jota 24/11/2011Uma trégua na vida Este livro foi publicado pela primeira vez em 1960 e a ação se passa por volta de 1957. É uma dessas obras curtas e interessantes, em que o autor não se mostra nada econômico nas observações – muitas vezes irônicas – que os personagens fazem a respeito da vida, dos outros e de si próprios. Lá pelas tantas, p. e., diz-se de uma pessoa desagradável que ela “tem uma mão tão pegajosa, como se acabasse de abrir um pote de geleia.”
É Martin Santomé, o personagem principal, a registrar impressões como essa e muitas outras, em doses sempre generosas, que tornam a leitura de A Trégua leve e prazerosa. Lê-se tudo em dois ou três dias: são cerca de apenas 179 páginas de texto.
Martin é um viúvo de quase 50 anos, com três filhos adultos (Esteban, Blanca e Jaime), e à espera da sonhada aposentadoria. "Para fazer o quê depois?", ele se pergunta ao anotar quase que diariamente suas observações no diário que mantém – o livro todo é construído na forma de um diário (se bem que depois, próximo do final, ficamos sabendo que é mesmo uma caderneta).
A vida de Martin se resume a algumas atividades rotineiras, quase sempre de casa para o trabalho e vice-versa; seu trabalho é maçante, as conversas com Esteban e Jaime são quase sempre cheias de tensão, seu futuro como aposentado, nada brilhante. O domingo, quando não há quase nada para fazer ("almoçar, jantar, dormir"), passa quase sempre sozinho e é o seu dia mais terrível da semana. Enfim, leva uma vida taciturna e opaca que, se não encarasse com ironia e algum senso de humor, fosse outra pessoa, já teria cometido suicídio.
A tal trégua do título vem com a paixão que Martin passa a sentir por Laura, uma mulher bem mais jovem que ele, recém-contratada pelo escritório e que passa a trabalhar sob suas ordens. Com a entrada da moça em cena, parece então que a vida dele sofre uma pequena transformação para melhor ou que ocorre uma pausa naquele tédio reinante, ainda que exteriormente nada tenha mudado tanto. Muitas coisas continuam como antes e outras até pioram, como o relacionamento com o caçula Jaime. Justamente o filho que ele pensava amar mais que os outros, que lhe lembrava mais Isabel, a mulher morta.
Mesmo assim Martin passa a ver as coisas com novos olhos, gostar até mesmo de ver o sol brilhar por entre os galhos e as folhas de uma árvore frondosa - o que antes lhe passaria completamente despercebido enquanto caminhava para o trabalho. E aqui cabe também a frase que a editora cunhou para o livro, presente na contracapa: “Um grande amor pode ser uma trégua na vida.” Um tempo para viver de outro modo, de ver as coisas com outros olhos.
Imbuído desse novo sentido e sentimento, aos poucos Martin vai montando seus estratagemas para cada vez mais ganhar a confiança de Laura (especialmente depois que ela rompe com o namorado, mas não por conta de Martin, claro), enredá-la na teia de seu grande amor.
Ela aceita sua corte, eles começam a se encontrar para um café na padaria próxima do escritório, a sair juntos à noite, ir ao cinema, passear, conversar, como fazem os enamorados. Martin chega mesmo a alugar um pequeno apartamento para seus encontros amorosos com Laura.
Mas dará certo esse romance, como as pessoas de suas relações passarão a vê-los então, a vida entediante e desinteressante de Martin está realmente caminhando para o fim?
Ele vai ser feliz novamente, como foi com Isabel, sua primeira amada, com quem viveu apenas cinco anos de felicidade absoluta?
Há que ler até o final para saber.
Sem esquecer, sobretudo, que a palavra trégua tem mais de um significado, não apenas esse que foi empregado aqui.
(Lido entre 22 e 24/11/2011)