Herdando uma biblioteca

Herdando uma biblioteca Miguel Sanches Neto




Resenhas - Herdando Uma Biblioteca


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Ladyce 02/01/2021

Não deixo passar um livro sobre livros. Se chega ao meu radar, leio. Passei todas as fases de minha vida ligada aos livros e às bibliotecas. Não sei como "Herdando uma biblioteca" chegou ao meu conhecimento. Tenho a impressão que foi sugestão de um site de livraria que examina suas compras anteriores, e sugere algo que o sistema de computação recomenda. Comprei o livro de Miguel Sanches Neto há tempos e um dia, a pilha de livros “para ler este ano” chegou nele.

Este é um volume composto por crônicas, ou pequenos ensaios sobre livros e bibliotecas, todos tratados de maneira pessoal pelo autor, revelando um intelectual de sucesso. Mas me senti na obrigação de procurar mais informações sobre Miguel Sanches Neto, porque são muitas as crônicas em que os sentimentos do autor sobre sua infância sem livros formam os parâmetros de suas observações.

O paranaense Sanches Neto, que é escritor, cronista, professor universitário e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa, nasceu no norte do estado em 1965, no município de Bela Vista do Paraíso. Sua família se mudou para Peabiru, município mais a oeste, ambos hoje com um pouco mais de treze mil habitantes, cada. Municípios pequenos, dependentes da agricultura. A família era pobre. No dia a dia da sobrevivência não via mérito em livros ou talvez seus membros desconhecessem o valor econômico que o conhecimento adquirido na leitura pudesse trazer. Mesmo assim Sanches Neto superou a falta de livros em sua infância e adolescência, revoltou-se contra as expectativas familiares, e tornou-se um homem de letras, um intelectual. Isso é coisa de ficção, das mais sedutoras.

Tudo que Sanches Neto passou é história que muitos cineastas americanos já exploraram e continuarão a explorar: o herói que sai de circunstâncias contrárias ao desenvolvimento de seus sonhos, supera barreiras sociais e econômicas, chegando ao sucesso. Diferente do Brasil, a autossuficiência, o subir na vida, vindo do nada, ou de quase nada é um dos axiomas da cultura americana. Característica que se respeita. A expressão “Pull yourself up by your bootstraps.” [suspendeu-se pelas próprias tiras das botas] é corriqueira para distinguir a pessoa que subiu na vida pelo próprio esforço. E com isso, ganha respeito.

Surpreendi-me, portanto, de ver na prosa do autor, muito ressentimento. Ressentimento por não ter nascido numa família que apreciasse as letras, mágoa pelo tempo perdido nos bancos da escola agrícola. Melindre pela origem pobre, sem recursos.

“Das muitas orfandades que sofri, uma das mais fortes foi não ter herdado uma biblioteca familiar.”[37] Seu desgosto faz com que considere uma pena não ter herdado uma biblioteca, mas não se pode herdar aquilo que não existe, aquilo que é impossível de ser repassado. Mais tarde na página seguinte: “Não venho de uma biblioteca paterna, e sim de sua ausência. Tive que buscar a figura do pai em amigos e autores e fiz das afinidades culturais o caminho para esta família, dispersa no tempo e no espaço, que a literatura me deu.[38]

Infelizmente esse ressentimento coloriu um bom número dos capítulos dessa coletânea. Sua insistência sobre a ausência de incentivo à leitura na infância e adolescência me mostrou um homem que ainda não conseguiu vir a termos com sua própria história. Não conheço os detalhes da vida de Sanches Neto, de sua infância. Mas, hoje, aos cinquenta e cinco anos, me parece que se os livros lhe ensinaram muito, ainda não o levaram a ser grato por ter tido a oportunidade de estudar, mesmo que nem sempre estudasse o que queria; a chance de escolher seu destino; o benefício de ter colhido frutos por seu próprio esforço. Ele é um vencedor. Um guerreiro. Sofrer por não ter recebido o que pessoas à sua volta não podiam dar, é pequeno demais para tamanho sucesso. Se seus pais, padrasto, família não puderam lhe incentivar a leitura, porque eles mesmos não viam valor nos livros, não há razão de cultivar ressentimento por aquilo que lhes era ausente. Este passo de aceitação da vida pregressa está ausente da narrativa e a mágoa pelo que não foi, a decepção pelo que não teve, o azedume, coloriram grande parte de Herdando uma biblioteca. Esse descontentamento nas crônicas, me incomodou. Perturbou-me a falta de aceitação de seu destino. Sanches Neto passa a ideia de ser vitimizado por sua infância, pela falta de livros; quando de fato, foi ela mesma que modelou sua perseverança tornando-o no professor universitário de sucesso que é.
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andré 28/07/2013

"Enquanto não passar pelos olhos do leitor, que o incorporará, na maioria das vezes inconscientemente, ao seu universo de referências, o livro não chega a ser propriamente livro. É apenas papel impresso. Um objeto que só ocupa espaço no mundo físico, uma ferramenta desprovida de sua principal função, a de interferir na constituição do humano."
(SANCHES NETO, 2004: 80)

Leia a resenha no meu blog:

site: http://ocorreiodasletras.blogspot.com.br/2013/07/a-arte-de-possuir-bibliotecas.html
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