Lorena 01/02/2017
Hóspede Secreto
Um livro recheado de contos nostálgicos onde, uma hora estamos na contemporaneidade dos personagens e, na outra, estamos na infância desses através das lembranças tão reais e palpáveis. Os diálogos não marcados em todos os contos, entre o passado e o presente e também entre os próprios personagens, nunca sozinhos, deixam a leitura com uma fluidez macia e natural. O realismo fantástico impera na descrição dos cheiros, sabores e cores do lugar físico-memorial retratado, nos colocando também em muitos lugares ,entre eles as nossas próprias memórias do tempos de criança. "Vocês não são sem-terra por não possuírem um pedaço de chão, mas simplesmente por terem perdido o lugar em que passaram a infância. E se é assim, todos nós somos sem-terra. Vivemos sempre tentando voltar a um local desaparecido." é o que Sanches nos diz do começo ao fim.
Contudo, se tudo é como é e não há simbolismos, como já nos avisa Luiz Ruffato na orelha do livro, fico então com a minha indignação e repudio em relação ao conto "Caça às lagartas", onde numa infeliz oportunidade o autor lança em uma menina de 12 a curiosidade sexual e o trocadilho "lagartas" não é em vão. De um mau gosto machista e boçal o personagem desse conto começa a se tocar sexualmente ao entrar em contato com a gaveta íntima da garota e chega a afirmar que a mesma "se vestia como mulher, andava como mulher e me olhava como mulher. Como queriam que eu a visse como menina?" ainda que durante todo o conto tudo o que se fala sobre a tal menina é que ela usa "calção, blusinha de malha," e também "já usa sutiã". Não bastasse a tara sexual, o personagem é "chamado" pela menina até o quarto, onde ela ao final de algumas frases , o masturba e deixa que ele beije o seu sexo. Ainda que na literatura, a menina tem 12 anos e é sexualizada como mulher adulta! Quando o autor escreve que o personagem ouve a voz da menina chamando-o baixinho, sussurrando até, para que ele vá ao quarto dela supostamente para "matar as lagartas" ele transfere para a menina, para o sexo feminino, para a mulher, a responsabilidade do que viria a ser um estupro de vulnerável. (Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.)