Felipe 01/06/2010
Parece que Martha escreva para mim
Quando a autora é Martha Medeiros de antemão já sei que vou gostar. Ela sabe como poucos sensibilizar o leitor. Quando leio Martha tenho a impressão que ela me conhece melhor que eu próprio, me mostra sentimentos que nem eu mesmo sabia que tinha, me expõe de maneira inapelável e mostra para todos minhas fraquezas e angústias. Se eu fosse menos egoísta, poderia perceber que ela não escreve para mim, que compartilho meus sentimentos, minhas angústias e frustrações com quase todos. Martha me mostra como todos nós somos parecidos. Não sei se gosto disto, mas ao ler Martha fico reconfortado que grande parte das pessoas tem as mesmas incertezas que eu.
Esta obra não é um romance como o excelente “Divã”, oficialmente é um livro de cartas. Porém, eu como leitor me senti lendo um livro de contos, todos independentes e com personagens próprios. Cada carta traz um personagem com sua história que vai sendo revelada aos poucos e que nos deixa cada vez mais curiosos. Alguns contos têm mistérios e desfechos dignos de Poe, como a carta que inicia na página 155 escrita por um padre a ser entregue quando ele já estivesse morto ao delegado para que revelasse o assassino que confessou seu crime durante a confissão.
As cartas que eu mais gostei são aquelas que tratam das confissões de sentimentos que só se faz no analista (ou em cartas?). Parece que muitas das cartas poderiam ser escritas por mim, e muitas frases eu gostaria de ter escrito. Parece ter um pouco de mim em cada personagem: o adolescente rebelde que não queria seguir os padrões do status quo, o morador que tem medo dos últimos andares para não ter uma janela alta a sua disposição todos os dias, o fã, a pessoa com sentimento de culpa eterno, a pessoa que envelhece inevitavelmente e que teme a morte e mesmo assim se sente um suicida em potencial, a pessoa que teme críticas, a relação conturbada com a mãe e o medo de ficar sem ela e até com o esquizofrênico eu me identifico (que medo isto!).
O que eu mais gosto em Martha são as frases. Algumas que eu gostaria de ter escrito e outras que parecem ter sido escritas para mim: na página 53 “Do que adiante descobrir tarde demais nosso afeto pelas nossas imperfeições?”, na página 82 “Estou com medo. O medo que nos acompanha sempre, mas que se torna mais tangível com o passar dos anos. Medo de abandonar a vida sem ter deixado nada pra trás”, na página 99 “amigo é isto, aquele que a presença conforta sem precisar de muito gesto ou dramatização”, na página 134 “Quem é que, possuindo mais de dois neurônios, não se aflige com suas escolhas, não se pergunta duzentas vezes se é realmente feliz, não tem vontade de entregar os pontos por puro cansaço?”, na página 142 “Eu sei que isso é possível e até bem comum: ser aberta para o mundo e fechada em relação ao próprio epicentro, mas não eu.”, página 168 “Eu não compreendo todos os textos que leio, não entendo esses intelectuais, cronistas, ensaístas, muita enrolação pra pouca comunicação. Acho peça de teatro quase sempre uma idiotice total, uma pretensão, uma imitação barata da vida, esta sim, o grande palco de todos, e dança também me não me encanta nada, eu gosto de música, música sim, é a única arte que presta”.
O único senão do livro de Martha é que as cartas são curtas, sendo assim não existe possibilidade de desenvolver mais os personagens e a narrativa. As histórias de cada personagem são muito diretas, a grande expectativa gerada logo é satisfeita, poderia nos deixar um pouco mais tensos e envolvidos com cada personagem se a narrativa se desenvolve um pouco mais.