Henrique Fendrich 21/09/2015
Martha Medeiros e óbvio necessário
Martha Medeiros não nega: escreve sobre coisas óbvias. Ela nem ao menos se considera uma escritora, escritora mesmo, mas apenas alguém que vive de escrever e que, embora bem intencionada, não passa de uma penetra entre os figurões da literatura. Mas ela também tem consciência de que as obviedades andam cada vez mais necessárias, soterradas que estão sob camadas e mais camadas de autoboicotes. É por isso que, com sua tendência a simplificar, ela escreve crônicas, há mais de 20 anos, e a cada dois lança uma coletânea, de título simples, e que atualmente já chega às livrarias com tiragem de 50 mil exemplares. Em “Simples assim” (L&PM), ela continua falando de coisas com péssimo ibope junto à elite intelectual do país.
A felicidade, por exemplo. Não que Martha saiba exatamente o caminho para se chegar até ela. Mas é que, assim como o ídolo Woody Allen faz com seus filmes, Martha Medeiros leva para as crônicas as conclusões que vem colhendo no transcorrer da vida. E, embora ela não se considere apta a dar conselhos, é dessa maneira que as suas crônicas são interpretadas, ainda mais porque “é comum considerar o escritor uma espécie de guru”, imune a problemas.
O leitor das crônicas no jornal, e mais ainda de alguém da fama de Martha Medeiros, tem uma relação intensa com o autor, pois aquilo que escreve o remete a episódios de sua própria vida, e não raro ele se sente tentado a compartilhá-los por e-mail com o escritor. No caso de Martha esse retorno gera, com frequência, novas crônicas, e há mesmo um caso em que ela acata um tema sugerido por um leitor sob a alegação de que está ali apenas “cumprindo ordens”.
É claro que nem sempre o leitor irá concordar com a cronista, e de vez em quando ela se mete em polêmicas, como no dia em que fez críticas à praia de Torres. Isso porque, inevitavelmente, toda crônica é também uma tomada de posição do autor. Nelas, Martha Medeiros defende as suas ideias e a sua filosofia de vida, que talvez não sejam mesmo originais, mas é preciso que alguém nos leve a pensar sobre elas para decidir se iremos acatá-las – mesmo as obviedades.
A crônica de Martha insinua caminhos a seguir diante de situações típicas da vida e que afetam a todos nós, embora não costumemos dar a elas a atenção que merecem. A partir da sua visão de mundo são oferecidos elementos e a oportunidade de pensarmos a respeito delas. Assim podemos construir nós mesmos uma linha de raciocínio e chegar a alguma conclusão. Se nós apenas ouvíssemos o resultado óbvio, ficaríamos impassíveis e absolutamente nada mudaria.
Não deixa de ser também um modo de fazer análise, essa que a cronista também faz, mesmo sabendo que há mistérios que nunca serão decifrados e que sempre se sabe muito pouco. Mas lidar melhor com temas básicos, como a felicidade ou o amor, também permite que a vida se torne muito mais agradável, e é nessa perspectiva que se concentra o otimismo de Martha – mesmo quando acompanha o noticiário, mesmo quando se arrisca a comentar a vida política.
Depois de tanto tempo escrevendo, é normal que a cronista também ache que já escreveu de tudo. Mas sempre há um livro, um filme, algum produto cultural que merece não apenas uma resenha, mas também uma aplicação prática e cotidiana na vida de cada um de nós. E quando mesmo isso for excessivo, há sempre a possibilidade de não pensar demais – simples assim.
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