O faz-tudo

O faz-tudo Bernard Malamud




Resenhas - O Faz-Tudo


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jota 29/11/2011

Joga pedra no judeu...
Este livro deu a Bernard Malamud (1914-1986) o Pulitzer Prize de 1966 e o National Book Award de 1967. Em 1968 virou o filme de sucesso The Fixer ou O Homem de Kiev (com Alan Bates no papel do judeu russo Yakov Bok).

Há uma interessante Apresentação da tradutora Maria Alice Máximo que nos informa que o livro se baseia num caso real ocorrido em 1911, ainda na Rússia czarista (a Revolução somente vai ocorrer em 1917). O posfácio fica por conta do escritor Moacyr Scliar, que analisa o papel de Malamud dentro da literatura judaico-americana.

O fato que serviu de base para O Faz-Tudo: um menino cristão é encontrado morto nos arredores de Kiev (capital da Ucrânia), mutilado e completamente exangue. O crime é atribuído a um trabalhador judeu empregado numa olaria próxima à cena do crime. Mendel Beilis (no livro Yakov Bok), o oleiro, é imediatamente considerado culpado, preso e torturado diversas vezes.

Organizações antissemitas transformam-no em bode expiatório: seus membros acreditavam que os judeus usavam o sangue cristão pueril num ritual macabro para a preparação do pão ázimo (não fermentado) consumido na páscoa judaica. A primeira edição brasileira do livro se chamou justamente O Bode Expiatório (1967). É possível encontrar nesta obra ecos de O Processo, de Franz Kafka e O Estrangeiro, de Albert Camus.

Nos capítulos iniciais vamos encontrar o faz-tudo (the fixer: o consertador) Yakov entediado pela vida amesquinhada em sua aldeia e cerceado pelas leis da Torá. Ele resolve então mudar-se para Kiev. Com poucas ferramentas e na companhia de três ou quatro livros amarelados - dentre eles uma biografia do filósofo Spinoza, cujos pensamentos motivaram sua partida -, Yakov empreende a jornada que mudará por completo sua existência.

No exato dia de sua chegada à “maravilhosa cidade” de Kiev, Iakov salva a vida de um empedernido antissemita (Nicolai Maximovitch), integrante dos paramilitares das Centúrias Negras. Os judeus russos temiam demais essa organização, tão perigosa para eles como os pogroms, os massacres de judeus promovidos pelo Exército Vermelho. A situação da Rússia estava ruim? Estava. Então a culpa era dos judeus. Não apenas os militares e os paramilitares pensavam assim e os odiavam, mas especialmente a patuleia ignorante e supersticiosa. Os populares ridicularizavam os judeus, atiravam-lhes pedras nas ruas, destruíam suas barracas de comércio, etc. E desde cedo ensinavam os filhos a agir maldosamente contra eles.

De todo modo, sem saber da origem étnica do faz-tudo, Nicolai Maximovitch, que passa a maior parte do tempo bêbado, acaba empregando Yakov na olaria da família, como recompensa por seu salvamento. A convivência amistosa entre os dois, que se estendia a Zina, filha do velho homem, é acidentalmente interrompida pelo assassinato do menino Jenia Golov.

E Yakov passa a ser o bode expiatório da história. Sem chance de se defender, ele é acusado e preso. Todos ficam contra ele e se há alguém em quem Yakov pode depositar alguma esperança de justiça essa pessoa é o Magistrado de Investigações para Casos de Extraordinária Importância (olhaí a nomenklatura russa em ação), Boris A. Bibikov (no cinema, Dirk Bogarde). Mas o magistrado é pressionado por todos os lados para concluir logo pela culpabilidade de Yakov Bok.

Como isso não acontece, Yakov, mesmo sem ter sido formalmente acusado e julgado é mandado para a Penitenciária de Kiev (uma espécie de Carandiru daqueles tempos), para uma cela imunda, onde é submetido a castigos diversos, péssima alimentação e ausência de higiene. Apanha dos guardas, apanha dos companheiros de cela, é traído por um deles, judeu ainda por cima. Então vai parar na solitária, na companhia de ratos, baratas e outros insetos. Seu martírio somente cresce a partir daí, levando-o à beira da loucura.

Uma noite Yakov recebe a última visita do magistrado Bibikov, que lhe faz confidências, pois está certo de que o judeu não matou o menino. Ele suspeita que a morte de Jenia tenha sido uma armação da própria mãe do menino, uma prostituta protegida pela própria polícia, e seu ex-amante, em quem ela atirou ácido no rosto, desfigurando-o. Havia um seguro de vida a ser recebido se Jenia morresse.

Yakov ainda fica sabendo através de Bibikov que todas as autoridades russas parecem estar nspirando para que ele assuma logo o crime que não cometeu. Até mesmo o ministro da justiça em São Petersburgo, a quem Bibikov levou o caso para conhecimento, parece fazer parte desse complô antissemita. Mesmo assim pede a Yokov que confie nele e em Deus.

Mas Bibikov falou demais e será punido exemplarmente. E então, até que algo de novo aconteça, que a história ande para a frente, como o faz-tudo diz referindo-se ao processo em que o enredaram, passam-se invernos e verões. São mais de dois anos e meio dentro de uma solitária, sofrendo privações de todo tipo e castigos diversos.

Ele pensa, sonha, delira, arranca tufos de cabelo, rasga as roupas, corta a pele com as unhas, quase enlouquece. Quer morrer e ao mesmo tempo também quer permanecer vivo para vingar-se de todos que transformaram sua vida nesse inferno.

E onde estão aqueles que viriam ajudá-lo?
Onde está a justiça?
Onde está Deus agora que mais precisa dele?
Sobreviverá o inocente Yakov Bok à situação verdadeiramente kafkiana em que se encontra?

