Thais645 12/11/2021
Terminei a leitura dessa livro há algumas semanas e a história nele contida ainda reverbera sobre meu estado de espírito.
Não acontecia isso desde "O Lobo da Estepe", de Hermann Hesse, devo dizer. De um diário de um homem de meia-idade, com suas observações e análises sobre o mundo que o cerca, mexer tanto comigo e de modo tão significativo.
Viúvo e às raias de se aposentar, Martín Santomé não sabe bem o que fará com seu tempo ocioso. Em um diário, ele faz planos para a sua liberdade permanente, que ao mesmo tempo parece uma espécie de prisão: entre a jardinagem, o violão e a escrita, Santomé sabe, intuitivamente, que estará confinado à solidão dos dias.
Um fato curioso: logo que terminei esse livro, comecei a leitura de "A Vida Não É Justa", da escritora Andréa Maciel Pachá. E qual não foi minha surpresa ao me deparar com um comentário sobre a obra do uruguaio Mario Benedetti! De sua experiência de quase 20 anos à frente de uma Vara de Família, como juíza, Andréa faz uma breve análise sobre os relacionamentos entre homens maduros com mulheres mais jovens, e enfatiza que, após ler o livro de Benedetti, começou a enxergar de outra forma essas relações amorosas. Como se a vida oferecesse uma espécie de "trégua" e frescor para o sofrimento humano, que é inevitável a todos nós. É muito interessante quando, inesperadamente, ocorrem essas conexões entre um livro e outro!
Em várias passagens do livro de Benedetti, no entanto, diante das anotações de Santomé, nos deparamos com um machismo escancarado, comum à época. Santomé avalia as pernas de Avellaneda, desconfia das mulheres quando se trata de matemática ou durante o período menstrual.
Mas é impossível não mergulhar de cabeça quando o romance entre ele e Laura Avellaneda aflora. Santomé parece sair de um estado de catatonia pura para um picadeiro. É praticamente impossível não se envolver e não se deixar levar pela esperança e alegria crescentes e incontidas em Martín Santomé.
Não é uma leitura muito fácil e agradável, entretanto. Santomé é um ótimo observador de seu entorno. Sem recorrer a clichês, o autor nos lembra que a vida não dá tréguas: os momentos de felicidade são tão fugidios e breves quanto uma chuva de verão:
"A quem chora todos os dias, o que resta lhe fazer quando couber uma grande dor, uma dor para a qual sejam necessárias as máximas defesas? Sempre é possível matar-se, mas isso, afinal, não deixa de ser uma solução pobre."