DIRCE 04/03/2014
Herança Maldita
Com um título deste:“Middlesex” esse livro nunca me acharia, porém, felizmente,a resenha da Nancy fez com que eu o achasse. Trata-se de um livro bem volumoso–567 páginas, mas graças ao enredo, a narrativa (quando admissível carregada de humor e a minha paixão (já confessada em comentários anteriores) pela Mitologia Greco-Romana, conclui a leitura rapidamente.
Minha paixão pela Mitologia Greco-Romana deve-se ao fato de imprimirem às fraquezas humanas explicações carregadas de beleza. A explicação para o mito de Hermafrodito é de que ele é fruto de um relacionamento adúltero da deusa Afrodite com o deus Hermes. Envergonhada da sua conduta, Afrodite deixou Hermafrodito aos cuidados das ninfas. Hermafrodito,até os 15 anos, vivia tranquilo na região da Frígia(hoje faz parte da Turquia)porém, como todo adolescente,começou a ansiar por novos horizontes. Durante suas andanças Hermafrodito se deparou com Salmacis ( ninfa das águas) que por ele se apaixonou perdidamente e tentou seduzi-lo, porém o jovem e belo deus ignorou a ninfa. Restou a Salmacis a astucia: ela esperou o momento oportuno e, quando Hermafrodito acreditando estar só entrou nas águas para se banhar, a ninfa se enlaçou no jovem e o beijou. Transtornada pelo amor e desejo ao ver que Hermafrodito tentava dela se desvencilhar invocou aos deuses para nunca mais separá-los. Desejo atendido. Os corpos de Salmacis e Hermafrodito se misturam assumindo uma forma dupla: homem e mulher. Aflito Hermafrodito amaldiçoou o lago condenando a todos que se banhasse nesse lago sofreria a mesma transmutação que ele.
Cal,o jovem narrador e um dos protagonista do livro, pode até não ter se banhado no lago amaldiçoado, mas certamente recebeu a herança maldita dos seus antepassados que provavelmente banharam-se no lago e consequentemente sofreram uma mutação genética, já que é sabido que os deuses não perdoam.
Bem, Cal inicia a narrativa dizendo que teve dois nascimentos: em Detroit, em janeiro de 1960, e depois, quando adolescente- em agosto de 1974 em um ambulatório de emergência. Ao relatar essa lacuna do tempo, Cal se vê obrigado a retroceder para o final do verão de 1922, e para o alto das encostas do Monte Olimpo, na Ásia Menor, onde tudo começa. Começa a Odisseia dos seus avós Desdemona Stephanides e Lefty e ,por meio da narrativa, ficamos conhecendo os seus pecados, as agruras a que foram submetidos em decorrência do conflito entre a Grécia e a Turquia que os levaram a imigrarem para Detroit. O retrato de uma época emerge no romance: A Lei Seca no U.S.A, o preconceito racial, a aculturação. Enfim.
Apesar de todos os dissabores a narrativa é cativante e muitas vezes hilária graças as personagens carismáticas como Lina e Desdemona e a própria Callis.
Entretanto, a medida que Callis vai crescendo a narrativa vai assumindo ares dramáticos e quando Callis está prestes a completar 14 anos, torna-se impossível não sofrer por Cal e com Cal.
Nos meus comentários, tenho a preocupação de não me estender muito, porém preciso me manifestar acerca do título da obra: “Middlesex”. Fiquei muito intrigada. Não entendia o porquê desse título o que me motivou fazer uma breve pesquisa. Fiquei sabendo que há uma universidade em Londres chamada Middlesex (???). Nada que justificasse o título, até que finalmente, lá pelas tantas, surge a Avenida Middlesex onde Milton acaba adquirindo uma casa nada convencional. Acredito que talvez a simbologia da casa seja o rompimento com o convencional, com as tradições, rompimentos que levam a total aculturação, mas mesmo diante dessa hipótese continuo incerta sobre a pertinência do título.
Outro fato que não me agradou foi o destino dado ao Milton – saiu do roteiro. Não percebi a necessidade de um desvio para um gênero a la policial, mas como saber as intenções do Jeffrey Eugenides.
Confesso que fiquei em dúvida quanto a minha avaliação: 4 ou 5 estrelas? Aí me veio à lembrança o finalzinho do livro: o lampejo de lucidez da yia yia, a sua triunfal aparição, a sua aceitação de Calliope como Cal dissiparam qualquer dúvida reinante. Fui nocauteada por essa passagem linda e enternecedora.
Finalmente, considerando que algum futuro leitor desse livro possa ler esse meu comentário, sinto-me impelida a esclarecer que mesmo havendo referência a Mitologia, Jeffrey Eugenides se baseou em explicações cientificas para abordar o hermafroditismo.
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