Livro magistral, que não se consegue para de ler.
E se não fosse tão bom não teria ganhado o prêmio Pulitzer, certo?
Recomendo este livro com entusiasmo.

(Lido entre 26 e 28.11.2011)
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IvaldoRocha 27/06/2022

Muito bom mesmo.
Estamos no fim do século XIX e início de XX, a Rússia vive uma situação de miséria extrema, o assassinato de Czar Alexandre II torna as coisas ainda piores e seu sucessor Czar Alexandre III encontra na comunidade judaica um bode expiatório para a situação.

Iakov, judeu abandonado pela esposa após 7 anos de um casamento sem filhos, o que por si só já seria uma vergonha, a vergonha é ainda maior por ela ter fugido com um não judeu.

Pobre, sem dinheiro, sem esperança de que algo de melhor possa lhe acontecer, Iakov sonha em ir para Kiev “a mãe de todas as cidades russas”, lá sua vida irá mudar, pois é lá que as coisas acontecem. Ciente da sua pouca instrução tenta aprender o que pode, através de velhos livros e panfletos que encontra em livrarias. Um desses livros é a biografia de Espinosa e Iakov acaba encantado com a sua filosofia, passando a se chamar de “um livre pensador”, se afastando da Tora que somente o sufoca.

Conhecido como um “Faz-tudo” capaz de consertar e construir quase tudo, embora quase nunca receba por isso, ele junta suas ferramentas, que é tudo o que possui e apesar das tentativas do sogro em tentar mantê-lo na aldeia ele parte para Kiev.

Apesar do assunto espinhoso e nada agradável, Malamud consegue transformar a leitura em algo possível. As coisas vão acontecendo e são narradas de uma maneira surpreendente, em alguns momentos surpreendem muito mesmo, é como um choque.

Romance baseado em um fato ocorrido em 1911 nos arredores de Kiev, recebeu o prêmio Pulitzer e National Book Award em 1967, foi o segundo National Book Award de Malamud.
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Mido 16/07/2011

O "crime" de ser judeu
História de um judeu que após desilusão amorosa, distancia-se de sua aldeia natal e parte para a cidade grande para reconstruir sua vida. Mas vê-se em meio a um ambiente hostil em que tem de esconder suas origens para ser aceito pela sociedade local. Um crime e "atitudes suspeitas" do rapaz acabam por transformá-lo no principal suspeito. Apesar de inocente, é "desmascarado", preso e sofre as piores humilhações na prisão. Para quem acha que já contei toda a história, fiquem tranquilos. Tem muito mais do que contei até aqui. O livro, baseado em uma história que realmente ocorreu na Rússia czarista no começo do século XX, é um belo manifesto contra o anti-semitismo, que não foi invenção dos nazistas(embora estes o potencializassem e divulgassem). Violências gratuitas como as chacinas, ou os pogroms, como eram conhecidos, foram corriqueiras e motivaram a fuga de muitos judeus russos para os EUA e, depois, para Israel.
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Joana 19/10/2016

Livro maravilhoso mas deixa a gente com raiva de tanta injustiça cometida contra o personagem principal, Yakov Bok, ainda mais sabendo-se que essa história é baseada num acontecimento verídico.
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Luiz Pereira Júnior 13/06/2022

Quando um grande autor transforma o monstruoso pesadelo da realidade em ficção...
O que define um grande livro? O tema? O número de páginas? A rapidez da leitura? A capacidade de mudar algo? O ato de nos fazer esquecer do tempo e do espaço em que estamos? A capacidade de nos fazer identificar com o que lemos e com os seres humanos que, embora fictícios, parecem mais reais do que muita gente que está ao nosso redor?

Como podemos dizer o que torna um livro uma obra-prima?

Talvez todas essas respostas possam ser encontradas em “O faz-tudo”, de Bernard Malamud.

Ao contar a monstruosa história baseada em um fato real de um judeu vítima de uma inenarrável injustiça, de seu encarceramento, de suas torturas físicas e psicológicas por anos a fio, de sua solidão e abandono, Malamud toma para si o tema de muitas das grandes obras-primas da literatura universal.

Mas o autor não precisou escreveu novecentas páginas para dizer o que todos podem sentir. Então, temos mais uma vez a prova de que não é preciso escrever “Em busca do tempo perdido” ou “Guerra e Paz” para termos uma obra-prima.

O autor também não precisou utilizar uma linguagem hermética, daquelas que apenas se presta aos debates acadêmico-intelectualoides no melhor estilo “o que o autor quis dizer”. Malamud fez de sua escrita um rio profundo, cuja corrente arrasta o leitor página após página com a voracidade de conhecer o final da jornada.

E acredito que as minhas três perguntas finais do primeiro parágrafo são o que verdadeiramente definem uma obra-prima: mudança, evasão e sinfronismo.

Malamud, em sua obra profunda e monstruosamente humana, pode fazer mudar o que pensamos (mas não se engane: os personagens do livro são seres humanos e seres humanos não mudam uma vida inteira de pensamentos apenas com a leitura de um livro).

Malamud pode fazer com que viajemos para outro século e outro país, fazendo-nos esquecer por algumas horas, por alguns dias de que estamos no século XXI em um país chamado Brasil.

Malamud faz com que nos identifiquemos com os personagens, até mesmo os mais sombrios. Mesmo que não sejamos capazes de torturar alguém, de fazer alguém passar fome, de humilhar aqueles que não têm a mesma sorte (ou o nome que você queira dar) que nós temos, será que não agiríamos (ou, pior, estamos agindo) como esses mesmos personagens abomináveis (pelo menos, em algum momento de nossas vidas)?

E a pergunta de sempre: vale a pena a leitura?

E a resposta: “Você nem imagina o quanto...”.
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