abandonar histórias pelo meio etc. Mas, como na leitura do volume 6, me deu vontade de fazer isso...

Neste volume, como aconteceu com aquele (e suponho que nos demais), as histórias não têm um tema comum – isso também não era uma preocupação dos organizadores -, são passadas em diferentes épocas, poucas são alegres, de um modo geral seus personagens acabam mal. Daí que concordo com o leitor Fendrich quando ele escreve que a maioria termina “(...) de maneira absolutamente desoladora, deixando uma sensação de impotência no leitor diante das angústias da vida. Mesmo alguns que não terminam com uma nota desoladora tão alta são, ainda, narrativas de grandes dramas individuais.” Enfim, é muita tristeza, desgraça e desesperança para um volume só. Nem as crianças escapam...

Não, pensando melhor tem uma história diferente, uma das melhores do volume e ela é brasileira, do querido (de nossa infância) Monteiro Lobato, O Comprador de Fazendas. Conto que apesar de grande parte do tempo apresentar uma linguagem rebuscada e empolada (é necessário consultar o dicionário em alguns trechos), é interessante e engraçado e finaliza com uma confusão bem armada pelo autor. Mas voltando aos “pecados” do volume, de Lima Barreto, outro notável brasileiro, novamente temos o conto que o consagrou no gênero, O Homem que Sabia Javanês, que apesar de ótimo é muitíssimo reprisado em coletâneas de contos nacionais.

O mesmo ocorre com outro autor importante, o tcheco que escrevia em alemão, Franz Kafka, com três histórias também muito repetidas em coletâneas, algumas que já li mais de três vezes, caso de Perante a Justiça, também publicado como Diante da Lei em outras edições. Mas o livro traz também outros autores conhecidos, como Sherwood Anderson, D. H. Lawrence, Aldous Huxley e Katherine Mansfield, com histórias interessantes, algumas das melhores do volume. Ou curiosas como as dos criativos irmãos Capek, os tchecos Karel e Josef.

Aproveitei para lê-las e às demais porque são curtas, enquanto leio o interminável (que nunca foi finalizado mesmo) Bouvard e Pécuchet, de Flaubert, que tem cerca de 400 páginas em letras bem pequenas na edição da Estação Liberdade. Estes foram apenas alguns comentários sobre o volume 10 de Mar de Histórias – Antologia do Conto Mundial: se quiser ler uma resenha apropriada sugiro a do leitor já citado, Fendrich, que foi mais fundo no volume e soube apreciar melhor do que eu seu conteúdo.

Lido entre 06 e 18/09/2019.
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